Por Carlos Eduardo Richinitti
A situação atual da justiça brasileira, em especial nos grandes Tribunais, preocupa sobremaneira, pois há muito os números estão a mostrar um crescimento vertiginoso das demandas processuais e do estoque de processos pendentes de julgamento, o que exige profunda e urgente reflexão do que fazer. Fica claro que o enfrentamento desse quadro, por parte do Judiciário, quase sempre focado em reformas processuais ou em procedimentos administrativos embasados não poucas vezes no empirismo, mostra-se absolutamente insuficiente e incapaz de efetivar as mudanças que urgem, atendendo aos anseios da sociedade moderna.
Nesse aspecto, impõe-se a conscientização de todos que o mundo passa por profundas alterações e que todos somos testemunhas vivas de uma verdadeira transformação da humanidade, hoje marcada pelo relacionamento impessoal e massificado, decorrente da Revolução Tecnológica, situação que se reflete na alteração dos litígios que acabam desaguando nos foros.
Sob pena de instauração definitiva do caos, impõe-se que os operadores do direito enfrentem o problema com olhos para o futuro e de uma forma propositiva, desvinculadas de interesses corporativos ou de realidades que não mais existem e que ensejaram o modelo hoje existente.
As alterações mais prementes, a meu ver, nem estão naquilo que sempre se preocupa o jurista, no caso as reformas do sistema legal, seja no direito material ou processual, até porque é isso, em regra, o que conhece em razão de sua formação. Estas, registre-se, também são importantes, citando-se, por exemplo, a irracionalidade do sistema recursal brasileiro, sedimentado em quatro inaceitáveis instâncias, bem como na premente necessidade de valorização do enfrentamento coletivo das ações de massa que são, em última análise, aquelas que acabam por congestionar o sistema judicial.
Contudo, no meu entedimento, a mais urgente das reformas do Judiciário brasileiro está justamente na alteração do atual sistema de escolha dos cargos diretivos dos Tribunais, que não pode mais, embasado em lei ultrapassada, gestada nos tempos de chumbo, continuar esbofeteando a realidade e a necessidade da eficiência, valorizando única e exclusivamente o critério da antiguidade, como se liderança, espírito inovador e criativo, requisitos essenciais à adequação do Judiciário aos dias de hoje, fossem algo que se adquire apenas com o avanço da idade e o tempo de jurisdição.
A realidade danosa, em especial nos grandes Tribunais, é que o modelo atual tem servido única e exclusivamente para atender, não poucas vezes, apenas projetos pessoais, pois não é raro que o candidato “escolhido” sequer tenha tempo para concluir o mandato, atingindo a aposentadoria compulsória em meio ao biênio.
Atualmente, a escolha dos dirigentes dos Tribunais está regrada no art. 102 da LOMAN, datada do ano de 1979, a qual estabelece:
Art. 102 – Os Tribunais, pela maioria dos seus membros efetivos, por votação secreta, elegerão dentre seus Juízes mais antigos, em número correspondente ao dos cargos de direção, os titulares destes, com mandato por dois anos, proibida a reeleição. Quem tiver exercido quaisquer cargos de direção por quatro anos, ou o de Presidente, não figurará mais entre os elegíveis, até que se esgotem todos os nomes, na ordem de antiguidade. É obrigatória a aceitação do cargos, salvo recusa manifestada e aceita antes da eleição.
Ora, uma interpretação literal do referido dispositivo legal, felizmente arrefecida, ultimamente, pelo STF, leva à conclusão de que a eleição para os cargos diretivos dos Tribunais se dá apenas entre os Desembargadores mais antigos e para escolha, entre eles, qual será o Presidente, o Corregedor e os demais Vices. Pode-se concluir, inclusive, na medida em que a recusa deva ser motivada, que os cargos podem ser impostos, quando então alguém poderá ser alçado à presidência de um Tribunal, mesmo havendo outras opções, contra a própria vontade.
Em verdade, a LOMAN foi feita há mais de trinta anos, quando então ser Presidente de um Tribunal basicamente limitava-se a atos de representação. Essa realidade mudou radicalmente, em especial a partir da Constituição de 1988, com a autonomia financeira e administrativa do Judiciário. Hoje, quem é alçado a esse cargo, administra orçamentos na casa dos bilhões, milhares de servidores e magistrados e uma demanda processual sem precedentes.
Diante desse quadro, cada vez mais é necessário que estejam à frente das administrações judiciárias não o mais antigo e sim o mais preparado, com mais visão administrativa, liderança e capacidade de enfrentar a realidade exigida pelos tempos de hoje.
Nesse sentido, é de todo interessante que se amplie o leque de escolha dos novos dirigentes, sem, contudo, desconsiderar-se por completo uma necessária e saudável antiguidade no Tribunal, não só pelo aspecto da salutar experiência, mas também pela própria legitimação dos novos dirigentes, o que não se alcança caso possível a qualquer Desembargador, mesmo que recém promovido, concorrer aos cargos diretivos. Assim, conveniente seria a possibilidade de habilitar-se às eleições aos cargos de direção a metade dos magistrados que compõem o Tribunal Pleno de cada Estado, descontados os impedidos.
Observe-se que a norma citada está desadequada, a partir de um critério de eficiência, não só em relação ao requisito único da antiguidade, mas também ao tempo de mandato e o absurdo da possibilidade de que pessoas que se habilitem aos cargos possam não ter qualquer vínculo ou afinidade entre si ou qualquer projeto pré-definido de gestão. Em outras palavras, amadorismo completo.
Urge alteração no sentido de que a lei estabeleça a obrigação de que aqueles que se habilitam ao pleito, o façam por chapas fechadas, com registro prévio, e não pela sistemática hoje existente, onde possível que cada Desembargador se apresente, no dia da votação, de forma individual, concorrendo cargo a cargo, o que gera inaceitável distorção de que as pessoas escolhidas possam não ter qualquer afinidade de pensamento ou compromisso entre si, gerando, com isso, sérias desavenças com inegáveis prejuízos à instituição.
Como referido anteriormente, habilitar-se a um cargo diretivo não pode ser um projeto único e exclusivamente pessoal, impondo-se que os candidatos tenham propostas comuns e afinidades de pensamento, estabelecendo-se planos de ação, inclusive com prioridades, as quais devem ser conhecidas previamente pelo administrado e pela população, senão como elemento decisivo na escolha, ao menos como cobrança daquilo que é prometido.
Impõe-se, ainda, alteração do prazo dos mandatos, hoje estabelecidos em 02 anos, o que é muito pouco, pois a experiência tem mostrado que o primeiro ano sofre o natural prejuízo da necessária adaptação à função e conhecimento da máquina administrativa, sendo que o segundo e último ano mostra-se insuficiente para implementação do projetado, até porque sabidamente os últimos meses têm o foco direcionado, com inegáveis prejuízos, ao novo processo eleitoral que naturalmente começa.
A sugestão, assim, é no sentido de que o mandato seja aumentado para três anos, mantida vedação à reeleição ao cargo de Presidente, o que permite um melhor planejamento e execução do proposto, bem como a natural renovação dos quadros diretivos.
De outra forma, questão extremamente controversa é a que diz respeito ao colégio eleitoral, no sentido da conveniência ou não de ser mantido o quadro atual, onde a escolha é feita apenas pelos Desembargadores, ou se deve ser estendido o direito a todos os magistrados que integram a instituição, incluindo-se o direito ao voto também aos Juízes de Direito.
Não se desconhece todas as ponderáveis restrições em relação à ampliação do quadro de eleitores, principalmente no que diz re
speito aos efeitos danosos de uma politização da instituição e até uma divisão, pois não há como se desconsiderar que a desproporção numérica entre as instâncias, sendo aqueles que integram o primeiro grau em número maior, poderá gerar distorções com atenção e compromisso maior em relação a esta instância.
Não obstante tudo isso, tenho que o melhor encaminhamento, ainda seja o da amplitude do colégio eleitoral, abrindo-se a possibilidade de que todos os magistrados possam exercer o direito de escolher seus dirigentes. Tal medida, além de mais democrática, dará maior legitimidade aos escolhidos, além de estabelecer programas vinculados e atentos às realidades das duas instâncias.
A indesejável politização ou divisões advindas de campanhas por votos, a meu ver, resta em muito atenuada pela impossibilidade de reeleição do Presidente, quando então aqueles que se habilitam estarão vinculados apenas a propostas prévias, sem a preocupação de uma atuação com vista a um segundo mandato. Afora isso, a sempre oxigenadora democratização é algo a ser amadurecido, devendo a instituição estar preparada para os naturais e saudáveis embates políticos.
Por fim, a relevância das alterações ora propostas, na medida em que atentam à uma necessidade urgente de adequação do Poder Judiciário a uma realidade hoje posta, em especial no que diz respeito à sua modernização administrativa e busca da eficiência, não podem, respeitando entendimento diverso, serem postergadas para a edição da nova Lei Orgânica da Magistratura que se arrasta há anos, pelo que se sugere que a modificação seja introduzida com a alteração da lei hoje vigente, propondo-se a seguinte redação para o art. 102 da atual LOMAN:
Art. 102 – Os Tribunais, pela maioria dos magistrados vitalícios, de primeiro e segundo graus, em atividade, por votação secreta, elegerão dentre a metade mais antiga dos Desembargadores que integram o pleno, desconsiderando-se os impedidos, em número correspondente aos dos cargos de direção, os titulares destes para mandato com duração de três anos.
Parágrafo Primeiro – A habilitação para os cargos diretivos deverá ser feita por chapas fechadas, com registro prévio e apresentação de planos de gestão, devendo cada Tribunal regulamentar, em seu regimento interno, os respectivos pleitos.
Parágrafo Segundo – Na falta de interessados a concorrer aos cargos diretivos, ficarão obrigados à aceitação destes os Desembargadores mais antigos, desconsiderados os impedidos.
Parágrafo Terceiro – É vedada a reeleição para o cargo de Presidente, não se aplicando esta vedação ao Desembargador eleito para completar mandato inferior a 18 meses.
Parágrafo Quarto – Quem tiver exercido qualquer outro cargo diretivo elegível diverso do de Presidente, por mais de 06 anos, fica impedido de concorrer a cargo eletivo novamente.
A realidade é uma só. Nos últimos anos o mundo mudou substancialmente, com profundos reflexos no Judiciário, o qual, registre-se, lamentavelmente não estava preparado para tais mudanças, resultando que hoje, em especial nos grandes Tribunais, nos deparamos com um crescimento avassalador da demanda judicial que já resulta em estoques quase insuperáveis.
Mudar esse quadro é um desafio de todos, agora já não mais como critério de opção e sim de viabilidade, sob pena de instaurar-se o caos.
Para isso, impõe-se uma série de medidas, com profundas modificações na legislação processual e material. Contudo, a meu ver, a mais urgente e importante de todas é a modernização das administrações dos Tribunais, as quais não podem mais ficar vinculadas a objetivos de eficiência apenas pela teoria do princípio constitucional, com o que urge a alteração do sistema de escolha de seus dirigentes, de forma que se possa escolher, entre os membros da instituição, os mais preparados, com capacidade de inovar e liderar as mudanças e desafios que exigem os tempos atuais.
Carlos Eduardo Richinitti é juiz de Direito.