Nada muda com inserção de teletrabalho na CLT

Por Euclydes José Marchi Mendonça

A imprensa noticiou com destaque a recente sanção da Lei 12.551, de 15 de dezembro de 2011, que alterou o artigo 6º da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), para estabelecer que “não se distingue entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador, o executado no domicílio do empregado e o realizado a distância, desde que estejam caracterizados os pressupostos de relação de emprego”. Parte da imprensa, no entanto, interpretou o assunto de forma equivocada. O fundamento da lei, a sua intenção, não foi transformar o uso cada vez mais constante e permanente de comunicação por meios eletrônicos em jornada extraordinária (seria e será um absurdo, se assim interpretada). O dispositivo, conforme o seu caput desnecessariamente alterado, trata de não distinguir o trabalho interno no estabelecimento daquele realizado na residência ou em outro local distante da empresa.

A redação anterior do mesmo artigo já dizia a mesmíssima coisa: “Não se distingue entre o trabalho no estabelecimento do empregador e o executado no domicílio do empregado, desde que esteja caracterizada a relação de emprego”. Desnecessariamente, repito, alteraram a lei para, acrescentando uma vírgula, em substituição ao “e”, acrescentar “o realizado a distância”, alterando, ainda, a expressão anterior caracterizada a relação de emprego, para “estejam caracterizados os pressupostos de relação de emprego”.

Além disso, a lei unicamente atualizou, com inclusão de um parágrafo único, as questões criadas pelo próprio mercado de trabalho e pela logística própria da globalização, face a modernidade e saudável evolução dos meios de comunicação, em virtude dos trabalhos hoje, por exemplo, realizados pelo sistema home office (em casa) ou em qualquer outro local privado que não seja a sede ou o escritório da empresa.

A meu ver, sequer seria necessária uma alteração da lei para isto, pois a jurisprudência já se encarregara de regular a matéria, sendo um vício do Brasil esse excesso legislativo, que, vez por outra, deixando de cuidar de questões realmente importantes, legisla para repetir o que já é pacífico pela jurisprudência, normalmente, como no caso, acrescentando algum equívoco na redação do texto legal, devolvendo aos tribunais uma avalanche de processos que não existiriam, pois já se encontravam pacificadas as matérias em virtude de reiterados pronunciamentos.

Se amanhã se inventar algum outro tipo de equipamento, ou meios telepáticos de comunicação, será necessário, pelo mesmo entendimento, uma lei para dizer que o trabalhador que exerce sua atividade com pessoalidade, de forma não eventual, mediante remuneração paga pelo contratante e mediante subordinação jurídica, “controlado” por esta ou aquela ferramenta do futuro, será um empregado! É o óbvio que não!

Os requisitos da relação de emprego não se sustentam de forma independente. É necessária a conjugação de pelo menos três elementos básicos para que haja o vínculo: não eventualidade, dependência (subordinação) e salário.

Também não é o uso de meios eletrônicos, principalmente e-mails, que poderá representar, de forma genérica, a realização de horas extras para aqueles cujo o vínculo já é indiscutível.

O curioso é o enfoque que a imprensa tem dado de que se trataria de uma lei com a finalidade de equiparar os efeitos jurídicos da subordinação exercida por meios telemáticos e informatizados. A ementa da lei é equivocada e, lamentavelmente, alguns doutos já estão opinando sobre a ementa e não sobre o texto legal. A interpretação não se faz pela ementa, nem se obedece o que nela consta, também não é no parágrafo do artigo que se encontra a solução para a celeuma criada, que apenas complementa o óbvio. É o caput do artigo que estabelece do que trata o dispositivo e a sua finalidade e que, pela simples leitura da redação anterior, demonstra que foi desnecessário o esforço da alteração implementada.

O parágrafo em questão seria absolutamente desnecessário, pois são inúmeros os trabalhos possíveis e que sempre puderam ser feitos à distância da empresa, e que prescindem do uso de equipamentos eletrônicos, e nem por isso os empregados, assim estabelecidos, deixariam de ser assim considerados, se presentes os requisitos do artigo 3º da CLT. Existem costureiras, bordadeiras, pintores, artesões de modo geral, tradutores, redatores etc., que não precisam obrigatoriamente estarem ligados por meio eletrônico aos seus empregadores. O meio eletrônico é apenas uma facilidade do mundo moderno. Tais atividades diferem totalmente daqueles, em minoria ainda, que trabalham em segmento da atividade empresarial que, por questões de logística e até de economia, instalam ou proporcionam aos empregados, fruto das facilidades do mundo moderno, a possibilidade de trabalharem onde quer que estejam, muitas vezes em escritórios em suas próprias residências, ligados por um sistema integrado de rede de longa distância.

Não é o uso esporádico do celular, ou de smartphones, que comprovará a subordinação, razão pela qual entendo inadequada a precipitada avaliação de que a egrégia Corte Superior Trabalhista pretenda revisar de pronto a sua Súmula 428, pois não é razoável que, sem sequer discussões pelas vias ordinárias, possa um Tribunal Superior ser seduzido por precipitadas interpretações de uma alteração legislativa cuja matéria, por anos, já mereceu pronunciamentos de todos os tribunais do país.

Fosse o desejo do legislador transformar o uso de mensagens eletrônicas, celulares e outras formas tecnológicas de comunicação em forma de controle de jornada, teria alterado o disposto no inciso I do artigo 62 da CLT, e não o artigo 6º. A súmula em questão é de redação clara: “O uso de aparelho de intercomunicação, a exemplo de BIP, pager ou aparelho celular, pelo empregado, por si só, não caracteriza o regime de sobreaviso, uma vez que o empregado não permanece em sua residência aguardando, a qualquer momento, convocação para o serviço”. Ou seja, nada muda. Não é o uso do celular ou do email, “por si só”, que poderá representar horas extras, que somente existem quando demonstrada na situação em concreto, com a apresentação de outros elementos. Nada mudou!

Euclydes José Marchi Mendonça é especialista em Direito Trabalhista e vice-presidente do Instituto dos Advogados de São Paulo.

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