Teletrabalho serve para contestar ponto eletrônico

Por Percival Maricato

Adequada aos avanços tecnológicos, a recente Lei 12.551 facilita discriminação de horários para quem trabalha em casa ou à distância, e elimina a polêmica sobre uso de relógio eletrônico para milhares de empresas.

Ela adéqua o artigo 6º da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e regulamenta o “teletrabalho e o trabalho à distância”, contribuindo para caracterizar relações de emprego quando as condições previstas na norma estiverem presentes (subordinação, trabalho regular etc.) e horários de trabalho.

O caput aparentemente apenas reforça o que já existia ou, para os mais rigorosos, “chove no molhado”. No entanto, as interpretações, especialmente do parágrafo único, poderão ser muito mais amplas que aparanta.

A interpretação da lei, e não a própria, dirá se teremos soluções ou mais problemas. A lei reconhece que a evolução tecnológica existe e isto é positivo, abre uma brecha na rigidez conservadora da legislação trabalhista. Muito de suas conseqüências dependerão de interpretações dos juízes trabalhistas e isto é um risco, pois eles são majoritariamente conservadores e têm visão negativa das empresas. Haverá mais algumas centenas de milhares de reclamações trabalhistas sendo protocoladas ou haverá mais um item para discutir e fazer provas nas que são costumeiras. Se as interpretações forem adequadas, sempre há uma esperança, especialmente as do Tribunal Superior do Trabalho, poderão ajudar a resolver muitos problemas.

O que não se pode admitir é que sejam ignoradas as novas tecnologias, e tampouco as enormes possibilidades abertas a empregadores e empregados, pela jornada flexível de trabalho. Não deve, por exemplo, dificultar o trabalho na residência do funcionário (home office), o que, além de ser importante socialmente, ajuda a evitar o trânsito (e poluição, gastos com combustível ou transporte), poupa dor de cabeça (aumentando o tempo para lazer do trabalhador) e propicia economia de recursos das empresas. Devem ser consideradas ainda as possibilidades de comunicação com o exterior, quando o fuso horário impede que sejam feitas durante o expediente; e também de atendimento eficiente a clientes, razão de existir de qualquer empreendimento.

Repercussões
A polêmica mais intensa deverá ser provocada pelo parágrafo único, do qual consta que “os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio.”

Essa determinação reforça os meios telemáticos e informatizados como prova de relação de trabalho, duração de jornada e outras características do relacionamento empresa-trabalhador. Mas terá força suficiente para transformar telefonemas e e-mails, ou espaços entre eles, em jornada ou sobreaviso? Ou até o fato do funcionário receber um telefonema eventual em hora extra?

As comunicações entre empresas e funcionários já são usadas como meio de provas em juízo. Podem provar relação de emprego, remuneração, extensão da jornada de trabalho, horas extras noturnas ou aos domingos e outros detalhes. No Direito Cível, têm servido para provar que determinados contratos foram feitos (basta uma empresa enviar um e-mail fazendo uma proposta, e a pessoa dizer que aceita).

Não é qualquer comunicação, porém, que deve ter implicações jurídicas. O empregado, afinal, poderá telefonar para dizer que sua sogra faleceu e não comparecerá no dia seguinte ou para pedir que guardem na gaveta o bilhete de loteria que ele deixou sobre a mesa; ou algum colega ou chefe poderá ligar para lhe dizer que sua esposa está indo atrás dele em seu bar preferido, carregando um pau de macarrão.

Muitos telefonemas são inadiáveis devido a descumprimentos de obrigações pelo trabalhador, e não para “comando, controle e supervisão”, como consta da norma. O bom senso terá que ser usado, para que a lei dê resultados positivos.

A questão mais controvertida é a do sobreaviso. A Súmula 428 do TST considera uso de telefone e outros meios de comunicação como insuficientes para provar o sobreaviso e, consequentemente, horas extras.

Essa súmula é adequada e é melhor que continue em vigor ou que o sobreaviso seja regulamentado por lei ou nas convenções coletivas, pois não implica necessariamente em horas extras. De um telefonema podem decorrer ou não a necessidade e a imposição de horas extras ao trabalhador. Há casos em que um trabalhador pode aceitar ou recusar o que lhes será pedido. Outros em que só atenderão o que lhes convier. Outros em que o próprio trabalhador insistirá em ficar, por ser forma de, atendendo-o, engordar sua remuneração, seja pela hora extra, seja pela oportunidade de fazer uma venda ao cliente. Haverá aqueles em que o sobreaviso já estará integrado ao salário. Impossível admitir-se uma única interpretação.

Relógio eletrônico
O que ninguém notou até agora são as implicações que esse parágrafo único poderá ter sobre as seguidas e inexplicáveis tentativas do Ministério do Trabalho de impor esse monstrengo caro e inútil, a que chama relógio de ponto eletrônico.

Afirma o parágrafo que “comando, controle e supervisão por meios eletrônicos e telemáticos serão tidos como equivalentes aos de subordinação pessoal e direta”.

Entendemos que esse comando libera de vez as empresas que têm funcionários trabalhando em casa ou à distância (vigilância, limpeza, manutenção e outros) do famigerado relógio de ponto eletrônico como o quer o ministério referido. Note-se que a lei fala desses tipos de comunicação de forma genérica, ou seja, não exclui nenhum que se possa ter como idôneo. Depois, aqui se trata de uma lei vinda do Congresso e assinada pela presidente da República, enquanto o relógio de ponto eletrônico decorre de Portaria, é assinada por ministro. Há enorme distância hierárquica entre uma e outra.

Esse entendimento, a valorização desses meios telemáticos e eletrônicos em geral, deve ser usado doravante para enfrentar a pretensão do Ministério do Trabalho quanto ao ponto eletrônico mesmo nos demais setores da atividade econômica.

Precauções
As empresas poderão usar os meios previstos na lei para, de forma mais precisa, regulamentar jornadas, evitando reclamações fantasiosas. Isso, sem dúvida, estimulará a expansão do trabalho feito na residência e à distância.

Doravante, é recomendável que a empresa regulamente a comunicação com seu funcionário, colocando normas no contrato de trabalho desde seu início, ou aprove regulamento a ser cumprido. Cópias deste poderão ser entregues a cada funcionário, que por sua vez assinará o recebimento no verso de outra cópia. Ele poderá ser fixado em mural. Deve constar que o funcionário só deve, fora do horário do expediente, ligar à empresa ou com ela se comunicar neste ou naquele caso ou ainda em situação de emergência ou em caso de estar autorizado a fazê-lo. Em qualquer outro caso, será considerado infração. O funcionário que receber comunicação sobre trabalho deve informar a empresa no dia seguinte.

Os que estão na empresa, igualmente, somente devem ligar para o funcionário que já está de folga com a autorização do chefe, ou, se isso for inviável, em caso de emergência, informando isso à empresa por escrito (para que fique registrado), logo que possível. Deve-se prever outras condições para comunicações nos domingos, feriados, férias, período noturno. Pode-se limitar as comunicações a determinados horários, como se pode estipular que o sobreaviso será pago por uma porcentagem da hora normal de trabalho. Evidentemente, se a comunicação se tornar necessária por falha do funcionário (esqueceu de fazer algo que só ele sabe fazer), ela não pode contar como hora extra, mas não custa especificar no contrato e manter
a prova em arquivo.

Pode-se tentar evitar que o sobreaviso seja hora extra quando isso for de interesse dele, quando ele pedir para ser incluído no sistema ou até quando ele pode recusar-se a atender o que lhe será pedido. mas a Justiça do Trabalho poderá colocar objeções a essa avença, mesmo que incluída em convenção coletiva. Pode-se ainda limitar o sobreaviso ou ao contrário, não considerar horas extras os primeiros dez minutos antes do funcionário começar a trabalhar ou após o término da jornada, nos casos de trabalho contínuo, onde um é substituído por outro. Nessas condições, é comum o trabalhador que antecede ou substitui outro precisar de informações para dar continuidade a função.

Sem dúvida, a lei em comento terá muito mais repercussões do que aparenta. Esperemos pelas interpretações. A flexibilidade de marcação do ponto é relevante para empresas, especialmente às que prestam serviços terceirizados. Não há como fazer um trabalhador ir até a empresa, marcar o ponto e depois ir para o local de trabalho. Estava sendo discutida a adequação de outras formas que não o tal relógio de ponto do ministério. Mas parece que a nova lei acaba com a polêmica. As empresas podem escolher como seus trabalhadores devem marcar o ponto, contanto que seja meio idôneo. As convenções coletivas podem reforçar essa tendência, dispor sobre detalhes e tentar fazê-la ser aceita pela Justiça do Trabalho.

Percival Maricato é coordenador do Pensamento Nacional das Bases Empresariais e vice presidente jurídico da Central Brasileira do Setor de Serviços.

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