Papel do advogado criminal tem que ser debatido

Por André Luis Melo

A advocacia criminal tem um importante papel no Estado Democrático de Direito. Mas, no Brasil a redefinição do papel do advogado criminal tem que ser debatida.
A priori, se o Estado acusa e o próprio Estado defende o réu, é um forte sinal da necessidade de se rever os mitos do direito (ou dever) de punir do Estado, bem como acerca da obrigatoriedade da ação penal. O ideal então é adotarmos o princípio da oportunidade da ação penal pelo Ministério Público em casos de delitos menos graves.

Por outro lado, tem se observado que a OAB Federal tem tido três pontos de debate mais contundente na área criminal: Local em que senta o Promotor no Júri, remessa do Inquérito Policial direto ao MP, e poder do MP investigar.

Em relação ao item 1, o lugar que senta o Promotor pouco influencia na decisão dos jurados. O que os jurados acham estranho é o fato de que o advogado não senta ao lado do seu cliente em muitos julgamentos, mas isto a OAB não discute. O Promotor sentar à direita do Juiz é uma questão tradicional do direito europeu, a origem do nosso direito. Muitos assistem muitos filmes norte-americanos e querem uma simetria imediata, mas são origens diferentes, afinal naquele país é o direito anglicano que prevalece. Inclusive lá o Promotor pode retirar ação penal e decide quais ações serão ajuizadas, bem como as investigações. Ademais, não sendo escolhido por concurso (da mesma forma que o Juiz nos Estados Unidos), pois lá existem várias formas de seleção de juízes e promotores, em muitos casos eleições diretas ou indiretas para mandatos, e escolha política para a área federal. No Brasil, há algumas décadas o cargo de Procurador Geral, o Promotor no STF, era ocupado por um Ministro do STF indicado para a função. Em suma, o lugar que senta o Promotor no Júri não vai mudar a situação do réu no Brasil.

No tocante ao item 2. Questionar a remessa direta do Inquérito Policial ao MP parece ser um equívoco, pois a triangulação ou remessa direta ao MP em nada muda a situação do réu, apenas retarda o julgamento em “prazo razoável”, como previsto na Constituição, mas esta triangulação chega a gastar seis meses para se bater carimbos. De fato, para se quebrar sigilo terá que ter autorização judicial, mas nos demais casos a relação deveria ser direta entre Promotoria e Delegacia.

Alegar também que não teria acesso dos autos no MP, mas ter acesso na Delegacia, chega a soar estranho. Outrossim, pode-se denunciar sem o Inquérito Policial ou antes da conclusão do mesmo. Além disso, vários outros órgãos públicos e até pessoas enviam documentos que narram crimes diretamente ao MP, o qual já pode denunciar. Logo, exigir a triangulação (passar pelo Judiciário) que leva de três a seis meses este ato burocrático é uma bandeira de pouca relevância.

Quanto ao item 3. Se o processo penal busca a verdade real como alegam os “manuais de processo”, então o MP investigar não tem problema algum. Por outro lado, toda parte investiga. Aliás, o próprio BOM advogado investiga para o seu cliente, pois não pode ser mero despachante judicial. Logo, tanto o advogado do réu, como o advogado do autor, se for bom, investigam e buscam provas. A polícia investiga alguns crimes, enquanto a Receita Federal investiga outros, a CVM investiga outros delitos, a Vigilância Sanitária investiga crimes também, e até a vitima investiga. Além disso, o Ministério Público investigar é uma conduta comum em todos os países democráticos. E alegar que estaria o Ministério Público selecionando os delitos, isto é quase que uma ingenuidade. Afinal, até o soldado da PM na rua seleciona quem ele vai abordar na rua, a Polícia Civil seleciona quais casos vai investigar (pois não consegue investigar todos) e o Judiciário seleciona quais os processos vão para a pauta de julgamento e seleciona também “quais ficaram na prateleira ou na gaveta, ainda que digital, até prescrição”

Com a devida vênia, mas estes temas adotados pela OAB como prioridade na área criminal pela OAB não vão melhorar em nada a situação do réu, nem melhorar o sistema de justiça criminal. Melhor seria debater temas que realmente interferissem na atual estrutura processual penal inquisitória e inconstitucional como: Vedar, ou não, que o juiz, sem remeter os autos ao PGJ, condene o réu quando o MP pede absolvição; questionar, ou não, o fato de o juiz prender de ofício, sem pedido das partes, pois é mais grave ser preso do que o lugar que o Promotor senta; impedir, ou não, que o Juiz aplique sanções de ofício na execução penal, ou no mesmo caso do item 1; discutir se o juiz pode investigar, ou não. Pois há casos em que é o Judiciário investiga e a OAB não questiona isto; debater se a assistência jurídica no momento da lavratura da prisão em flagrante é essencial ou apenas facultativa, pois neste caso tem sido negligenciada, embora possa ser fundamental na fase judicial; e definir se o juiz que aplicou o art. 28 do CPP pode continuar no processo, pois já prejulgou.

Ademais, um dado que precisa ser analisado mais profundamente é que entre 2003 e 2010 a quantidade de presos passou de 300 mil para quinhentos mil, conforme dados do DEPEN. Este período coincide com a entrada no Governo Federal com forte ideologia estatizante, inclusive na Assistência Jurídica. O que reforça a tese de que não basta fortalecer a defesa, mais sim criar para o réu mecanismos que permitam escolher o seu advogado. E ainda, permitir à acusação não processar o réu, e vedar que o Juiz assuma a acusação, ainda que indiretamente, através de um processo inquisitório, o qual viola a regra constitucional do processo contraditório, ou seja, processo de partes.

Outro ponto relevante é que o Defensor Público atualmente não quer ser advogado, nem estar inscrito na OAB e isto gera insegurança jurídica em milhões de processos, pois a Constituição Federal definiu que a Instituição tem a atribuição, não exclusiva, de prestar assistência jurídica, e vedou o exercício da advocacia fora de suas atribuições institucionais. Logo, o ideal seria que todos os processos criminais no Brasil em que o Defensor Público não está inscrito na OAB ficassem suspensos até que o STF consiga arrumar um tempo para julgar esta ADIN, pois podem estar nulos conforme for a decisão do STF. Ademais Tratados Internacionais asseguram acesso a Advogado como direito de defesa, e não apenas acesso a servidor público com formação jurídica. E assistência jurídica tem que ser através da representação processual e não como substituta processual da parte, mas a OAB demorou muito para se posicionar com relação a este tema e mesmo assim manifesta-se mais publicamente acerca do lugar que assenta o Promotor do que se é essencial, ou não, que no júri tenha advogado, haja vista que tem Defensor Público fazendo Júri sem estar inscrito na OAB.

Por fim, os temas sugeridos, além de outros, certamente são de mais interesse processual do que as atuais bandeiras da OAB e poderiam mudar a atual situação do réu e do sistema de justiça criminal.

André Luis Melo é promotor de Justiça em Minas Gerais, professor universitário e mestre em Direito.

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