Por Cássio Roberto dos Santos Andrade
Carina, Patrícia e Manuela estão sentadas no meio-fio ao lado de um semáforo da avenida principal da cidade, às 2h30 de uma madrugada fria. Estão descalças, sem agasalhos, o que provoca um abraço fraternal para esquentar os três corpos miúdos, maltratados pela vida, despedaçados pela desigualdade. Aguardam alguém que venha buscá-las ou autorizá-las a dormir. Os carros passam com os vidros fechados. A cidade é perigosa.
Elas têm sete, seis e cinco anos, respectivamente. Vendem balas no sinal de trânsito, lutando por qualquer ajuda. Sustentam o lar de uma família cujo pai nunca existiu e a mãe só fez repetir a saga de uma vida miserável que lhe veio como herança.
Se a sorte permitir, elas chegarão aos doze anos, quando nascerão os primeiros traços da adolescência. Nessa fase, descobrirão que os vidros dos carros passarão a se abrir, onde surgirão olhares diferentes que oferecem dinheiro sem receber balas em troca. Querem mais. Elas não terão escolha; nunca tiveram.
No mês de março de 2012 a imprensa noticiou que o Superior Tribunal de Justiça decidiu que um adulto que praticara sexo com três crianças de 12 anos não cometeu crime, pois elas já estariam no mundo da prostituição. Pelo entendimento da Corte divulgado pela mídia, a relação sexual com crianças menores de 14 anos só configuraria estupro se elas estivessem amparadas pelo manto branco da inocência. Para os togados, segundo o que se noticiou, as meninas haviam escolhido a prostituição.
As crianças que passam pelos sinais de trânsito nos carros luxuosos com os vidros fechados não podem ser molestadas. Elas não escolheram a prostituição. Já Carina, Patrícia e Manuela, pelo olhar justo dos que exercem o poder, podem preferir a violência da madrugada ao aconchego de um lar confortável, com babás caras, brinquedos raros.
Pela mensagem que o Brasil lança ao mundo, essas filhas do abandono brasileiro têm capacidade e opção para decidir, livre e conscientemente, pelo caminho sujo de satisfazer os desvios de um submundo podre e hipócrita. Ao invés de reprimir o ato criminoso de um adulto perverso que optou por perpetuar a violação de três crianças, preferiu a nossa Corte Superior julgar o comportamento dessas meninas que nunca tiveram a chance de dizer não. Nasceram condenadas sem culpa e sem crime.
Se todo o poder emana do povo, o país que aceita institucionalmente o estupro de qualquer de suas crianças, seja qual for a razão, é uma nação sem caráter. O repugnante turismo sexual infantil agradece.
Cássio Roberto dos Santos Andrade é advogado, mestre em Direito, professor do UNI-BH e Procurador do Estado de Minas Gerais.