Por Glaucio Pellegrino Grottoli
Impressiona-me cada vez mais que, mesmo com os avanços tecnológicos ocorridos desde a edição da Constituição Federal de 1988, alguns tribunais e juízes ainda se colocam contra a imunidade dos livros, jornais e periódicos em meio eletrônico. Temos que lembrar que, nos idos de 1988, era lançado nos Estados Unidos o Windows 2.0, que demoraria para ingressar em terras brasileiras por causa da reserva de mercado da indústria de informática. Assim, quando da edição da CF, a única “tecnologia” que nosso Poder Constituinte conhecia era o papel e, no máximo, uma máquina de escrever elétrica com visor de LCD branco e preto (lembram dessa?).
O que me causou estranheza foi uma decisão proferida no ano passado pelo ministro José Antonio Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal, em que a segurança de um Mandado de Segurança foi denegada tendo em vista dispor a Constituição Federal posto haver a expressão “papel destinado a sua impressão”. A decisão é baseada no fato de que, já que a CF estendeu a imunidade ao papel em que eram impressos os jornais, livros e periódicos, a imunidade se vincularia ao meio físico em que a informação é veiculada.
Essa posição não é jurídica, de maneira alguma. A Constituição Federal deveria ser interpretada, quando possível, aos olhos do mundo em que se insere e não parada no tempo em que foi editada. Admitir que ela está congelada no tempo é admitir que qualquer avanço e/ou tecnologia nova não receberia qualquer proteção constitucional.
Seguindo esse posicionamento e fazendo uma metáfora absurda, porém cabível, a pirataria digital não poderia ser proibida, visto que, como não existia nos tempos da Constituição, não poderia ser regulamentada ou coibida. Ou seja, inexiste no universo jurídico. Na verdade, a própria internet seria inconstitucional, bem como a página do STF na mesma. E o que dizer então das provas por meio eletrônico, cada vez mais aceitas? Não seriam uma violação do devido processo legal? Como admitir uma prova digital no devido processo legal (previsto na Constituição) se ao tempo daquela o meio digital inexistia?
O que a imunidade tenta alcançar é a disseminação livre da informação e, com o objetivo de assegurar que a cadeia inteira estaria imune, garantir que o principal insumo para sua produção, também fosse imune. Ainda mais se pensarmos que a Constituição Federal de 1988 foi a primeira após a ditadura militar que reprimia, com força máxima, a disseminação da informação.
Mas essa visão restrita da imunidade dos e-books não pode prosperar, ainda mais quando pensamos em quanto o meio digital evoluiu nesses anos (evoluiu, não. Foi criado após a Constituição). Claro que o sistema legal brasileiro não é de common law. Porém, querer que, por causa de uma expressão mal utilizada – o melhor seria constar, em vez de “e o papel destinado a sua impressão”, a expressão “qualquer insumo utilizado para sua produção” –, nosso sistema legal pare no tempo dos jornais em papel é ser rígido e purista demais.
O mundo mudou e a disseminação da informação também. Os juízes devem acompanhar essa transformação. É incrível que ao mesmo tempo em que se discute a digitalização do processo judicial ainda se discuta se o e-book é imune ou não.
Glaucio Pellegrino Grottoli é especialista em direito tributário do escritório Peixoto e Cury Advogados.