Por Benedicto Abicair
Desde quando ainda advogado, manifesto minha contrariedade com a criação do CNJ, principalmente no formato estabelecido, pois, agora em curto prazo, serão constatadas nefastas consequências para a sociedade, pois se trata de intervenção de terceiros em um Poder cuja independência é imprescindível para a plenitude da democracia.
Porém, decisão judicial não se discute, cabendo, apenas, cumpri-la, principalmente quando emanada pela mais elevada Corte judicial do país, que tem a palavra final sobre todo e qualquer debate a respeito da constitucionalidade e aplicabilidade das leis.
Hoje, certo ou errado, estão, mesmo que provisoriamente, definidas regras de funcionamento do CNJ para intervir em um Poder protegido por cláusula pétrea.
Em um país democrático os direitos e deveres são para todos, indistintamente.
Portanto, é mais do que razoável que tais regras sejam estendidas para Conselhos similares auxiliar a administração de órgãos e instituições, fiscalizando-os e avaliando a conduta e produtividade de todos seus respectivos integrantes, principalmente quanto à capacitação e lisura no exercício de suas atividades.
A Constituição Federal, artigo 133, dispõe que “o advogado é indispensável à administração da justiça” e a classe, justificadamente, sempre se indignou com o tratamento diferenciado proporcionado ao Ministério Público, o qual sofre controle externo, através de um Conselho composto por representantes de diversos segmentos da sociedade.
Daí, ao meu sentir, impõe-se acabar com a desigualdade e com urgência implementarem-se imprescindíveis mudanças para o aprimoramento, maior transparência e eficácia no controle e fiscalização das gestões da OAB, federal e seccionais, bem como dos advogados e correlatos do serviço público.
A OAB, aliás, já deveria ter se adequado, espontaneamente, aos novos tempos, em consonância com seu discurso de ser desejo da sociedade ter conhecimento sobre o funcionamento dos Poderes e de órgãos diversos, cessando suspeitas sobre existência de favorecimentos, consistindo, mesmo tardiamente, belo exemplo agir como exige que outros ajam.
Inconcebível o sigilo nos processos disciplinares contra advogados, que tramitam nos Tribunais de Ética e nas sessões plenárias, bem como voto secreto na escolha dos indicados para comporem lista sêxtupla do quinto constitucional, ressaltando que a OAB insiste no voto aberto nos Tribunais para sufragar a lista tríplice.
Inadmissível a falta de publicidade de suas contas e de elucidação sobre os critérios adotados para fixação de exorbitantes anuidades pagas por advogados e estagiários, que reclamam sem eco, diferenciadas nos Estados, muito superiores a que cobram outros órgãos de classe.
Inexiste cristalinidade envolvendo o destino das verbas arrecadadas, incluídas, aí, as milionárias quantias decorrentes das inscrições nos “provões”.
Não esquecer, ainda, os murmúrios sobre a utilização dos cargos de presidente para promoção pessoal, tanto na OAB federal, quanto nas seccionais, e benesses usufruídas através da receita acima mencionada, inclusive comentários sobre a existência de cartões corporativos.
Oportuno, por conseguinte, que se imponha efetivo controle e fiscalização externos nas atividades da OAB, a qual não se submete a ninguém, e definir-se, peremptoriamente, que seus atos podem e devem ser questionados na Justiça, ao contrário do que defendem os dirigentes que se sucedem, ressalvando entendimento diverso de alguns poucos conselheiros.
Incoerente conviver com tamanhos descalabros, principalmente porque a OAB tem assento, remunerado, nos Tribunais, inclusive Superiores e Eleitorais, através do quinto constitucional, no Conselho Nacional de Justiça (CNJ), no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), nas bancas de concurso de juízes e de outras carreiras jurídicas e em diversos órgãos públicos, sem clareza, sobre quais e quantos são os cargos e muito menos como são realizadas as indicações.
Entretanto, inexiste mínima reciprocidade para que outras carreiras jurídicas e representantes da sociedade, indicados pelo Poder Legislativo e Executivo, atuem na aplicação das provas para o bacharel obter sua inscrição, nos seus Tribunais de Ética e Conselhos Plenos.
Ora, se a OAB exige interferir nas administrações dos Poderes Executivo e Judiciário, deve sujeitar-se, sem relutar, sofrer interferência na sua.
No Legislativo a representação dos advogados é significativa, sendo, entretanto, vedado aos magistrados eleger representantes da classe, pois, para tanto, precisam, antes, se afastar de suas atividades, ao contrário daqueles.
Por outro lado, diante do entendimento do Supremo Tribunal Federal de que as corregedorias do Poder Judiciário são corporativistas, é mais do que adequado acreditar que “tal prática” se aplica, também, nos demais poderes, órgãos e instituições.
Registre-se, ainda, que quantidade expressiva de processos inócuos na Justiça poderia ser evitada caso houvesse melhor seleção dos inscritos na OAB, ressaltando, desde já, que o critério em vigor, “provões”, ministrados apenas por advogados, não tem mostrado eficiência.
A sofrível qualidade das peças elaboradas por “advogados” impõe aos magistrados perda de precioso tempo para tentar salvar o processo e minimizar o sofrimento do infeliz que não pode recorrer aos serviços de escritórios de elevado padrão.
Se os advogados sofressem fiscalização e avaliação mais rigorosas e imparciais, certamente isso seria menos ocorrente, ter-se-ia expressiva redução nas distribuições de processos que se constituem verdadeiras aventuras jurídicas e dificultar-se-ia, ainda, a formação de quadrilhas que visam se locupletar como, por exemplo, uma recentemente desbaratada pela magistratura do Rio de Janeiro, vislumbrando-se, assim, prestação jurisdicional mais célere e eficaz.
Imaginem o quanto oportuno seria apurar como são nomeados e de que forma atuam os advogados das Agências Reguladoras, para entender o motivo de tanta inércia responsável pelo inchaço dos Juízos e Tribunais com processos individuais.
A verdade é que a OAB não fiscaliza os advogados e seus escritórios e muito menos é fiscalizada, mas quer opinar sobre tudo que envolve o público e o privado.
Então, uma vez que o advogado, necessariamente, merece ser equiparado ao promotor e procurador de Justiça, não é razoável a existência do Conselho Nacional do Ministério Público que atende, exclusivamente, uma única classe de profissionais do direito.
Aludido Conselho, sob outra denominação e composição, precisa ser investido de competência para controlar, fiscalizar e investigar, desmotivadamente, também os advogados, defensores públicos, advogados da União, procuradores dos estados e dos municípios, os quais, consoante a Constituição, se equivalem, tanto que disputam, em igualdade de condições, às vagas do aludido quinto constitucional dos advogados.
Somente se justifica os exorbitantes custos com a envergadura daquele Conselho na hipótese de abranger a totalidade dos profissionais que complementam a relação judiciária, porém, merecendo maior interesse da mídia para que tal controlador mostre sua operosidade, até hoje inócua.
Restará induvidoso, ainda, que os magistrados, que têm a árdua tarefa de decidir destinos, não recebem remuneração e benefícios diferenciados daqueles pagos aos membros do Ministério Público, da Defensoria Pública e da Advocacia da União, que questionam direitos.
Esclareça-se, por fim, que consta no portal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, antes de exigido pelo CNJ, a produtividade dos magistrados, desde 2006, acessível a todos que clamam por transparência, sendo que no ano de 2011 foram distribuídos 188.737 recursos e julgados 190.060.
Se for av
aliada a carga de processos distribuídos aos juízes e a respectiva produção da grande maioria, mesmo presidindo audiências três vezes por semana, veremos que os ataques à magistratura são injustos e revestidos de crueldade requintada.
A adoção dos critérios acima permitirá que qualquer cidadão desprovido de maledicência ou de interesses escusos constate que os magistrados não são os vilões pela morosidade da Justiça no Brasil.
Benedicto Abicair é desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, oriundo do quinto constitucional da OAB-RJ, da qual foi conselheiro. Exerceu a advocacia, sem outra atividade remunerada, por mais de 30 anos.