Por José Jácomo Gimenes
Além dos conhecidos problemas crônicos do Judiciário brasileiro, como a demora excessiva dos processos, falta de estrutura material adequada, insuficiência de juízes e servidores, exagerada quantidade de recursos e instâncias de julgamentos, todos de difícil solução, outras desconformidades, mais pontuais, também causam graves prejuízos jurídicos e econômicos aos jurisdicionados. Malferem a própria Justiça. Os três abaixo parecem de fácil solução.
A primeira injúria acontece na primeira instância dos Juizados Especiais Cíveis de pequenas causas. A Lei dos Juizados Estaduais proíbe a condenação da parte vencida no processo a pagar honorários de sucumbência indenizatórios à parte vencedora do processo no primeiro grau. A Lei dos Juizados Federais não regula a questão, mas jurisprudência tem aplicado a mesma regra dos Juizados Estaduais.
É uma solução vergonhosa e injusta para os jurisdicionados mais pobres. O vencedor do processo nos Juizados, apesar de ter razão, não é indenizado pelo que gastou com seu advogado. Assim, se gastou 20% com seu advogado, recebe somente 80% de seu direito. A regra contraria o princípio da reparação integral e ofende postulado da responsabilidade, pelo qual quem causou prejuízo deve reparar.
A Lei dos Juizados permite honorários de sucumbência indenizatórios somente no segundo grau. O objetivo seria evitar recursos. A solução é ilegítima e inadequada. O Estado está tomando patrimônio do vencedor do processo para fazer política judicial de diminuição de recursos. O caminho justo para evitar recursos protelatórios seria condenação em honorários de sucumbência indenizatórios no primeiro julgamento e aumento nas instâncias superiores, solução plenamente justificada pelo prolongamento do processo e das despesas.
A possibilidade de a parte postular sem advogado até o valor de 20 salários mínimos não é razão que justifique a proibição de indenização. Primeiro, nas demandas acima de 20 salários mínimos a parte tem que contratar advogado. Segundo, a maioria dos jurisdicionados, pessoas simples, não se sente segura para postular em nome próprio, sem orientação de advogado. Terceiro, a postulação em nome próprio não pode ser imposta, até mesmo pelo grau crescente da legislação envolvida.
A regra proibitiva deve ser declarada inconstitucional, porque fere o princípio do devido processo legal substantivo, garantido pela Constituição: o processo judicial deve ser adequado para reparação integral do direito. Quando não houver acordo, o vencido no processo dos Juizados deve ser condenado a indenizar a parte vencedora nas despesas do processo, inclusive o gasto com a contratação de advogado, servindo também essa condenação para desestimulo de demandas infundadas.
O segundo problema ocorre no processo trabalhista. É semelhante ao anterior, mas muito mais antigo, imposto por lei autoritária. O trabalhador que reclama judicialmente não tem direito legal a indenização do que gastou com seu advogado. Se o Judiciário Trabalhista reconhece direitos no valor de R$ 100, o trabalhador reclamante recebe somente R$ 80. Ou menos, pois costumeiramente tem de pagar 20% ao advogado.
A regra é injusta, vergonhosa e insustentável. A possibilidade de o trabalhador reclamar pessoalmente é risível e praticamente não ocorre, dado a complexidade da legislação e Jurisprudência trabalhista. A possibilidade de reclamar com representação do sindicato também não é justificativa aceitável, pois obriga o trabalhador a depender do sindicato e, muitas vezes, pagar honorários aos advogados vinculados ao sindicato.
Existe antigo projeto de lei no Congresso para criação de honorários de sucumbência indenizatórios para o trabalhador reclamante, mas, infelizmente, foi alterado para destinação dessa verba ao advogado. Se aprovado dessa forma, o trabalhador vai continuar recebendo somente parte de seu sagrado direito. Por outro lado, o advogado receberá de duas fontes, os honorários contratuais e mais os honorários de sucumbência indenizatório do trabalhador.
A terceira injúria ocorre no processo de Mandado de Segurança. Ação judicial especialmente protegida pela Constituição, instrumento de proteção contra atos de autoridades estatais, remédio rápido e eficiente contra ofensa a direito líquido e certo, paradoxalmente, causa prejuízo financeiro ao jurisdicionado que dele faz uso.
Um cidadão que vê seu direito líquido e certo ofendido por autoridade estatal contrata advogado para afastar a ilegalidade, consegue sentença favorável protegendo seu direito e ganha o processo. Entretanto, fica no prejuízo com o valor que gastou com seu advogado. Ofende a própria lógica o fato de um processo judicial tão importante não ser completo, resolve um direito, mas causa uma ofensa.
Jurisprudência antiga e insustentável pregava que o Mandado de Segurança não deveria ter honorários de sucumbência para não causar preocupação de despesas ao impetrante pobre, em caso de improcedência. E também que a condenação em valores poderia congestionar o Judiciário com a demora na execução. A regra jurisprudencial, infelizmente, foi absorvida expressamente pela nova Lei do Mandado de Segurança.
A justificativa é insustentável. O instituto da Assistência Judiciária Gratuita e a regra legal dos bens impenhoráveis protegem suficientemente os impetrantes, não havendo mais necessidade de proteção específica aos jurisdicionados necessitados. A proteção, como se demonstrou acima, acaba causando prejuízo ao impetrante, que não tem como se ver indenizado das despesas com o processo.
A alegação de que a condenação em honorários alongaria o processo é desconsiderável. Normalmente já ocorre condenação de ressarcir as custas processuais, gerando execução ou cumprimento de sentença, podendo ser agregado o valor dos honorários de sucumbência indenizatórios sem aumento na demora. A execução ocorre no final do processo, quando o direito principal do impetrante já foi garantido, nada prejudicando a essência do Mandado de Segurança.
A negativa de honorários de sucumbência indenizatório em favor parte vencedora do processo tem gerado uma situação curiosa: a propositura de uma nova ação judicial para cobrar o que o vencedor gastou com honorários advocatícios em processo anterior. Chega a ser risível ver o sistema judicial manter modelo processual que não se conclui e precisa de um novo processo para finalizar o anterior. O Judiciário pode transformar-se numa cômica máquina de replicar processos desnecessários.
Para solucionar essas distorções inconstitucionais, são necessárias providências de ordem prática. Primeira: o advogado, cumprindo integralmente sua representação, pedir explicitamente indenização dos honorários advocatícios gastos por seu cliente no processo. Segunda: o julgador, em tópico específico na sentença, decidir sobre as despesas do próprio processo, entre elas a indenização dos honorários gastos pela parte vencedora do processo, afastando as regras inconstitucionais.
Os operadores do direito, especialmente os processualistas, julgadores e o Ministério Público, defensor constitucional do Estado Democrático de Direito, por conseqüência do processo judicial justo, devem dar atenção ao assunto. Devem atuar para que o processo conclua-se completa e eficientemente, evitando injustiça institucional contra os jurisdicionados e a insana repetição de processos judiciais desnecessários.
José Jácomo Gimenes é juiz federal em Maringá.