Por Marco Antônio Coelho Lara
Sabe-se que qualquer empregado de empresa terceirizada possui a garantia de que, caso o seu real empregador não tenha condições econômicas de lhe pagar as verbas trabalhistas determinadas pela Justiça, a empresa tomadora dos serviços (dona da obra) seja obrigada a satisfazer essa obrigação. Seja de forma solidária (por exemplo, em caso de terceirização ilícita), seja de forma subsidiária (com em caso de simples falta de recursos), bastando que participe da relação processual e que também conste do título executivo judicial.
Este é o entendimento sedimentado no Tribunal Superior do Trabalho, por meio da Súmula 331, IV, do tribunal.[1]
Até aí, tudo bem, muito embora haja quem sustente a inconstitucionalidade desse entendimento. O problema é saber se, em caso de indenização por danos morais essa subsidiariedade da empresa tomadora pode ou não subsistir.
Para muitos, mesmo se tratando de indenização por danos morais, a subsidiariedade persistira por uma simples razão. A necessidade de se resguardar a garantia do trabalhador (considerada parte hipossuficiente) quanto ao recebimento do valor da condenação (que seria de natureza alimentar), caso o seu real empregador (a empresa contratada) não tenha condições ou deliberadamente se negue ao cumprimento do seu dever, independentemente da sua natureza jurídica da condenação.
Para outros, por ser a indenização por danos morais a um direito subjetivo do trabalhador, contra aquele que efetivamente lhe causara o mal (via de regra, o seu real empregador), somente deste a indenização deveria ser exigida. Iss porque, por óbvio, o tomador de serviços não lhe teria ofendido. Quem tem razão?
Longe de pretender exaurir a discussão, própria e necessária para a constante mutação das relações humanas, que também repercute no campo dos Direito, parece-me inadequada a subsidiariedade neste particular, alinhando-me à segunda corrente. Explico.
Não obstante algumas exceções legais, tais como aquelas decorrentes das relações de consumo (Código de Defesa do Consumidor, artigos 12 e 14), do risco coletivo (Código Civil, artigo 927, parágrafo único) ou da teoria do risco administrativo (Constituição, artigo 37, parágrafo 6º), ainda vigora no ordenamento jurídico brasileiro a regra geral da subjetividade como elemento indispensável à caracterização da responsabilidade civil por danos, inclusive os morais (CCB, artigo 186).
Sendo assim, se a identificação do ato ilícito, do dano e dos sujeitos é indispensável para a caracterização da responsabilidade civil, e se neste caso não incide qualquer das exceções, não se pode simplesmente transferir essa responsabilidade para pessoa que, subjetivamente, não tenha participado ou de qualquer modo contribuído para a ocorrência do dano que pela regra geral, como se sabe, exige sempre uma ação voluntária, negligente ou imprudente do sujeito sendo, por assim dizer, uma responsabilidade intuito personae e, portanto, intransferível, ao contrário das demais verbas trabalhistas.
Não fosse isso suficiente, também uma leitura atenta do parágrafo único do artigo 8º da própria CLT revela que o direito comum será fonte subsidiária do direito do trabalho, apenas naquilo em que não for incompatível com os princípios fundamentais deste. Ora, nesta senda, a transferência da responsabilidade do real empregador (que efetivamente causa dano ao empregado) para outra empresa que não tenha participado ou contribuído para o dano é, sim, conduta incompatível com os princípios fundamentais do direito do trabalho. Essa responsabilidade não se transfere a terceiros, senão àqueles que efetivamente tenham causado o dano.
Marco Antônio Coelho Lara é advogado, sócio do escritório Silveira, Athias, Soriano de Mello, Guimarães, Pinheiro & Scaff – Advogados, conselheiro titular e presidente da CSA-OAB/MA.