Justiça comum deve julgar ressarcimento de honorários

Por Rodrigo Octávio de Lima Carvalho

Recentemente publiquei nesse periódico artigo com a finalidade de demonstrar a impossibilidade do autor de reclamação trabalhista pleitear, contra o reclamado, dentro dessa mesma ação, o ressarcimento do valor desembolsado a titulo de honorários advocatícios contratuais (em razão da aplicação do principio da ampla reparação) sem a comprovação do prévio pagamento/desembolso dos honorários na petição inicial da própria reclamação trabalhista, condição essencial a aplicação da teoria da responsabilidade civil (já que o fato “desembolso de honorários” a justificar o elemento “dano”, tem que ser necessariamente comprovado já na petição inicial da reclamação trabalhista, como condição de apreciação do pleito).

Em relação ao tema acima, no que se refere a discussão em torno da competência ratione materiae, parecia já pacificado o entendimento de que seria da Justiça comum a incumbência de apreciá-lo, em razão das decisões proferidas no REsp 1.027.797 – MG (julgado em 17/02/2011) e REsp 1.134.725 – MG (julgado em 14/06/2011), ambos da relatoria da ilustre ministra Nancy Andrighi, da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça.

Observem caros leitores que, em razão desses precedentes, o reconhecimento da competência material da Justiça comum dos estados fora decidida implicitamente; pensar o contrário seria um contra senso, já que, versando os casos anteriores sobre matéria hipoteticamente afeta ao direito do trabalho, o STJ, ao decidir os dois casos, mesmo havendo temática relativa a competência em razão da matéria — absoluta portanto — essa questão deveria ter sido enfrentado ex officio pelos ministros da 3ª Turma nos precedentes acima referidos, mas não o fizeram, donde se de concluir pela competência dessa corte.

Essa semana, o tema voltou a ser objeto de controvérsia no STJ, dessa vez em relação ao conflito de competência material suscitado pelo ministro Luis Felipe Salomão, da 4ª Turma, relator do REsp 1.087153, em caso idêntico aos acima referidos, conforme noticia veiculada nesse periódico.

Segundo a noticia eis alguns pontos suscitados pelo ministro Luis Felipe Salomão, para reabrir a discussão em torno do tema :

a) O assunto é de competência da Justiça do Trabalho, não podendo ser discutida no STJ. Para ele, a incompetência do STJ (e da Justiça comum) é absoluta, o que imporia a anulação de todos os atos decisórios praticados e a remessa do caso para a Justiça trabalhista. Por ser absoluta, a verificação da incompetência também não depende de pré-questionamento, podendo ser declarada de ofício.

b) A Justiça Trabalhista é competente mesmo para casos em que a relação de trabalho é apenas origem remota da causa de pedir. Dessa forma, a ação de indenização ajuizada contra o ex-empregador para ressarcimento dos honorários advocatícios pagos na reclamação trabalhista anterior também deveria ser julgada nesse ramo do Judiciário porque decorre da relação de trabalho.

c) As regras de sucumbência do processo trabalhista são peculiares e devem ser mais bem analisadas pela Justiça especializada. Ele indicou precedentes do Tribunal Superior do Trabalho, que rejeitam essa pretensão indenizatória, e afirmou que a parte não poderia buscar uma “segunda via” na Justiça comum.

d) Há precedente do ministro aposentado Aldir Passarinho Junior que afirma o potencial de desajuste do sistema por ações desse tipo, que geraria na Justiça comum um processo para cada ação trabalhista. Mantida a competência na Justiça especializada, o pedido poderia ser feito no mesmo processo.

Quanto à questão suscitada pelo ilustre ministro, relativa a competência material para enfrentar o tema, modestamente ousamos discordar.

Dentro da teoria da responsabilidade civil, o elemento “dano”, ensejador do pedido indenizatório deduzido nas ações propostas perante a Justiça Comum , ocorrem após o encerramento do contrato de trabalho e da própria reclamação trabalhista.

Ora. Tendo o autor contratado causídico para representá-lo na reclamação trabalhista anterior, o pagamento de honorários ao mesmo (nesse exato momento é que efetivamente ocorreu o fato “diminuição patrimonial = dano”) dá-se ao término da mesma, qual seja, esse elemento “dano” não tem nenhuma relação/vinculação com o contrato de trabalho anteriormente encerrado e tampouco com a própria reclamação trabalhista, que se encerrou antes mesmo do pagamento dos honorários advocatícios contratuais, pagamento esse, do reclamante ao seu advogado, que acontece em 99% dos casos, ao final dessa ação, e apenas na hipótese de êxito desta. Daí a impossibilidade do reclamante ajuizar esse pleito perante a Justiça do Trabalho, conjuntamente aos demais pedidos tipicamente relacionados a direitos trabalhistas.

Nesse sentido, aliás, basta lembrar que o pedido indenizatório nas ações já enfrentadas pelo próprio STJ (REsp 1.027.797 – MG, julgado em 17/02/2011 e REsp 1.134.725 – MG , julgado em 14/06/2011), ambos da relatoria da ilustre ministra Nancy Andrighi e ambos julgamentos unànimes) encontram-se lastreados no principio da ampla reparação, contido nas normas dos arts. 389, 395 e 404, todos do Código Civil de 2002, e não em normas celetistas.

Além disso o contrato de honorários celebrado com o causídico que representou o autor da reclamação trabalhista, além de ser típico contrato regido pela legislação civil, é fato externo ao contrato de trabalho ( sendo esse contrato “causa de pedir remota”), cuja discussão em torno do mesmo exauriu-se com o término da ação trabalhista.

E finalmente, os julgados do STJ relacionados ao tema ora em debate, representados pelo REsp 1.027.797 – MG, julgado em 17/02/2011 e REsp 1.134.725 – MG, julgado em 14/06/2011, ambos com julgamento unânime da 3ª Turma, ambos da relatoria da ministra Nancy Andrighi, implicitamente reconheceram a competência da Justiça dos estados e da Justiça Federal “comum” (não especializada) para apreciar o tema, eis que, se assim não fosse, teria essa corte, hierarquicamente superior ao TJ-MG (onde os dois casos foram julgados originariamente) declarado ex officio a incompetência desse tribunal estadual e sua própria incompetência ratione materiae, já que absoluta (até porque é missão primordial dessa corte a uniformização da jurisprudência pátria relativa à matéria infraconstitucional) e determinado a nulidade dos julgados de origem e remetido os dois precedentes retro para julgamento perante a Justiça do Trabalho, o que não ocorreu em nenhum dos casos.

A questão levantada no item “c” acima não procede, eis que não há que se confundir pedido relativo ao ressarcimento de honorários contratuais — esses objeto de pedido de ressarcimento no caso suscitado pelo ministro Luis Felipe Salomão — com os honorários sucumbenciais (esses tradicionalmente são afastados pela Justiça do Trabalho, que tem entendimento próprio sobre o tema).

E, finalmente, quanto ao item “d”, a questão levantada pelo ilustre ministro está relacionada a debate em torno de política judiciária, já que, com o argumento, a questão é relevante sobre o ponto de vista do aumento de demandas perante a Justiça comum ( não tendo nenhuma relação com a discussão do direito material em si); se é verdade que poderá haver um aumento relevante dessas ações perante a Justiça comum, não se justifica sob esse pretexto o STJ deixar de reconhecer sua competência, nesse tipo de demanda, porque já existem instrumentos efetivos de contenção de proliferação de ações, bastando para tanto que o REsp 1.087.153, agora enviado para apreciação perante a 2ª Seção, seja julgado sob o rito do art. 543 – C do CPC, ou ainda, seja editada súmula sobre o tema, além do próprio instituto da prescrição, prevista no art. 206 do Código Civil (existe controvérsia acerca da aplicação do prazo de 3 anos do §3º, inciso V, ou o prazo de 5 anos, previsto § 5º, inciso III, outra questão a ser futuramente apreciada pelo STJ — caso seja mantida sua competência em relação a temática — ponto sobre o qual nos debruçaremos em outro artigo), a justificar nosso ponto de vista.

Rodrigo Octávio de Lima Carvalho é advogado em Ribeirão Preto (SP) e professor universitário.

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