Justiça para quem não pode pagar

Por Gabriel Faria Oliveira

No próximo dia 19 de maio é o Dia do Defensor Público, mas temos pouco a comemorar. A situação da assistência jurídica integral e gratuita no âmbito da União é vergonhosa. O defensor público é a única alternativa de acesso à Justiça – garantida pela Constituição Federal – para os que não têm condições de pagar um advogado. No entanto, temos hoje no Brasil apenas 480 defensores públicos federais trabalhando na defesa de 80 milhões de cidadãos carentes.

Na lista de espera por um atendimento, milhões de brasileiros se encontram desprovidos do mínimo essencial. São pessoas que dependem de medicamento não oferecido pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e que não têm condições de custear um advogado e obter o tratamento por via judicial. É o funcionário que recebe da empresa o atestado de incapacidade e do perito do INSS a capacidade laborativa, o que o coloca numa espécie de limbo previdenciário, sem salário e benefício. O trabalhador que tem que desembolsar de 20% a 30% do valor da causa em honorários advocatícios para custear seus direitos. O cidadão que precisa sacar o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) e a Caixa Econômica Federal não libera o valor depositado. Ou o pequeno agricultor que – por desconhecimento – produz em área de reserva ambiental e precisa de assistência jurídica.

É urgente uma imediata mudança de rumo e que se estruture a Defensoria Pública Federal. A União está brincando de assistência jurídica no âmbito federal, ao mesmo tempo em que apoia políticas de incentivo à assistência jurídica gratuita no âmbito dos estados, em especial na estruturação das defensorias. Há 150 aprovados no último concurso da Defensoria Pública da União aguardando nomeação para começar a trabalhar em todo o país na esfera federal. O concurso vence no próximo mês de junho. Há 264 subseções da Justiça Federal a serem servidas da assistência jurídica integral e gratuita. Corremos o risco de perdê-los.

A Justiça, a priori, é um serviço público pago. Para acessá-la, o cidadão deve arcar com as custas judiciais e também – regra – com a contratação de advogados que venham a patrocinar suas causas e defesas. Em muitos cantos do país existem convênios para a assistência judiciária e da advocacia pro bono, que são extremamente válidos e contributivos para a melhoria do acesso à Justiça e busca pela efetivação dos direitos. Não obstante, o altruísmo destas ações não pode significar uma alternativa estatal ao Direito fundamental do cidadão. A obrigação é do Estado e não de terceiros benevolentes. Trata-se do direito a ter direitos: o mínimo que, até então, vem sendo flagrantemente desrespeitado no âmbito da União.

A Constituição Federal estabelece funções essenciais à Justiça e órgãos públicos, com finalidades específicas. A Advocacia Pública para a defesa do Estado, o Ministério Público para a defesa da sociedade e a Defensoria Pública para a defesa dos cidadãos carentes. O defensor público federal, assim, é remunerado para prestar, com exclusividade, a assistência jurídica aos necessitados perante os órgãos públicos e proporciona, se necessário, o acesso à justiça a todos os que não puderem pagar por um advogado.

O justo é que as funções essenciais à Justiça tivessem equidade material, o que não se vê na prática. A disparidade pode ser facilmente aferida pelos números. Hoje, no âmbito da União, atuam 3.574 juízes trabalhistas, 1.775 juízes federais, 1.698 membros do Ministério Público da União, 7.970 advogados públicos federais. Os defensores públicos federais são apenas 480.

A prevalência de uma função essencial em relação à outra, além de ferir a paridade de armas inerentes ao devido processo legal, faz com que a balança da Justiça penda para o lado mais forte, tornando-a injusta. Não por outro motivo, o Poder Judiciário é muitas vezes percebido como elitista.

O Poder Judiciário não é elitista em sua essência. Porém, a dificuldade de acesso a este poder cumula com a disparidade entre as funções essenciais à Justiça e faz com que, inevitavelmente, seja desigual. É indispensável que adote providências mais duras junto aos demais poderes para que não se lhe impute a culpa pela leniência desta situação.

Não podemos negar que a evolução no acesso à Justiça no Brasil nos últimos anos é uma realidade, com a criação dos juizados especiais, o fortalecimento das defensorias públicas e a ampliação dos legitimados pelo ajuizamento de ações coletivas. Mas é preciso fazer mais.

O direito fundamental ao acesso à Justiça da Constituição Federal não pode ser encarado, 22 anos após a promulgação da Carta, como apenas uma alternativa. Já o foi durante todo este tempo e não faltam demonstrações de que o sistema de Justiça não está acessível ao cidadão mais pobre. O juro social está correndo.

Gabriel Faria Oliveira é presidente da Associação Nacional dos Defensores Públicos Federais (Anadef).

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