Por José Augusto Araújo de Noronha
A questão da justa e correta remuneração dos advogados é matéria recorrente em todo e qualquer encontro ou debate onde se reunam dois ou mais advogados, razão de atenção constante da Ordem dos Advogados do Brasil do Paraná e do seu Conselho Seccional, que, recentemente, aprovou a correção da tabela de honorários que estava defasada desde 2008, o que é motivo de comemoração.
Ocorre que o advogado, como indispensável à administração da Justiça — no rigor da interpretação do artigo 133 da Constituição Federal — tem o direito de ser devidamente remunerado pela sua atividade, que é seguramente uma das mais árduas entre todas as profissões liberais, inclusive como forma de manter a sua independência e a manutenção digna da sua família e de seu escritório.
Nesse contexto, impende o reconhecimento de que os advogados brasileiros estão sendo violados no seu direito mais essencial, com a vigência e manutenção da Súmula 306 do Superior Tribunal de Justiça, razão pela qual urge um novo e amplo debate nacional e a sua reanálise para propiciar a sua revogação imediata.
A questão é polêmica, mas não é complexa.
Há clara e evidente impossibilidade de manutenção da referida súmula que legitimou a compensação de crédito de naturezas distintas, no caso o crédito decorrente do fruto do labor do advogado com uma obrigação reconhecidamente atribuída à parte no processo judicial. É sabido quem perde a demanda deve arcar com os honorários advocatícios da parte adversa. Há o direito autônomo e legalmente reconhecido do advogado, que é o titular do direito de crédito conquistado com o seu trabalho no processo judicial, que atuou e gerou a fixação dos honorários advocatícios a seu favor.
A súmula 306, editada ao final de 2004, faz uma interpretação equivocada dos institutos jurídicos sob análise, pois pretendeu — como pretende até os dias de hoje — compensar as verbas legalmente estabelecidas aos advogados nos processos judiciais com as verbas devidas pela parte perdedora do processo judicial, o que pela própria natureza alimentar dos honorários advocatícios jamais poderiam estes ser suprimidos dos advogados.
Diz a equivocada súmula do STJ:
“Os honorários advocatícios devem ser compensados quando houver sucumbência recíproca, assegurado o direito autônomo do advogado à execução do saldo sem excluir a legitimidade da própria parte.”
A questão já vem gerando grande debate nos tribunais, onde não raro se constatam diversos julgamentos adotando fundamentos diversos ao previsto na súmula, o que sem dúvida representa uma luz a ser enxergada: a tentativa de modificar a antiga tendência dos tribunais superiores, que ainda respiravam os antigos ares do Código Civil de 1973, que teve esta disposição revogada pelo Estatuto da Advocacia.
Portanto, concluir que o artigo 21 do Código de Processo Civil na parte que se refere aos honorários advocatícios foi categoricamente revogado pelo artigo 23 do Estatuto da Advocacia é dedução lógica da impossibilidade de convivência entre os dois regramentos legais.
O recebimento de honorários é direito dos advogados, assegurado no Estatuto da Advocacia, em seu artigo 23. “Os honorários incluídos na condenação, por arbitramento ou sucumbência, pertencem ao advogado, tendo este direito autônomo para executar a sentença nesta parte, podendo requerer que o precatório, quando necessário, seja expedido em seu favor.”
O entendimento em favor da não compensação dos honorários advocatícios sucumbenciais e que a eles devem ser garantidas a autonomia e a natureza alimenar merece prevalecer, sob pena de se continuar imputando ao advogado o pagamento de uma “conta” que não é sua, pela própria essência da previsão legal.
Essa opinião já é defendida por alguns juízes e desembargadores, pela qual a compensação de honorários só seria possível, no âmbito da leitura do artigo 368 do Código Civil em vigor, se eles fossem devidos às partes. Conforme lembra o próprio desembargador Gelson Rolim Stocker do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, “é a própria lei supra mencionada que diz serem os honorários pertencentes ao advogado, como direito autônomo, enquanto que a relação débito/crédito, em casos de sucumbência recíproca, ocorre entre pessoas diversas, afigurando-se de todo inviável a subsunção da comentada norma.”
Ainda, importante destacar que o projeto de reforma do Código de Processo Civil já reconhece que os honorários advocatícios sucumbenciais são do advogado e possuem natureza alimentar, conforme se vê:
Art. 87. A sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor.
§ 10. Os honorários constituem direito do advogado e têm natureza alimentar, com os mesmos privilégios dos créditos oriundos da legislação do trabalho, sendo vedada a compensação em caso de sucumbência parcial.
Essa luta em favor da revogação da Súmula 306 do STJ a cada dia ganha mais corpo entre os advogados e juristas brasileiros, o que se espera tenha êxito logo, de forma a não serem obrigados os advogados a arcar com um prejuízo que não lhes cabe.
José Augusto Araújo de Noronha é presidente da Caixa de Assistencia dos Advogados do Paraná.