Exame de ordem é uma proteção à sociedade

Por Wadih Damous

O Supremo Tribunal Federal, em decisão recente, declarou constitucional o exame de ordem, assinalando sua importância para toda a sociedade brasileira e afastando a tese de que ele atentaria contra a garantia do livre exercício profissional e ressaltando sua importância fundamental para a boa prestação da Justiça.

Ainda assim, a questão teima em ressurgir. O PL 2154/2011, de autoria do Deputado Eduardo Cunha, vinha tramitando em silêncio. De repente, e aparentemente por motivações de cunho pessoal, o Projeto foi desenterrado, e foram coletadas assinaturas de lideranças que, segundo o que vem sendo divulgado, já seriam suficientes para instituir regime de urgência em sua tramitação.

Essa pressa repentina que, ao que tudo indica, tem como origem a insatisfação de parlamentares com a atuação de dirigentes do Conselho Federal da OAB, sinaliza a irresponsabilidade que, algumas vezes, marca a política brasileira.

Sob o pretexto de garantir o exercício da profissão aos bacharéis que não logram aprovação no Exame, a extinção do exame causaria gravíssimo dano a toda a sociedade brasileira, além de representar patente retrocesso no tratamento do tema, sob o ponto de vista do Direito Comparado.

Leon Frejda Szklarowsy resume bem a questão:

“O exame de Ordem ou o equivalente exame de Estado, prestado perante os tribunais ou outros órgãos, é praticado na maioria dos países, como salvaguarda das pessoas, da ordem jurídica e da sociedade.

Recorda Paulo Luiz Netto Lobo que, segundo levantamento feito pelo Conselho Federal da OAB, junto às embaixadas em Brasília, a maior parte dos países exige o Exame de Ordem ou o exame equivalente e faz-se necessário um estágio de aproximadamente dois anos, após a graduação no curso de Direito. Na Inglaterra, para que o candidato (bacharel em Direito) possa advogar, como barrister, perante as Cortes de Justiça Superiores, e inscrever-se, em uma das quatro Inns of Court, deve submeter-se a dois exames. Para advogar como solicitor, nos tribunais e juízos inferiores, deve ele submeter-se a uma das Law Societies.

Descreve o autor, ainda, que na França são exigidos dois exames, para obtenção do certificado de aptidão para o exercício da advocacia. Um, para ingressar na Escola de Formação profissional do advogado, e outro, após um ano de estudos de prática profissional. A dificuldade não para aí, visto que, depois de prestado o compromisso, deve ele fazer um estágio de dois anos na Escola, em escolas ou empresas, defendendo causas e dando consultas”.

Vê-se, portanto, que o Exame de Ordem brasileiro é até bem menos rígido do que o seu correlato na maioria dos países ocidentais. Aqui, basta passar em uma prova, dividida em duas fases, para estar apto a advogar em qualquer Tribunal do país, inclusive os Tribunais Superiores. Nos Estados Unidos, por exemplo, o chamado “Bar Exam”, além de muito mais rígido, vale apenas para cada Estado da Federação. Se um advogado pretender advogar em todo o território nacional, terá que se submeter a cinquenta exames, um para cada Estado.

Não é difícil extrair a finalidade de tais exames: quer-se garantir que o exercício de certas profissões, que lidem com valores humanos dos mais caros – como é indubitavelmente o caso da advocacia, cujos profissionais defendem, em essência, a liberdade, o patrimônio e a dignidade de seus clientes (e, em alguns casos, até mesmo a saúde e a vida) – não possam ser exercidas por profissionais desqualificados, sob pena de pôr em grave risco tais valores. A tutela dos direitos depende da boa atuação do advogado, que é a ponte exclusiva entre o cidadão comum e o Poder Judiciário. E esse cidadão comum quase nunca é capaz de avaliar a qualidade do trabalho do advogado, pois não detém o conhecimento técnico para tanto. Esse filtro, portanto, deve ficar a cargo da instituição representativa dos advogados.

O Brasil já é, atualmente, um dos países com maior número de advogados no mundo. Com cerca de setecentos mil inscritos, está em terceiro lugar em números absolutos (atrás de Estados Unidos e Índia) e segundo lugar em números relativos (atrás apenas dos Estados Unidos).

Estima-se, por outro lado, que haja cerca de 4,5 milhões de bacharéis. Se hoje a grande massa da advocacia já encontra dificuldades em obter seu sustento, com o fim do exame, a situação se agravaria bastante. Isso sem falar na concorrência predatória que se instalaria, já que não há mercado suficiente para tantos profissionais. Aviltamento dos honorários e queda na qualidade dos serviços seriam consequências óbvias e imediatas.

Se existe um problema social, referente à falta de oportunidades para os bacharéis que não logram aprovação do exame, a causa está na proliferação de faculdades de direito que não oferecem ensino de qualidade. É essa precariedade do ensino que deve ser combatida, pois, de fato, representa verdadeiro estelionato educacional, especialmente em se tratando de faculdades privadas.

É preciso que o Congresso Nacional se conscientize de que o Exame de Ordem é uma proteção à sociedade, e não um instrumento de poder ou reserva de mercado de interesse da OAB. Fosse esse o intuito, não seria muito mais poderosa uma instituição que representasse mais de 5 milhões de pessoas, ao invés de apenas setecentos mil? E que multiplicasse sua arrecadação de anuidades na mesma proporção?

Sendo assim, o Projeto de Lei 2.154/2011 merece um único destino: o arquivo.

Wadih Damous é presidente da OAB-RJ.

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