Por Nei Grando e José Ricardo de Bastos Martins
Não é novidade ressaltar que fusões e aquisições, na maioria das vezes, são complicadas e, com demasiada frequência, falham miseravelmente porque os executivos não entendem o que eles estão realmente comprando. Muitos estudos concluem que tais negócios tendem a decepcionar e estimam que entre 50% e 80% não conseguem criar valor e muito menos atingir os resultados pretendidos. Na maioria das vezes as decepções resultam de uma incapacidade de os executivos compreenderem os fundamentos do desenvolvimento do modelo de negócios. É de suma importância pensar estruturadamente sobre o modelo de negócio que se pretende construir a partir da união das partes envolvidas no processo. Espera-se que 2 + 2 resulte em 5 ou mais e, para isso, pensar com carinho no modelo de negócios de cada parte e no negócio que deverá ser adotado e construído a partir da fusão é fundamental.
Tornar claro o modelo de negócios é um fator crítico de sucesso, pois com uma visão clara do mesmo pela organização, os indivíduos envolvidos não só entendem o que se pretende com a fusão e/ou aquisição e para onde a empresa está indo, mas também torna os gestores mais capazes de se comunicarem, aproveitarem as oportunidades significativas de sinergias previstas e alcançarem os resultados desejados.
É fundamental, inclusive, que essa clareza permeie todos os níveis da organização, já que todos deverão estar alinhados com o objetivo pretendido. Não são poucos os exemplos em que as cúpulas de gestão das organizações envolvidas estavam alinhadas mas a falta de entendimento dos demais níveis levaram o projeto como um todo ao fracasso.
Ser capaz de identificar tais modelos de negócio antes e durante o ciclo de M&A (Merger & Acquisitions) será um diferencial importante entre os vencedores e os perdedores. Nesse sentido, fazer a Modelagem de Negócios usando a ferramenta/quadro pode ser útil na pré-fusão/aquisição e pós-fusão/aquisição (As-is and To-be) para definir, comunicar e acompanhar os benefícios e sinergias do negócio. Num modelo de negócios, devemos considerar a proposição de valor oferecida aos segmentos de clientes, por meio dos canais de comunicação, venda e distribuição e do relacionamento com os clientes que geram as receitas que a empresa necessita, sendo que este valor para o cliente é gerado via atividades-chave, que empregam recursos-chave que estão a cargo da empresa e de suas parcerias-chave, que geram os custos do negócio.
Um bom momento para identificar os modelos de negócio é durante a due diligence, que é uma análise detalhada de uma potencial fusão ou aquisição. Este tipo de auditoria analisa todos os aspectos da empresa a ser adquirida e considera todos os produtos, serviços e pagamentos, ecossistema de clientes, fornecedores e parceiros tanto quanto contabilidade e controles de gestão. Além disso, temos a análise jurídica e a cultural, relacionada com a integração. Os resultados de tal auditoria de avaliação da empresa-alvo incluem listas de oportunidades e riscos com a fusão ou aquisição, formas de mitigação dos riscos e fatores críticos de sucesso que facilitam a tomada de decisão.
As empresas buscam constantemente novas oportunidades de crescimento, mas nem sempre o crescimento orgânico é a aposta certa. Isto porque mesmo que a inovação do modelo de negócio seja um caminho poderoso para o crescimento sustentado e robusto, novos negócios podem levar anos para amadurecer. As habilidades necessárias para conceber e incubar tais negócios apresentam desafios que muitas empresas têm dificuldade de superar. Empresas grandes têm dificuldade de fazer investimentos em inovação, principalmente porque as pessoas dentro delas muitas vezes não conseguem ver o valor de uma idéia nova e por isso não apóiam e não alocam os recursos que a nova iniciativa necessita para obter sucesso.
Embora seja importante incentivar a inovação para o desenvolvimento de novos modelos de negócios dentro das organizações, isto não significa que não devam procurar alcançar um crescimento de transformação e exploração de oportunidades por meio de fusões e aquisições. Construção de modelos em casa não é a única opção para empresas que buscam crescimento transformacional. As corporações podem transformar seus modelos de negócios por meio de fusões e aquisições também.
Vejamos alguns objetivos para Fusões e/ou Aquisições que buscam vantagens relacionadas com receita, tempo, custos, clientes, produtos e mercado:
Aumentar receitas e acelerar o tempo necessário para colocar inovações no mercado;
Diminuir custo com investimentos em inovação;
Adquirir novos clientes;
Acessar novos centros de compra;
Incrementar vendas de produtos existentes (upsell) e fornecer novos produtos;
Aumentar o portfólio de produtos;
Consolidar mercados e/ou aumentar a fatia de mercado da empresa.
Quando uma empresa compra outra empresa (e não apenas os ativos desta segunda), o que ela realmente compra é o modelo de negócios da empresa-alvo, ou seja, a sua proposição de valor ao cliente, a sua fórmula de lucro, seus recursos e seus processos. Os recursos da nova empresa podem ser atrelados ao núcleo da empresa compradora, mas novos modelos de negócios resistem a essa integração. Consequentemente, as aquisições bem-sucedidas tendem a cair em um dos seguintes campos. O adquirente pode comprar uma empresa exclusivamente para aproveitar seus recursos, que seriam, em seguida, agregados em seu modelo de negócios, alijando o resto. Alternativamente, uma empresa pode adquirir um modelo de negócios distinto do seu núcleo, e neste caso precisa mantê-lo separado, mas pode – é claro – reforçá-lo, injetando nele seus próprios recursos.
Muitas vezes, tentar incluir um negócio adquirido no núcleo pode matar o que o tornou único. Por exemplo, uma empresa que, impulsionada pela expectativa dos investidores, com custos de desenvolvimento em ascensão e uma tendência de consolidação da indústria, comprou agressivamente pequenas empresas lideradas por equipes criativas que encontraram o sucesso no mercado. E, para se beneficiar de economias de escala previstas, construiu uma infraestrutura técnica padronizada e impôs processos de produção simplificados em suas novas aquisições. Os resultados foram terríveis. A empresa caiu em um padrão de produção medíocre, pois forçando equipes criativas a seguirem os processos centrais estava matando seu espírito inovador. Felizmente, o CEO viu isso a tempo e anunciou uma mudança radical nas operações, com estúdios criativos independentes dentro da estrutura corporativa.
A maioria dos princípios que regem a incubação, aceleração e transição de modelos caseiros de novos negócios também se aplicam aos negócios adquiridos. Igualmente importante é a capacidade de liderança para permitir que um modelo de negócios recém adquirido obtenha o que precisa a partir do núcleo, em vez de ter os elementos do modelo de núcleo os conduzindo.
Uma empresa recém adquirida, com base em um modelo distinto do núcleo, deve decidir o que ela pode tomar emprestado da empresa compradora, o que deve esquecer e o que vai fazer ou aprender que é completamente novo. A chave para entender o que esquecer e o que aprender reside no modelo de negócio. Procure entender, por completo, tanto o seu próprio modelo de negócio, o modelo da nova empresa e o modelo de negócio alvo, pois essa visão evitará que você jogue fora a coisa mais valiosa que você comprou e que vai ajudar a sua empresa crescer.
Ou seja, é preciso ser humilde e ter cabeça aberta no momento de pensar a forma correta de estruturação de uma operação de fusão ou aquisição. Acreditar que somente os ganhos de escala poderão garantir o sucesso do negócio pode ser fatal. Assim como imaginar que a empresa adquirente, por ocupar tal posição no processo, deva ser necessariamente aquela cujo modelo se sobressai ao final do processo. Na maioria dos casos, o resultado almejado só será atingido se as “verdades” de cada instituição envolvida no processo puderem ser amplamente questionadas, sem medos ou filtros.
Nei Grando é empresário especialista em gestão e tecnologia.
José Ricardo de Bastos Martins é sócio escritório Peixoto e Cury Advogados.