Por André Luís Alves de Melo
A aprovação no Exame de Ordem é uma importante etapa vencida, mas significa apenas o início de uma árdua caminhada. A pergunta título do texto foi inspirada na obra de Rui Barbosa, “Formei-me em Direito, e agora?”. Apesar de o presente texto não ter a mesma magnitude da obra do festejado Rui Barbosa, o mesmo pode contribuir para analisar a situação atual.
Hoje há, no mundo, aproximadamente 2.100 faculdades de Direito, sendo que 1.100 faculdades estão no Brasil, ou seja, mais da metade, além de muitas salas contarem com mais de cem alunos. Somos de fato a “República dos Bacharéis”.
Embora se confundam os conceitos de “Justiça” e “Direito”, o ensino jurídico está muito distante da Justiça e da prática cotidiana, pois ainda focado no judicialismo e não no Direito de forma ampla. Algumas faculdades nem têm prática real.
O Exame da Ordem dos Advogados do Brasil não é tão difícil como se imagina, embora tenha uma média de 20% de aprovação, sendo a maior parte das reprovações na primeira fase (prova de múltipla escolha). Muitos que passam no Exame da OAB não serão bons advogados, e há casos de pessoas que poderiam ser bons advogados, mas não passam da OAB. No entanto, é um filtro necessário para evitar profissionais totalmente inaptos.
Infelizmente, o Exame de Ordem e os concursos jurídicos ainda sofrem da síndrome de vestibular e fazem perguntas que demandam decoreba ao confundirem memória com inteligência, o que não é verdadeiro.
Por outro lado, o jovem advogado (recém-formado) terá muita dificuldade para entrar no mercado de trabalho, pois as faculdades não ensinam isto. E hoje está muito difícil “conquistar” o cliente para manter os custos de um escritório. E não aprendemos na faculdade de Direito a trabalhar em equipe, nem em sociedade.
Para agravar, a OAB é comandada, naturalmente, por advogados mais antigos e que já tem o seu mercado assegurado, logo vêm esta massa de advogados como concorrentes, embora não diga isto publicamente.
Há quase um milhão de advogados no Brasil, a terceira maior média do mundo, ou seja, um advogado para cada duzentos habitantes. Estima-se que os Bacharéis em Direito (sem aprovação na OAB) sejam quase 3 milhões. A pergunta que nem OAB, nem Ministério da Justiça, querem responder é: “Se temos excesso de advogados, como podemos ter falta de assistência jurídica?” A resposta é que dois setores uniram-se para criar regras de mercado, embora publicamente finjam que estão brigando, assim controla-se o mercado, domina-se o Estado e evita que os carentes escolham os profissionais de sua confiança, o que seria um direito básico da ampla defesa.
Então publicam normas “éticas” sem respaldo legal, ou seja, deixam de ter atividade apenas reguladora e passam a ter atuação normativa. Mas, ninguém ousa questionar. Vedam uso de rádio e TV, sem respaldo legal, apesar de estar na Constituição Federal que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude de lei”, mas como este questionamento não está nas apostilinhas de cursos para o Exame da OAB, logo ninguém percebe isto. Hoje, em regra, apenas decora conceitos, mas não sabe usar, nem a seu favor. É como um piloto de avião formado por correspondência, isto é, nunca pilotou avião, mas sabe o nome de todas as peças.
Também impõem tabela mínima de honorários obrigatórios, mas a lei 8906-94 não contem os termos “mínimo”, nem “obrigatório”.
Porém, o mais curioso de tudo é que a Lei 8906-94 não exige o prazo de cinco anos para se candidatar a cargos na OAB, mas esta criou esta “quarentena” por meio de Ato administrativo e todos acham natural.
Como as normas “éticas” acabam sendo escritas e votadas pelos mais antigos e que detém mercado de trabalho, temas como piso salarial de advogado não interessa muito, pois os escritórios mais tradicionais teriam uma obrigação. Ora, porque não colocam no “Código de Ética” da OAB que escritório de advocacia que contratar advogado empregado sem pagar o piso salarial comete “infração ética” ?
Os interesses da OAB acabam se confundindo com os dos grandes escritórios, ou mais tradicionais, que conseguem ocupar cargos na Instituição. Tanto é que estão preocupados com a concorrência com os escritórios estrangeiros, mas nada dizem com a concorrência entre Defensoria e o Jovem Advogado, pois a primeira não comprova a carência do cliente e faz publicidade, além de captação de clientela com o apoio de notáveis da OAB, pois estes temem o crescimento dos pequenos escritórios neste ramo de advocacia social e popular, o que revolucionaria a visão de advocacia palaciana.
As normas éticas da OAB vedam a criação de cooperativas de advogados, pois não prevista na Lei 8906-94. Mas, as normas éticas da OAB permitem a figura do advogado associado, e este não existe na Lei 8906-94. Mas, como a figura do advogado associado interessa aos escritórios mais antigos, pois não precisam contratar como empregado, então criaram esta figura administrativamente. O advogado associado é aquele que não é empregado, nem sócio. Contudo, a cooperativa que é prevista no Código Civil e permitiria os jovens advogados se organizarem, reduzirem custo e competirem com os escritórios mais estruturados, esta é vedada alegando que é de natureza comercial, mas o fato de ter o estatuto arquivado na Junta Comercial (de duvidosa constitucionalidade), não a transforma em entidade comercial.
Aliás, mercancia é comércio, e comércio é lucro. Ora, lucro é cobrar R$ 25 milhões para fazer defesa criminal de bicheiro por ser advogado famoso e que pode aparecer na TV e rádio de forma gratuita, enquanto os demais nem pagando. Isto sim é que mercantiliza a advocacia, e não a advocacia social ou popular com valores de honorários mais acessíveis. No entanto, usam o conceito de “mercantilização” com outro viés.
Para agravar ainda mais, as faculdades de Direito são aterrorizadas pelas OABs locais que impedem que os Núcleos de Prática Jurídica permitam aos alunos atenderem pessoas carentes em áreas como Previdenciário, Trabalhista, Empresarial, Tributário, pois entendem que é “concorrência desleal” e apenas querem que os núcleos atendam em área de Família, pois, em regra, pouco rentável. Logo, os alunos ficam prejudicados na prática. Seria o mesmo que o Conselho Federal de Medicina impedir os Hospitais Universitários de atenderem em áreas rentáveis, isto é, apenas poderiam fazer “cirurgia por unha encravada”.
Determinada escola tentou implantar assistência jurídica trabalhista, mas foi processada pela OAB. Outra Escola tentou fazer convênios com o município, mas foi processada pela Defensoria. Ou seja, o discurso de justiça social e altruísmo tem outros motivos bem diversos. E também, o Ministério da Educação (MEC) não regulamenta efetivamente os Núcleos de Prática Jurídica (NPJs), nem mesmo tem estatísticas ou exige uma estrutura mínima. Afinal, o lobby para os NPJs funcionarem precariamente é enorme.
No meio jurídico prevalece um aprendizado de decorar conceitos, mas sem saber usar os mesmos. E tanta o cliente, como o mercado não precisa deste tipo de profissional, pois querem alguém que resolva o problema deles e não que repita conceitos.
Portanto, é preciso que os jovens advogados se organizem e busquem o seu direito de entrar no mercado de trabalho, de se organizarem livremente e informarem as pessoas sobre o seu trabalho. Caso contrário, teremos um número de formados, mas sem acesso aos clientes, e milhões de pessoas sem acesso ao advogado.
Enquanto isso, muitos escritórios de advocacia contratam advogados empregados sem piso salarial ou apenas são associados, o que pode demorar mais de cinco anos para conseguir repensar a sua situação de trabalho artesanal e em escritórios sem planejamento de carreira. Ou então, muitos desistem e vão ficar vários anos estudando para concurso público.
André Luís Alves de Melo é mestre em Direito Social e promotor de Justiça em Minas Gerais.