Por Marcelo Santoro Pires de Carvalho Almeida
Recentemente fui surpreendido por um aluno, que me perguntou se, na união estável, a separação garantia a uma dos companheiros direito sobre os bens adquiridos pelo outro, notadamente aqueles percebidos em jogos (bingo, loterias, “reality shows” etc)
Comecei explicando à turma dentre as relações existentes entre um homem e uma mulher, não oriundas pelo casamento, qual seria aquela que geraria direitos. Fiquei com a quantidade de informações deturpadas, transferidas à sociedade, por pessoas que desejam criar o desnecessário caos.
Objetivando terminar com a injusta situação de, na sua maioria, mulheres que dedicaram a vida inteira a um homem e sua família, e com o término desse relacionamento, seja pela separação ou pela morte, viam-se completamente abandonadas materialmente, os tribunais pátrios começaram a garantir alguns direitos.
Inicialmente, entendiam que aquela mulher — digo mulher não por machismo, mas por ser a realidade da situação nas décadas de 70 e 80 — merecia ser ressarcida pelo trabalho doméstico realizado. Isso mesmo. Por mais absurdo que pareça, a mulher recebia uma indenização, calculada pelo período dedicado ao companheiro, multiplicado pelo salário que uma empregada doméstica receberia. Importante frisar que, para quem não recebia nada, já era um avanço.
Posteriormente, os tribunais começaram a perceber que, na verdade, havia muito mais naquela união do que um simples trabalho doméstico: havia comunhão de esforços para a aquisição de um patrimônio em comum, e que tal patrimônio não poderia ficar exclusivamente com o varão.
Perceberam essa união como a existência de uma sociedade de fato, geradora de direitos. E o que vem a ser a sociedade de fato? Simples, quando duas ou mais pessoas, criam uma “sociedade”, e labutam para o seu desenvolvimento. Seria como se fosse montado um negócio informal.
Assim, havia a necessidade de ser comprovada a existência de um trabalho conjunto para a aquisição do patrimônio. Tal situação ainda não era justa, afinal as mulheres sempre foram mais mal remuneradas que os homens, e, quando não trabalhavam fora, o trabalho doméstico era menos valorizado que o do homem. Dificilmente se alcançava uma decisão em que a mulher conseguia 40% dos bens constituídos pelo casal.
Com a Constituição Federal de 1988, houve o reconhecimento da união entre um homem e uma mulher, não casados, como entidade familiar, criando-se o termo união estável. Tal união só foi regulamentada pelas Leis 8971/94 e 9278/96. Permitindo, em caso de separação, a cobrança de alimentos, a partilha de patrimônio adquirido de forma onerosa no curso da união, e os direitos sucessórios, quando um dos companheiros viesse a falecer.
Aquisição onerosa, muitos devem se estar perguntando, é aquela que se dá com o efetivo desembolso de capital, tendo sido este plenamente adquirido na constância da união pelo trabalho conjunto. Estão, portando, afastados da partilha os bens que cada um possuía antes da união, os recebidos por doação ou herança, os sub-rogados em seu lugar, os recebidos por fato eventual (recebidos por jogos, por exemplo) e os frutos dos bens particulares (aluguel de um imóvel que pertença exclusivamente a um dos companheiros).
Mas o que é união estável? A lei entende como sendo a união pública, contínua e duradoura, entre um homem e uma mulher, objetivando a constituição de família. Portanto, um simples namoro não é uma união estável. Um relacionamento esporádico, eventual também não o é.
O Novo Código Civil repetiu o conceito de união estável, que só pode ser mantido entre um homem e uma mulher, com os mesmos impedimentos do matrimônio, incluindo-se a possibilidade de sua existência quando um dos companheiros é casado, mas se encontra separado de fato do seu cônjuge.
Aliás, em recente decisão, o Supremo Tribunal Federal entendeu que existe união estável entre pessoas de mesmo sexo, devendo ser “reescrito” o artigo que trata da matéria, alterando-se a frase “a união pública, contínua e duradoura, entre um homem e uma mulher”, para “união pública, contínua e duradoura, entre duas pessoas, cujo objetivo é a constituição de família”.
Inovou o novo Código Civil no que concerne aos direitos patrimoniais oriundos da união estável, igualando-os aos do casamento realizado pelo regime da comunhão parcial de bens. Não é a mesma coisa, antes que se pense assim. No regime da comunhão parcial de bens, e agora na união estável, partilham-se, além dos bens onerosamente adquiridos no curso da sua existência, aqueles oriundos de fato eventual e os frutos de bens particulares.
Portanto, respondendo à pergunta do meu aluno, se o casal não firmou um contrato reconhecendo a existência da união estável, e determinando que o regime de bens a vigorar é diferente daqueles determinados pela lei, os bens e valores recebidos em jogos pertencem ao patrimônio comum e devem ser partilhados.
Antes que alguém pense em fazer, não existe contrato declarando a inexistência de união estável, já que o conceito é definido em lei, ou seja, presentes os seus pressupostos, não compete às partes alegarem a sua inexistência.
Marcelo Santoro Pires de Carvalho Almeida é professor de Direito do Mackenzie Rio e sócio do escritório Guimarães, Garcia e Santoro Almeida Advogados.