Acesso à informação e sacrifício do direito à privacidade

Por Telmo Lemos Filho

A sociedade gaúcha e brasileira vem acompanhando, nos últimos dias, várias matérias jornalísticas tratando da aplicação da denominada Lei do Acesso à Informação. A iniciativa legislativa, certamente meritória, já que permite o conhecimento pela sociedade da estrutura das despesas dos entes e dos Poderes do Estado brasileiro, vem sendo objeto de debate em relação ao seu alcance, especialmente no que toca à publicação do nome dos servidores com a sua correspondente remuneração. A questão central reside na violação da privacidade e da intimidade do cidadão servidor público que esta publicação nominal traz.

A polêmica estabelecida consiste em conciliar o princípio da publicidade da administração pública, informada ainda pela imposição de transparência da gestão e das despesas, com a preservação da intimidade do servidor. Na hipótese há uma aparente colisão de dois princípios constitucionais que, no caso, podem e devem ser preservados. O objetivo da disposição legal é impor à administração pública o dever de informar à sociedade das despesas que realiza, de modo a permitir que a sociedade se aproprie dos valores pagos aos servidores públicos de forma individual, viabilizando o exercício do controle social. Para realizar tal controle, porém, de nada adianta saber quanto percebe mensalmente determinado servidor. O atendimento da possibilidade de controle pela sociedade fica satisfeito pela informação dos valores que são pagos a cada um dos cargos públicos e os contracheques emitidos pelo órgão pagador, sem a identificação pessoal do servidor. A identificação do servidor apenas serviria para questões de ordem particular. Assim, a pretensão de divulgação dos nomes acompanhados dos vencimentos não tem nenhuma finalidade pública.

De outro lado, a divulgação do nome do servidor com a sua remuneração atingirá sua privacidade. A privacidade do servidor pode ser violada em determinadas situações, porém a sua realização tem que ser justificada pela utilidade pública da informação. No caso em debate atualmente, portanto, há como compatibilizar o direito da cidadania à intimidade e à privacidade e da sociedade de acesso às informações de caráter público, isto é, realizar-se a divulgação sem sacrificar o direito individual.

Não há discussão sobre a preponderância dos interesses da sociedade sobre aquele interesse específico de determinado cidadão. Porém, o sacrifício do direito do cidadão deve ficar limitado à utilidade da informação para sociedade. Devem, portanto, ser realizadas todas as divulgações úteis ao controle social e à sociedade, preservando-se, porém, no máximo possível o direito personalíssimo à privacidade, divulgando os valores pagos a cada um dos servidores, sem, todavia, identificá-los nominalmente. Verificadas inconsistências, desvios, ou qualquer outra dúvida, diante do caso concreto, submeta-se esta verificação com todos os elementos, inclusive a identificação pessoal do envolvido. Fora disto é a imposição de sacrifício de um direito da cidadania sem nenhuma justificativa e necessidade, o que poderá, inclusive, acarretar eventual dano ao servidor e impor, por via de consequência, ao ente que promoveu a publicação, o dever de indenizar.

Telmo Lemos Filho é presidente da Associação dos Procuradores do Estado do Rio Grande do Sul (Apergs) e vice-presidente da Associação Nacional dos Procuradores de Estado (Anape).

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.


Você está prestes a ser direcionado à página
Deseja realmente prosseguir?
Atendimento