Por Gustavo Teixeira Villatore
Pode um sócio praticar, ativa e conscientemente, atos contrários ao interesse da sociedade de que faça parte, causando-lhe prejuízos? Óbvio que não. Tal resposta é intuitiva, mesmo para os mais leigos em matéria jurídica. Isto porque, quando se está a tratar de uma sociedade, sempre se parte do pressuposto lógico de que todos os sócios têm o interesse comum de que a sociedade se desenvolva, prospere. Não se pode conceber que um sócio tenha por objetivo prejudicar o desenvolvimento da sociedade de que faça parte, para atender seus interesses individuais ou de terceiros.
Dentre os mais basilares deveres de um sócio, está o “Dever de Lealdade” para com a sociedade, o de envidar todos os seus esforços para que a sociedade possa desenvolver sua atividade econômica, sendo inerente a todos os tipos societários.
Nas palavras de Jorge Manuel Coutinho de Abreu, professor da Faculdade de Direito de Coimbra, “este dever impõe que cada sócio não actue de modo incompatível com o interesse social (interesse comum a todos os sócios enquanto tais), ou com interesses de outros sócios relacionados com a sociedade”. Faz coro com tal ensinamento Fábio Ulhoa Coelho: “A lei brasileira não é explícita, mas é possível sustentar que o sócio tem, perante os demais e a própria sociedade, um dever de lealdade, traduzido na noção geral de colaboração para o sucesso do empreendimento comum.
Colaborar nesse contexto, não tem apenas o sentido de tomar parte na gestão do negócio (colaboração ativa), restrição que excluiria os sócios investidores do dever de lealdade; mas, também e principalmente, o de se abster o sócio de atos prejudiciais aos interesses comuns (colaboração passiva). A rigor, este último aspecto é mais importante que o primeiro na mensuração do cumprimento do dever societário”.
Como exemplo clássico de violação ao Dever de Lealdade está o caso de um sócio agir ilicitamente de modo concorrente à sociedade de que faz parte, aproveitando-se da qualidade de sócio para obter informações privilegiadas que serão usadas contra a mesma, utilizar-se dos próprios dividendos recebidos da sociedade para financiar e capitalizar sua atividade concorrencial, ou seja, usar de suas prerrogativas sociais não para o bem da sociedade, mas, ao contrário, para prejudicá-la. É inconcebível que um sócio dedique-se a prejudicar a sociedade da qual faz parte, em especial aproveitando-se de sua posição e informações privilegiadas para desviar sua clientela e causar-lhe, deliberadamente, danos.
Na Sociedade Anônima não poderia ser diferente, em especial em se tratando de sociedade anônima fechada (aquela em que os valores mobiliários de sua emissão não estão admitidos à negociação no mercado de valores mobiliários), em que é natural que a relação entre os sócios seja muito mais próxima e, em muitos casos, a affectio societatis é uma característica relevante.
Diante desta realidade, a Lei das Sociedades Anônimas (Lei 6.404/1976), prevê em seu artigo 120, o poder da Assembleia Geral de suspender o exercício dos direitos do acionista que deixar de cumprir obrigação imposta pela lei ou pelo estatuto, cessando a suspensão logo que cumprida a obrigação. Ou seja, a suspensão dos direitos do acionista que viola o Dever de Lealdade é um mecanismo extrajudicial de defesa da sociedade contra aquele que age contra os interesses desta.
Em um primeiro momento, a suspensão de direitos tem cunho de sanção disciplinar interna, pois tal suspensão decorre da falta cometida pelo acionista. Há uma relação direta de causalidade entre a violação a um dever legal ou estatutário e a suspensão dos direitos de acionista a ele inerentes.
De outro lado, a lógica por detrás da suspensão dos direitos do acionista está no fato de que o acionista deve exercer seus direitos sempre no interesse da sociedade de que faz parte, que é um interesse maior, coletivo. Assim, a violação por parte do acionista do Dever de Lealdade, pode acarretar na suspensão do exercício de seus direitos societários. Afinal, o exercício regular de um direito societário, como regra, é uma via de mão dupla, exigindo-se em contrapartida do sócio o cumprimento de seus deveres e obrigações.
A competência para a deliberação sobre a suspensão dos direitos do acionista é da Assembleia Geral Extraordinária, por maioria dos votos válidos, em decisão devidamente fundamentada. Uma vez que o acionista faltoso volte a cumprir com suas obrigações, não há mais razão para que seus direitos fiquem suspensos, razão pela qual, automaticamente, o acionista voltará a exercê-los em sua plenitude.
Assim, pode-se concluir que a suspensão de direito do acionista faltoso é um mecanismo extrajudicial apto de autoproteção da sociedade anônima contra aquele acionista que, em violação à lei ou ao estatuto, descumprir com seus deveres e, em especial, quando o exercício de tais direitos pelo acionista esteja sendo usado intencionalmente para prejudicá-la, com o fito de obter benefícios pessoais. Isto, por óbvio, sem prejuízo da possibilidade da propositura pela sociedade das medidas judiciais cabíveis contra o acionista faltoso, de modo a exigir do mesmo o cumprimento de suas obrigações e, ainda, indenizar a sociedade pelos eventuais prejuízos que já tenha a ela causado em decorrência de seu comportamento ilícito.
Gustavo Teixeira Villatore é advogado, sócio do escritório Katzwinkel e Advogados Associados.