CRIME CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL – LEI 7492/1986- art.19.
ESCREVEU ABRÃO RAZUK –ADVOGADO MILITANTE.
EX-JUIZ DE DIREITO EM MS.
PREÂMBULO:
“A OBJETIVIDADE JURÍDICA DO CRIME CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL É A CREDIBILIDADE DAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS” –
PRESIDENTE MIN.AYRES BRITO.EM 6 DE SETEMBRO DE 2012 EM SEU VOTO NA AÇÃO 470 DO MENSALÃO.
Peças de acusação e defesa dos réus
Acusados da prática de crime contra o sistema financeiro nacional. Enfoque teórico e prático.
Exemplo de certa denúncia e a defesa correspondente.
“Por derradeiro, existem, no incluso apuratório policial, indícios robustos de que os denunciados, agindo com unidade de desígnios, praticaram o crime contra o sistema financeiro nacional capitulado no art. 19 da Lei 7.492/1986.
Estatui esse tipo penal:
”OBTER,MEDIANTE FRAUDE,FINANCIAMENTO EM INSTITUIÇÃO FINANCEIRA:PENA-RECLUSÃO,DE 2 A 6 ANOS,E MULTA”.
Consta dos autos que o PRIMEIRO ACUSADO com o escopo de adquirir capital para despesas diversas, procurou SEGUNDO ACUSADO, proprietário da empresa ALAMEDA DE PEÇAS LTDA, propondo-lhe fosse simulada uma venda de materiais de informática para a referida pessoa jurídica, objetivando que o suposto crédito a ser pago para OMEGA COMPUTADORES servisse de garantia de financiamento para a própria OMEGA COMPUTADORES.
O monitoramento telefônico judicialmente autorizado no terminal do acusado bem demonstra que a operação comercial, de fato, nunca existiu, mormente porque o próprio acusado acertou com O SEGUNDO ACUSADO que ficaria responsável pelo pagamento das prestações. Assim, a nota fiscal referente ao ato, e acostada à fl. acobertou, fraudulentamente, venda simulada, com o escopo de obter financiamento em instituição financeira.
Demais disso, os boletos bancários que foram apresentados pelo SEGUNDO ACUSADO (fls. ) demonstram que o financiamento bancário realmente foi perfectibilizado, restando plenamente configurada a prática delituosa.
No mesmo diapasão, a testemunha JOSEFINA MELO, secretária do acusado, confirmou, em seu depoimento às fls. , que a operação bancária fraudulenta foi efetivada, calcada em uma operação comercial simulada entre a OMEGA COMPUTADORES e ALEMADA DE PEÇAS LTDA.
Quebrado o sigilo bancário da conta-corrente 234596432 do Banco X, no período de interesse, foram acostados, às fls. , os documentos bancários que comprovam a fraude contra a instituição financeira, inclusive com a demonstração, por intermédio de extratos, que a empresa OMEGA COMPUTADORES, através de fraude, obteve o financiamento de dois valores: o primeiro de R$ 15.000,00 (dia 10.11.2000), e o segundo de R$ 25.000,00 (dia 11.11.2000), ambos em razão da operação comercial simulada.
Adquirido o financiamento perante a instituição financeira mediante fraude, caracterizado está o delito tipificado no art. 19 da Lei 7.492/86, imputado ao acusado e SEGUNDO ACUSADO.”
Passemos aos fundamentos de defesa.
1º ARGUMENTO.
A denúncia que se baseia no inquérito policial não foi precedida de procedimento fiscal e administrativo. Basta sua ausência para justificar sua absolvição, conforme jurisprudência mansa e pacífica de nossos Tribunais:
“ STJ- RHC 10549/MG- Relator: Ministro J.Scartezzini, 13 de março de 2001, DJ, 18 de junho de 2001, p.156: Para a caracterização do delito previsto no art.19, seria necessário que a fraude ocorresse anteriormente à liberação do crédito, justamente para que o credor, induzido a erro, liberasse o financiamento. Esse ponto, portanto, a denúncia não demonstrou.
Por tais fundamentos, dou parcial provimento ao recurso para excluir da denúncia o crime previsto no art. 19 da Lei 7.4992/86, prosseguindo quanto ao delito capitulado no art. 20 do mesmo Diploma Legal.” Acórdão extraído do livro “ CRIMES DO COLARINHO BRANCO” Editora Saraiva, Paulo José da Costa Júnior e outros, p. 136.
SEGUNDO ARGUMENTO.
O conjunto probatório revelou que o financiamento deu-se pelo Banco X hoje incorporado pelo Banco y, e a operação, além de ter sido efetuada pelo Banco particular, onde sequer a economia nacional teve prejuízo e a operação, conforme ficou provada pelos depoimentos das testemunhas, em particular de BERTOLINO LIMA, submetido pelo crivo do contraditório disse textualmente que o financiamento foi devidamente pago e legal. Que o acusado nada deve.
Concludentemente não há justa causa para materialização do artigo 19 da Lei 7492/96. Ficou provado nos autos que o acusado nada deve para o Fisco.
TERCEIRO ARGUMENTO.
A denúncia menciona o monitoramento telefônico onde baseia sua acusação sobre o cometimento do delito contra o Sistema Financeiro Nacional. Donde se depreende que a mesma se baseia em prova ilícita, porquanto a voz encontrada na interceptação telefônica não se submeteu à perícia técnica de espectrograma de voz para se saber se efetivamente a voz era ou não do acusado. Logo caí por terra toda a peça acusatória porque baseada em prova ilícita. Ademais, o Sistema Financeiro Nacional, não levou nenhum prejuízo e nada ficou abalado, permanecendo incólume e jamais o acusado cometeu qualquer fraude. O financiamento realizado foi absolutamente lícito porque a prova robusta dos autos e principalmente, testemunhais, aliás no juízo sumariante, sob a égide do contraditório, caiu por terra a denúncia que é injurídica, inconsistente e improcedente. No caso vertente, para a caracterização deste delito, é mister como “ elemento subjetivo o dolo que, assim como a fraude, deve anteceder a obtenção do financiamento” (STJ RHC 10549, Jorge Scartazenni, em 13 de março de 2001, RSTJ 145: 543, lição extraída do livro do jurista juiz federal Dr. JOSÉ PAULO BALTAZAR JUNIOR, p. 320, in “ Crimes federais”, Livraria do advogado, edição 2007).
Mutatis mutandis, vejamos um exemplo que caracteriza este crime, senão vejamos:
“ Quando for falso o título e inexistente a propriedade oferecida em garantia para a obtenção do financiamento” ( TRF 3- HC 200203.00030990-0/MS RAMZA TARTUCE, Quinta Turma em 24.9.2002).
Entre este exemplo dado e a denúncia injusta oferecida há muito diferença. No exemplo dado, cujo acórdão foi do TRF 3ª Região, extraído do livro CRIMES FEDERAIS, já mencionado, o agente com fraude e dolo e prejudicou os interesses patrimoniais das instituições integrantes do Sistema FINANCEIRO NACIONAL e, por extensão, de seus investidores, poupadores e acionistas. Diferentemente, no caso sub judice, em que o denunciado não agiu com dolo e nem fraude e sequer houve prejuízo a ninguém.
Passemos a palavra ao Dr. JOSÉ PAULO BALTAZAR JUNIOR, p. 269 , do livro DOS CRIMES FEDERAIS, verbis:
“A relevância do estudo dos crimes contra o Sistema Financeiro Nacional é inegável, seja pelos nefastos efeitos que podem acarretar e com prejuízos difusos contra milhares de indivíduos e , até para a própria economia nacional” (apud).
Pergunta-se: Onde houve no caso concreto prejuízo para a economia nacional. Resposta: nenhum. No caso telado, ficou provado à saciedade que o agente não cometeu fraude, nem dolo e nem crime contra o sistema financeiro.
Sujeito ativo desse delito- qualquer pessoa.
Sujeito passivo- O Estado.
Aqui a lei penal visa proteger a credibilidade do sistema financeiro nacional(meta optata).
Natureza jurídica desse crime é formal ou de mera conduta,basta a obtenção fraudulenta pondo em jogo a credibilidade da instituição financeira consuma-se a figura delitiva contida no tipo penal do art.19 da Lei n.7.492,de 16 de junho de 1986.
Enfoque sobre a co-autoria.
No dia 6 de setembro de 2012 assistindo ao julgamento no Supremo Tribunal Federal pela TV JUSTIÇA a famosa ação penal n.470 intitulada de mensalão prestei muita atenção nos votos dos ministros CELSO MELLO e AYRES BRITO e pude extrair algumas reflexões alusivas ao tema co-autoria.
O que é gestão fraudulenta?
A resposta está no próprio verbo do núcleo do verbo gerir.
No caso sub judice,os réus foram enquadrados no art.4º da Lei n.7472/1986 com nomen juris de gestão fraudulenta.Diz esse artigo:
GERIR FRAUDULENTAMENTE INSTITUIÇÃO FINANCEIRA:PENA-RECLUSÃO,DE 2 A 8 ANOS E MULTA.
Teoricamente sob o enfoque penal, a ação física do agente está no núcleo do verbo gerir.
Não podemos esquecer que o delito é formal ou de mera conduta. Destarte,é inadmissível a tentativa da prática desse crime.
Assim o itinerário criminoso ou iter criminis possui 04 fases a saber, a cogitação,atos preparatórios, execução e a consumação.
Por ser crime da espécie formal, basta na operação subjetiva ou conatus ou elemento subjetivo que é a vontade livre e consciente da prática e de forma dolosa na prática do crime contra o sistema financeiro nacional já se consuma per si, independente de resultado concreto.
E seu valor axiológico na norma protetora é a credibilidade do universo do sistema financeiro,sob pena de grave prejuízo em última análise, da própria União como ente do Estado Brasileiro.
Entretanto o parágrafo único do art. 4º da Lei n.7.492,de16 de junho de 1986 tipifica de gestão fraudulenta quando for da espécie temerária a pena é menor ou seja,reclusão de 2 a 8 anos e multa.
Poder-se-ia afirmar se fosse na Medicina seria o DNA do tipo legal do crime.Elemento norteador da tipicidade.
O que é gerir?
Gerenciar um negócio,segundo Dicionário Houaiss da
Língua Portuguesa,p.967 .Na hipótese vertente,os réus administravam uma instituição financeira e na condução da mesma administraram-na com consciência dirigida dolosamente fazendo empréstimos ilícitos renovando-os por várias vezes sem a devida garantia em gestão fraudulenta.
Essa ação física para ser considerada criminosa é preciso que o agente aja com dolo.
Os réus prejudicaram a credibilidade do sistema financeiro nacional.
Falou-se em “esquema delituoso de fraude financeira” ,voto do Min.Ayres Brito atribuído aos réus mensaleiros.
Por maioria os réus já foram condenados e ainda falta a dosimetria da pena que advirá brevemente.
O Min.Celso Melo ao motivar seu voto condenatório falou em “prática comunitária de ações” e citando o penalista Nilo Batista que já doutrinava a teoria alemã “autoria do domínio do fato” no conceito da co-autoria posteriormente ampliada pelo jurista alemão Claus Roxin.
Para o mestre Nilo Batista assevera como fragmento da peça operacional é a co-autoria.
Para Raul Zaffaroni, min.do Supremo Tribunal da Argentina e grande penalista:”domínio funcional do fato”.
Prefiro a opinião do Prof. José Frederico Marques que “a co-autoria é a adesão psicológica do co-autor em relação ao autor do crime”.
Falou-se durante muito tempo em “teoria do autor”.
Para o inesquecível Prof.Heleno Claudio Fragoso que tive a honra de conhecer por ocasião do julgamento do Pe.Jentel em parceria com o saudoso e competente criminalista Nelson Trad, ambos defensores do réu desse caso rumoroso e internacional, cujo julgamento tive o prazer de assistir verdadeira aula de direito penal,sendo o juiz-auditor Dr.Plínio Barbosa Martins,salvo melhor juízo e
O réu foi absolvido da prática de subversão e crime contra a segurança nacional.Voltando ao assunto o mestre Fragoso ensinava que “ bastava a perspectiva do ato de ofício para tipificar o crime de corrupção apud Min.Celso Melo”.
No mensalão ante à crítica azeda aos julgadores de que flexibilizaram a interpretação das provas e o ato de ofício mormente os advogados de defesa e a mídia .
Com relação ao campo das provas não concordo de forma alguma com a posição albergada pelo Min.Luiz Fux que direcionou seu voto motivado dando ênfase ao aspecto do processo civil em que o réu deveria fazer a contra prova do fato tido como criminoso apresentando fatos impeditivos,modificativos e extintivos ou seja,o que se denomina no campo probante de inversão do ônus probandi.Todavia,essa posição não foi aceita pelos demais ministros,vale dizer,ministros Marco Aurélio de Melo,Celso Melo e
Ayres Brito que o dever de provar cabe ao ministério público.
O MP é o dominus litis,o senhor da ação penal. Portanto,quem alega deve provar o alegado e de forma individualizada e circunstanciada na denúncia para o réu poder se defender e assim por imperativo do devido processo legal e o sistema processual que se inspira nos princípios constitucionais que estão acima até das leis.Enfim ,digo eu,são emanações do Estado de Direito e do princípio da não culpabilidade do réu e o princípio da inocência e da parêmia jurídica ‘nullum criminem nula poena sine lege”.
Também em seu voto o Presidente do Supremo Tribunal Federal ,min.Ayres Brito pondera:”poder-se-ia falar por ação ou omissão da perspectiva do ato de ofício” e arremata com o seu brilhantismo peculiar e substancioso de penalista:”a objetividade jurídica do crime contra o sistema financeiro nacional é credibilidade das instituições financeiras e arremata
No momento do diálogo com o min.Celso Melo citou o jurista Miguel Reale que criou a “Teoria Tridimensional do Direito”,em 1968 assim consubstanciada:
“Norma, Valor e Fato Social”.
Além de jurista era filósofo brasileiro.
“A NORMA NÃO É UMA BOLHA ELA TEM VALOR AXIOLÓGICO”.
O Prof.Miguel Real também foi citado pelo Min.Ricardo Levandowski.
O CULTO MINISTRO AYRES BRITO TEM RAZÃO,POIS A AXIOLOGIA É O ESTUDO DOS VALORES MORAIS DO DIREITO”.
Tive o prazer e a honra de conhecer o Prof.Miguel Reale que aceitou meu convite para fazer uma conferência na Faculdade de Direito de Sorocaba,quando era Presidente do Diretório Acadêmico Rubino de Oliveira onde me formei , cujo tema foi “Diferenças entre lei,direito e justiça”.
Era um gigante da tribuna aliás um filósofo,sendo um
dos maiores juristas de todos os tempos e professor de filosofia do direito no glorioso Largo de São Francisco.
Mutatis mutandis,para autorizar uma sentença condenatória, o juiz tem que se basear no conjunto probatório,sem hierarquia das provas,ou seja,todos os meios de provas moralmente obtidos.Mesmo raciocínio também se aplica no caso duma sentença absolutória.Modernamente,o mecanismo da prova baseia-se no acervo probatório na busca da verdade real na formação do convencimento da juiz para proferir uma sentença seja condenatória ou absolutória.Sempre a sentença deve ser motivada por imperativo constitucional contido no IX do art.93 da Constituição Federal e com respeito no devido processo legal e de duração razoável do processo.
DOIS FUNDAMENTOS IMPORTANTES AO MEU VER,NO JULGAMENTO DE QUALQUER RÉU NO PROCESSO PENAL, DEVE VIGORAR,PRIMEIRO,PROVA DA CULPABILIDADE DO ACUSADO,SEGUNDO,PROVA DA TIPICIDADE DO CRIME,SENDO MODERNAMENTE O EXAME MAIS IMPORTANTE PARA O JUIZ AO SENTENCIAR É O EXAME APROFUNDADO DA TIPICIDADE ENTRE O ACUSADO E O FATO E AS PROVAS E O RESTO É RESTO.
CONSIDERAÇÕES FINAIS.
O Sistema Penal Processual moderno exige que para o juiz profira uma sentença buscando a verdade material dos autos, é preciso que examine o conjunto probatório, e não em prova isolada com espeque em prova ilícita e sim, com broquel em todos os meios de provas admitidas em direito.
Em resumo, o enunciado constitui o pilar da Justiça, por força do Estado de Direito e para a segurança da própria Justiça e a tranquilidade dos jurisdicionados.
Finalizando, reflexionemos sobre a advertência do Professor FERNANDO DA COSTA TOURINHO FILHO “ Uma condenação é coisa séria; deixa vestígios indeléveis na pessoa do condenado, que os carregará pelo resto da vida, como um anátema. Conscientizado os juízes deste fato, não pode eles, ainda que, intimamente, considere o réu culpado, condená-lo, sem a presença de prova séria, seja a respeito da autoria, seja a materialidade delitiva.” (Código de Processo Penal Comentado, p. 575-576).
Destarte,sem esgotar a matéria sobre o crime contra o sistema financeiro nacional e agora de interesse público em razão do julgamento do mensalão ,fruto da ação penal n.470 do Supremo Tribunal Federal, onde a maioria dos acusados foi denunciado em concurso de crimes nesse delito.
CAMPO-GRANDE,MS, 6 de setembro de 2012-09-06.
ABRÃO RAZUK ADVOGADO MILITANTE.