Citação por hora certa no Processo Penal é constitucional

Por Eduardo Luiz Santos Cabette

O STF reconheceu repercussão geral no Recurso Extraordinário 635.145 onde se discute a constitucionalidade da citação por hora certa no Processo Penal (artigo 362, CPP).

A citação por hora certa não contava com previsão no Código de Processo Penal Brasileiro até a edição da Lei 11.719/2008, que deu nova redação ao artigo 362, CPP, passando a prever essa modalidade de citação também no Processo Penal e inclusive apontando a adoção do procedimento previsto no diploma processual civil (artigos 227 a 229, CPC).

É sabido que a chamada “Teoria Geral do Processo” não pode ser argumento para a admissão de uma identidade entre os processos em geral ou o transplante a fórceps de institutos do Processo Civil para o Processo Penal. É necessário ter a prudência de reconhecer que há princípios e regras atinentes a cada um dos processos que não podem ser transferidos ou utilizados sem prejuízo à natureza própria de cada ramo processual.

Contudo, com relação à citação por hora certa, entende-se que o Processo Penal estava a carecer da inclusão desse instituto, sob pena de continuar a beneficiar indivíduos por sua própria torpeza ou má fé, o que já não era admitido há muito tempo no âmbito processual civil. Essa situação feria não somente princípios relativos ao processo penal ou civil ou mesmo ao processo em geral, mas um Princípio Geral do Direito (“NEMO TURPITUDINEM SUAM ALLEGARE POTEST” = Ninguém pode alegar da própria torpeza para se beneficiar).

O que a Lei 11.719/2008 fez foi trazer para o Processo Penal um instituto que não é com ele incompatível e que o Processo Civil já reconhecia há tempos devido à sua maior desenvoltura técnica amplamente reconhecida. Havia uma falha quando o Processo Penal não contava com a citação por hora certa e permitia que a má fé ou a astúcia de um acusado o beneficiasse. Com o advento da Lei 11.719/2008 e a nova redação do artigo 362, CPP essa falha foi colmatada e temos hoje um Processo Penal mais eficiente sem perda de sua face garantista como pretendem alegar alguns.

É muito comum o vício de enxergar o garantismo somente sob seu aspecto negativo, ou seja, com relação às limitações impostas ao Estado perante o indivíduo. Acontece que o garantismo tem também sua face positiva, consistente na busca da eficiência da proteção estatal perante a sociedade e não permitindo inconstitucionalidades que não se conformam por excesso, mas por insuficiência protetiva. É missão do legislador buscar um equilíbrio virtuoso entre garantias e eficácia processual no interesse da sociedade e de cada um de seus membros. Um processo excessivamente garantista sob o ângulo negativo será criador de insuficiência protetiva, ao passo que um processo excessivamente voltado para a eficácia, abandonando as garantias individuais básicas, tenderá ao autoritarismo. No caso da citação por hora certa é necessário dar ênfase ao aspecto positivo do garantismo penal e processual penal para que não se permita que a astúcia ou a torpeza de um acusado o beneficie perante um processo marcado por laxismo e até mesmo ingenuidade.

Ao reconhecer a repercussão geral do tema da constitucionalidade do artigo 362, CPP, agiu corretamente o STF, pois a matéria é mesmo de interesse geral e pode repetir-se em muitos outros casos. É deveras relevante que a Corte Suprema se manifeste sobre o tema de maneira definitiva e, a nosso ver, declarando a plena constitucionalidade da citação por hora certa no Processo Penal.

É bem verdade que a citação por hora certa é uma modalidade de “citação ficta ou presumida”, mas, diversamente da citação por edital, afigura-se situação em que o acusado sabe perfeitamente que está sendo procurado para ser citado e, deliberadamente, por ato próprio, foge à citação, com o intuito de causar tumulto processual. Nesse caso, não há falar-se em qualquer dano. Tanto é fato que o citado pessoalmente que não comparece injustificadamente aos atos posteriores do processo pode ter sua revelia declarada, assim como mesmo aquele citado por edital que apresenta advogado constituído (inteligência do artigo 366, CPP). Nesses casos trabalha-se com a questão da instrumentalidade das formas e da impossibilidade de beneficiar-se alguém com sua própria torpeza. Ora, se o réu tem advogado constituído e se defende normalmente no processo ou se citado pessoalmente decide abandonar o andamento processual, não pode ser beneficiado com qualquer medida que possa gerar eventual prescrição.

Há na doutrina manifestação sobre a possibilidade de aplicação por analogia do disposto no artigo 366, CPP, suspendendo-se o processo e a prescrição, em caso de citação por hora certa, já que ambos os casos são de citações fictas, embora no artigo 362, CPP, não se fale em tais suspensões. [1]

Parece que a tese não merece guarida, isso porque, embora realmente a citação edital e a citação por hora certa sejam espécies do gênero citação ficta, têm naturezas bastante distintas. O citado por edital não tem normalmente conhecimento efetivo de que é procurado para ser informado sobre um processo contra ele instaurado. Já o citado por hora certa está plenamente ciente e age deliberadamente, não merecendo o tratamento análogo. A analogia deve ser aplicada a casos semelhantes sem regramento legal para um deles. Ocorre que não há semelhança de casos a não ser a coincidência, insuficiente para a analogia, de que se trata de modalidades de citações fictas. É, são citações fictas, mas não são casos idênticos e nem sequer semelhantes. Pode-se afirmar que são mesmo casos opostos, pois num deles (citação edital) prepondera o garantismo negativo, em que há que se velar pelos direitos individuais defensivos, já que ninguém pode ser processado sem ter chance de se defender adequadamente. No outro (citação por hora certa) prepondera o garantismo positivo, o interesse estatal e mesmo individual (de cada cidadão brasileiro), de que os acusados sejam submetidos aos processos criminais, impedindo a impunidade que se possa produzir por astúcia ou má fé. No caso da citação por hora certa se entende que o legislador não previu o procedimento do artigo 366, CPP, seja fazendo menção a esse dispositivo, seja repetindo a redação em um parágrafo ou no corpo do artigo 362, CPP, porque realmente não o quis e não o quis acertadamente, já que os casos merecem realmente tratamentos desiguais. Portanto, não há qualquer semelhança entre os casos, há até oposição, bem como é fato que a citação por hora certa não carece de tratamento legal a chamar a analogia, pois que é devidamente regulada no artigo 362, CPP.

Agora, corretamente reconhecida a repercussão geral, resta aguardar a deliberação do STF, que, espera-se, seja pela declaração da constitucionalidade da citação por hora certa no Processo Penal, convalidando um inegável avanço promovido pela Lei 11.719/08.

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