Um agente administrativo da Companhia Riograndense de Saneamento – Corsan, demitido por justa causa após acessar, em dois dias, 867 sites não associados à sua atividade de trabalho não receberá, como pretendia, férias e décimo terceiro salário proporcionais. A Sexta Turma do Tribunal Superior do Trabalho, que reformou decisão em sentido contrário do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (RS), reafirmou o entendimento fixado na Súmula 171 e na Lei nº 4.090/62, que restringem o pagamento à dispensa imotivada, ou sem justa causa.
Pornografia
O empregado, lotado à época no call center da empresa, sustentou na reclamação trabalhista que ajuizou contra a Corsan que foi demitido sem que lhe fosse imputada qualquer acusação, e que a dispensa não seguiu as regras estabelecidas no estatuto disciplinar. Afirmou ainda ter sido alvo de uma “campanha intimidatória” contra empregados que tivessem ações na Justiça contra ela, e pedia a conversão da despedida com justa causa em imotivada, com o pagamento das parcelas rescisórias decorrentes.
A empresa, em sua contestação, afastou os argumentos do empregado e afirmou que a área de tecnologia da informação, encarregada do monitoramento do uso das ferramentas tecnológicas, verificou grande volume de troca de dados feitos pelo login do empregado. Uma investigação constatou diversas irregularidades no uso da internet, como a instalação de um programa para burlar o proxy da rede da empresa e o acesso a 867 sites, muitos deles pornográficos e alguns com conteúdo “aparentemente de pedofilia”, além da contaminação da estação de trabalho com vírus que acabou sendo propagado, atingindo o servidor da empresa.
A 1ª Vara do Trabalho de Porto Alegre, após analisar a prova oral e documental, decidiu pela manutenção da justa causa, por considerar caracterizada a falta grave que motivou a dispensa, na medida em que o funcionário quebrou, de forma consciente, normas estabelecidas no termo de responsabilidade firmado na sua admissão.
A sentença salienta ainda que, em seu depoimento pessoal, o próprio atendente admitiu o acesso indevido à internet. A confissão foi ainda admitida por seus procuradores, que, ao se manifestarem sobre a documentação juntada pela empresa (cópia dos sites acessados), afirmaram que “o autor de fato acessou alguns sites pornográficos. Mas, de 867 sites acessados, na listagem apenas 70, menos de 8%, eram pornográficos”. A decisão observa também que o autor não tinha nenhuma demanda trabalhista contra a empresa para justificar uma suposta perseguição, ao contrário do que afirmou.
Férias e décimo terceiro salário proporcionais
O TRT-RS, ao deferir o pagamento de férias proporcionais ao atendente, aplicou os artigos 4ª e 11 da Convenção nº 132 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que prevê o pagamento independentemente do motivo da demissão. Para o juízo, trata-se de norma mais benéfica ao trabalhador do que aquela imposta pelo artigo 136, parágrafo único, da CLT, que estabelece a perda do direito às férias proporcionais no caso de dispensa por justa causa.
Quanto ao pagamento do décimo terceiro salário proporcional, o juízo entendeu que se tratava de direito fundamental sem reserva e, portanto, assegurado pelo artigo 7º, inciso VIII, da Constituição Federal. Para o TRT-RS, a norma constitucional revogou o artigo 3º da Lei nº 4.090/62, que prevê o pagamento proporcional quando a rescisão se dá sem justa causa.
Conflito de normas
O ministro Aloysio Corrêa da Veiga, relator do acórdão, votou pela reforma da decisão. Para ele, em relação às férias, a solução estaria na aplicação da teoria do conglobamento, que avalia os preceitos jurídicos conjuntamente em relação a cada ponto a ser solucionado. “A escolha não pode recair sobre dispositivos específicos de uma e outra norma, considerados os benefícios isoladamente”, afirmou.
Ele observou que a doutrina e a jurisprudência consideram que a Convenção 132 da OIT traz em seu texto dispositivos favoráveis e desfavoráveis ao trabalhador, e destacou que o TST solucionou a questão ao editar a Súmula 171, pela qual firmou jurisprudência no sentido de que, mesmo após a ratificação da convenção pelo Brasil, o empregado dispensado por justa causa não tem direito às férias proporcionais.
Com relação ao pagamento das férias, o relator decidiu que o acórdão regional contrariou o disposto no artigo 3º da Lei nº 4.090/62. No seu entendimento a norma não foi revogada pela Constituição Federal, encontrando-se em vigor, e tanto a lei quanto a CLT são taxativas ao dispor que somente nos casos de dispensa sem justa causa é que o empregado faz jus ao recebimento do 13º proporcional.