Por Alexandre Camanho
Extreme de dúvida que a investigação pelo Ministério Público decorre de seu perfil constitucional. Querer um Ministério Público inerte e resignado a uma atuação exclusivamente reativa é atentar contra a ordem social atual, sobretudo, do imperativo combate à sofisticada criminalidade que hoje prospera.
Certo, por outro lado, que o Legislativo e o Judiciário sustentam a necessidade de regulamentação da investigação conduzida pelo Ministério Público — para além de instrumentos normativos internos já existentes —, de forma a aprimorar o exercício dessa atividade e prestigiar a cidadania.
Nesse rumo, tem-se que eventual regulamentação não deve enunciar uma investigação conduzida isoladamente pelo Ministério Público. Ao reverso, deve promover um trabalho integrado entre polícia judiciária, Ministério Público e os órgãos técnicos que colaboram com a apuração das infrações penais, em prol de um verdadeiro aperfeiçoamento da persecução penal.
Um procedimento formal de investigação no Brasil, materializado em inquérito policial ou procedimento investigatório criminal — a depender da autoridade que o preside — deve ser concebido sem excluir a competência de autoridades administrativas, como Bacen, Coaf, Receita Federal e outros, a quem por lei seja cometida a mesma função.
Além disso, a instauração de procedimento investigatório pelo membro do Ministério Público deve observar a natureza pública da infração. A iniciativa da investigação por qualquer dos legitimados não exclui a necessidade de uma atuação conjunta e coordenada na apuração das infrações penais de natureza pública.
Assim, nos casos de apuração conjunta, determinados em acordos de cooperação ou em entendimentos entre a autoridade policial e o membro do Ministério Público, a determinação de diligências e o requerimento de medidas cautelares deverão ser decididas de comum acordo e assinadas por ambas autoridades, devendo eventual proposta legislativa dispensar em casos que tais a oitiva do Ministério Público.
O estabelecimento de regras para a investigação não pode abstrair a natureza administrativa e inquisitorial dessa fase vital da persecução penal. Cuida-se de momento de apuração minuciosa da notícia de crime, de identificação dos envolvidos e das possíveis ramificações e conexões que a suposta infração possa ter.
É dizer, a ampla defesa e o contraditório devem ser diferidos para a instrução processual, e isso se houver elementos suficientes para o oferecimento de denúncia: apenas quando oportuno para o andamento das investigações deverá ocorrer a comunicação do investigado por escrito, bem como sua notificação para, querendo, apresentar as informações que considerar adequadas, facultado o seu acompanhamento por advogado.
Aliás, sem o intuito de retornar a um Estado Policial, uma proteção penal eficaz da sociedade demanda, inclusive, a possibilidade de uma atuação observadora da rotina criminosa do investigado. Desse modo, a obrigatoriedade de instauração formal do inquérito e do procedimento investigatório criminal não deve excluir averiguações preliminares para aferir o suporte fático da notícia de crime, em favor inclusive do próprio investigado: excluem-se, assim, as investigações congenitamente improcedentes ou inconsistentes.
Por fim, assim como a polícia judiciária sofre o controle externo por parte do Ministério Público e o controle judicial afeto a todas as atividades do Estado, a investigação por parte do parquet não será feita às escuras. Terá a transparência cabível a essa fase da persecução penal, como já dito, e também sofrerá o controle judicial no que concerne à legalidade.
Para segurança da cidadania, a investigação observará severos prazos e deve ter rigorosas regras acerca da proteção à dignidade do investigado, de forma a que se punam os juízos de valor antecipados e a exposição à execração publica.
Propostas para o aperfeiçoamento da investigação devem ser democraticamente discutidas, em favor da cidadania e do aprimoramento do Estado. A Associação Nacional dos Procuradores da República participa deste processo, velando para que ele ocorra de forma democrática, de modo a salvaguardar o relevante papel da polícia, observando, contudo, a necessidade de se assegurar, em definitivo, o engajamento do órgão ministerial nesta fase, a fim de conferir maior eficiência e celeridade às investigações.
Alexandre Camanho é procurador regional da República e presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República.