Por Alexandre de Moraes
A Constituição garante que todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente, tratando-se, pois, de direito individual o coligar-se com outras pessoas, para fim lícito.
O direito de reunião é uma manifestação coletiva da liberdade de expressão, exercitada por meio de uma associação transitória de pessoas e tendo por finalidade o intercâmbio de ideias, a defesa de interesses, a publicidade de problemas e de determinadas reivindicações. O direito de reunião apresenta-se, ao mesmo tempo, como um direito individual em relação a cada um de seus participantes e um direito coletivo no tocante a seu exercício conjunto.
O direito de reunião, — que incluiu o direito de passeata —, vem sendo exercido por milhares de pessoas em defesa de suas ideias, entre elas a diminuição do valor da passagem de ônibus e metrô em São Paulo. Configura-se como um dos princípios basilares de um Estado Democrático de Direito, sendo de grande abrangência, pois não se compreenderia a liberdade de reuniões sem que os participantes pudessem discutir, tendo que limitar-se apenas ao direito de ouvir. O direito de reunião compreende não só o direito de organizá-la e convocá-la, como também o de total participação ativa.
Importante, porém, ressaltar, que os direitos de reunião e livre manifestação de pensamento, assim como todos os demais direitos fundamentais, são relativos. Eles não podem ser utilizados como verdadeiro escudo protetivo da prática de atividades ilícitas, tampouco como argumento para afastamento ou diminuição da responsabilidade civil ou penal por atos ilícitos, sob pena de total consagração ao desrespeito a um verdadeiro Estado de Direito.
O direito de reunião consagrado pela Constituição Federal, no artigo 5º, inciso XVI, portanto, não é ilimitado, uma vez que encontra seus limites nos demais direitos igualmente consagrados pela Carta Magna (relatividade ou convivência dos direitos fundamentais). As democracias modernas, garantindo a seus cidadãos uma série de direitos fundamentais que os sistemas não democráticos não consagram, busca, como lembra Robert Dahl, a paz, segurança e a prosperidade da sociedade como um todo.
Jamais, portanto, o texto constitucional permitiria a execução de manifestações criminosas, caracterizadas pelo abuso aos direitos de locomoção, segurança e propriedade de toda a sociedade, como estamos vislumbrando nas últimas manifestações referentes ao aumento da passagem de ônibus e metrô na capital paulista.
Dessa forma, havendo conflito entre dois ou mais direitos ou garantias fundamentais, devemos harmonizá-los, de forma a coordenar e combinar os bens jurídicos em conflito, evitando o sacrifício total de uns em relação aos outros. Deve ser feita uma redução proporcional do âmbito de alcance de cada qual (contradição dos princípios), sempre em busca do verdadeiro significado da norma e da harmonia do texto constitucional com suas finalidades precípuas.
Nesse sentido, os movimentos reivindicatórios de grupos socialmente organizados ou não, por meio de reuniões e passeatas, não podem obstar o exercício, por parte do restante da sociedade, dos demais direitos fundamentais. Configura-se, claramente abusivo, o exercício desses direitos que impeçam o livre acesso das demais pessoas a aeroportos, rodovias e hospitais, por exemplo, em flagrante desrespeito à liberdade constitucional de locomoção (ir e vir), colocando em risco a harmonia, a segurança e a saúde pública.
A própria Declaração dos Direitos Humanos das Nações Unidas, após afirmar em seu artigo 29 que “toda pessoa tem deveres com a comunidade, posto que somente nela pode-se desenvolver livre e plenamente sua personalidade”, expressamente prevê que “no exercício de seus direitos e no desfrute de suas liberdades todas as pessoas estarão sujeitas às limitações estabelecidas pela lei com a única finalidade de assegurar o respeito dos direitos e liberdades dos demais, e de satisfazer as justas exigências da moral, da ordem pública e do bem-estar de uma sociedade democrática”.
Assim, a conduta do Poder Público na compatibilização prática dos direitos fundamentais deve pautar-se pela razoabilidade. Por um lado, deve evitar o excesso ou abuso de direito dos manifestantes, e, por outro, impedir a utilização desnecessária da força policial, de maneira a afastar a possibilidade de prejuízos de grandes proporções à sociedade e aos próprios manifestantes.
A razoabilidade no exercício das reuniões e passeatas, previstas constitucionalmente, deve, portanto, evitar a ofensa aos demais direitos fundamentais, o desrespeito à consciência moral da comunidade, visando, em contrapartida, a esperança fundamentada de que se possa alcançar um proveito considerável para todos, resultante na prática democrática do direito de reivindicação. Trata-se da cláusula de proibição de excesso (Übermassverbot) consagrada pelo Tribunal Constitucional alemão, ao estabelecer o pensamento da proporcionalidade como parâmetro para se evitar os tratamentos excessivos, inadequados, buscando-se sempre no caso concreto o tratamento necessariamente exigível.
O exercício razoável dos direitos de reunião e passeata, em respeito aos demais direitos fundamentais consiste em exigência democrática e necessária evolução da educação de cidadania, caráter básico, como salientado por Montesquieu, de qualquer governo republicano.
Alexandre de Moraes é advogado e chefe do Departamento de Direito do Estado da USP, onde é professor livre-docente de Direito Constitucional.