Muitos dos filósofos gregos encararam a escrita como uma prática fadada ao insucesso, já que defendiam a memorização e a oralidade. Por ironia do destino, coube a escrita a difusão da filosofia, porém significativa parcela do conhecimento produzido nesse período se perdeu justamente pela ausência de registros escritos que pudessem ser copiados nas scriptorias ou reproduzidos pelos livreiros nas prensas móveis.
Anos e anos depois, a pianola fez tremer os editores musicais, ao ponto de reivindicarem a sua proibição. O argumento era a perda da receita das vendas das partituras, já que aquela geringonça executava músicas automática e ilimitadamente. Chegou-se, até mesmo, a associar a pianola a ruína dos compositores e o futuro das criações musicais. A história, no entanto, disse exatamente ao contrário: ampliou-se o acesso, desenvolveu-se uma robusta indústria fonográfica e movimenta-se milhões e milhões de dinheiro.
Adiante, foi a vez da indústria do audiovisual se insurgir contra os videocassetes, no episódio conhecido como o “Caso Betamax”. A tese seria a de que o sistema de vídeo doméstico permitiria a cópia não autorizada de determinada obra audiovisual e também aniquilaria o hábito do espectador de ir ao cinema. A conjugação desses dois fatores, portanto, representaria num colapso para Hollywood. Não bastou muito tempo para se constatar que o tal aparelho incrementou o mercado de filmes, apelidado até mesmo de melhor amigo do produtor audiovisual.
O advento da internet, comumente chamada de a “Era Digital”, num primeiro momento abalou as estruturas da concepção tradicional dos direitos autorais e de obsoletos modelos de negócio. Movimentos surgiram para contestá-los, criando-se até mesmo um selo “cc” que daria ao autor um certa autonomia na destinação da sua obra, como se no modelo clássico do copyright, o tal “c” soasse meio démodé. A novidade passou, os produtores de conteúdo se reinventaram, já não se fala tanto no assunto e o “c” continua firme e forte como nunca.
Agora, há quem diga que o teclado dos computadores, tablets e telefones estão com os dias contados. Serão substituídos por óculos, gestos, vozes e até relógios, num movimento de ruptura de lock in histórico e, por consequência, no final dos tempos da escrita pela tipografia.
Para os pessimistas de plantão, corre-se o risco de se pagar o mesmo mico dos filósofos gregos, que desdenharam da tecnologia. Para os otimistas, aqueles a favor da derrocada dos teclados em razão da tecnologia, o risco do mesmo discurso equivocado de quem foi contra a pianola e os videocassetes. A conclusão que se chega, portanto, é que propriedade intelectual, tecnologia e prelúdios realmente não combinam.
Por Helder Galvão