O valor dos honorários resultante de cálculos periciais a partir de percentual fixado em sentença não decorre da discricionariedade do juiz. Por isso, não há ilegalidade se o valor resulta baixo. A decisão é da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
O caso analisado trata, na origem, de ações simultâneas de execução de dívida e de revisão contratual de empréstimo, esta ajuizada pelo cliente do banco. Ao final do processo, com vitórias parciais de ambas as partes, foi verificado um crédito de R$ 591 mil em favor do banco. Pela sucumbência, os advogados do banco deveriam receber 5% do débito restante; os do autor receberiam 5% sobre o valor reduzido do débito.
A partir daí, a discussão fixou-se no momento a partir do qual os valores de um e outro lado deveriam ser atualizados: se da propositura da execução pelo banco ou do trânsito em julgado dos embargos à execução apresentados pelo cliente.
8 ou 80
Na liquidação, o primeiro laudo resultou em R$ 90,40 (R$ 102,61, em valores de 2006) de honorários para os advogados do cliente do banco. Inconformados, eles apresentaram novos quesitos, que foram respondidos pelo perito em três laudos complementares. Pelos métodos aplicados nesses laudos complementares, o valor dos honorários corresponderia a R$ 16 milhões (R$ 27 milhões, em 2006).
A sentença não esclareceu qual o valor a ser efetivamente liquidado, tendo apenas homologado os laudos. Para os advogados do autor, a homologação pela sentença teria validado o último laudo, já que corrigia os anteriores.
O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS), porém, entendeu que o perito não alterou em nenhum momento suas conclusões. Ele teria apenas realizado os cálculos conforme a metodologia proposta pelo autor, o que não significava concordar com sua aplicação.
Ambiguidade
Para a ministra Nancy Andrighi, relatora do caso no STJ, a sentença que homologou os laudos periciais com conclusões divergentes, sem apontar qual efetivamente o valor a ser liquidado, criou um contexto semântico em que tanto se poderia entender que a atualização dos débitos deveria ser feita a partir da petição inicial quanto do julgamento dos embargos, quando foram efetivamente retirados os encargos ilegais que o banco estava cobrando.
“Havendo, portanto, duas interpretações possíveis e válidas, cabe ao Judiciário escolher, entre elas, a que guarde maior pertinência com o sistema jurídico, afastando a que leve a resultados visivelmente indesejados de acordo com os valores consagrados no ordenamento”, afirmou a relatora.
Paradoxo
Seguindo essa linha de pensamento, a ministra entendeu que o processo de execução visa à satisfação de um crédito. Assim, ainda que os valores pretendidos pelo banco tenham sido reduzidos, reconheceu-se expressamente que o autor devia R$ 591 mil em 2006, quando os embargos à execução transitaram em julgado.
“A manutenção dos cálculos apresentados pelos recorrentes, no que tange aos honorários advocatícios, levaria ao paradoxo de se transformar o credor, assim declarado por sentença judicial, em devedor, por quantia 46 vezes maior, do advogado daquele que se recusou a cumprir a obrigação originária”, explicou a ministra.
Credor refém
Para Nancy Andrighi, a se adotar tal entendimento, o processo de execução teria sua finalidade “completamente desvirtuada”. É que o credor que buscasse a obtenção forçada do crédito efetivamente existente poderia tornar-se refém da demora do próprio processo. A situação não beneficiaria nem mesmo a parte devedora, mas somente seus advogados.
Conforme a relatora, a interpretação dada pelo TJRS ao caso não só era indispensável diante da ambiguidade da sentença como se alinha à jurisprudência do STJ. A opção do acórdão estadual é, para a ministra, a mais condizente com o princípio da razoabilidade e os fundamentos do sistema jurídico, além de não contrariar nenhuma norma processual.
Valor irrisório
“É importante esclarecer que o valor irrisório de honorários não decorreu de arbitramento judicial, mas do resultado dos cálculos elaborados pelo perito, a partir do percentual de 5% sobre o débito expurgado, conforme decisão judicial transitada em julgado”, esclareceu a relatora.
A ministra afirmou que o TJRS enfrentou bem a questão, ao esclarecer que não se tratou de ato discricionário do juiz, que também não poderia, mesmo que perplexo diante da quantia obtida, por iniciativa própria, aumentar seu valor. A relatora anotou que alterar os honorários assim fixados, em recurso especial, configuraria efetivamente violação à coisa julgada.