A Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve decisão que aplicou a sanção de aposentadoria compulsória, com proventos proporcionais ao tempo de serviço, a magistrado de Anchieta (ES) que emprestou imóvel de sua propriedade a suposto integrante de uma quadrilha de roubo e desmanche de carros. O imóvel foi usado para depósito de dois veículos adquiridos em leilão.
Consta no processo que a quadrilha comprava veículos danificados, tanto de pessoas físicas quanto por meio de leilões, para utilizar os chassis e outros elementos em veículos roubados ou furtados, de idêntica marca e categoria. Esses veículos, com os chassis já adulterados, voltavam a circular e eram vendidos a terceiros de boa-fé.
À época do empréstimo do terreno, o integrante da quadrilha estava indiciado em seis inquéritos policias, por apropriação indébita, estelionato, falsificação de documento público, introdução de moeda falsa em circulação, receptação e outros crimes.
Além dos inquéritos, há informações no processo de que ele já havia sido condenado pelo crime de falsificação de papéis públicos, fato que era de conhecimento do magistrado, pois foi ele o responsável por determinar o cumprimento de carta precatória enviada pela Justiça Federal ao juízo de Anchieta.
Dignidade
O plenário do Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES) negou provimento ao mandado de segurança impetrado pelo juiz contra a aposentadoria compulsória, pois entendeu que não houve ilegalidade na aplicação da sanção. Os desembargadores constataram que a conduta do juiz foi incompatível com a dignidade, a honra e o decoro da função, em razão da violação do dever de manter conduta irrepreensível na vida pública e particular.
Segundo o acórdão, na decisão administrativa foram respeitadas as formalidades legais e preservadas as garantias processuais previstas na Constituição Federal, relacionadas à necessidade de motivação do ato decisório, do devido processo legal e da ampla defesa.
Inconformado com a decisão, o juiz recorreu ao STJ para pedir a declaração de nulidade da pena disciplinar, com a consequente reintegração no cargo de magistrado. Alegou que houve ofensa ao princípio da proporcionalidade, pois, segundo ele, as circunstâncias do caso impedem a aplicação da aposentadoria compulsória.
Sustentou que o processo administrativo disciplinar concluiu que ele não mantinha relação de amizade com o autor. Além disso, afirmou que não houve comprovação de qualquer indício de ligação sua com os crimes praticados por aquele a quem emprestou o terreno, e que agiu de boa-fé – assim que tomou ciência dos crimes, informou à autoridade policial sobre o empréstimo.
Conceitos indeterminados
“A previsão de aposentadoria compulsória para os casos de procedimento incompatível com a dignidade, a honra e o decoro das funções de magistrado contempla conceitos indeterminados, além de poder abarcar tanto a conduta dolosa quanto a culposa, desde que a gravidade desta autorize a imposição da pena mais grave existente para o juiz vitalício”, disse o ministro Herman Benjamin, relator do recurso.
Para o ministro, causa espanto o fato de o magistrado ter agido “com tão grave negligência” ao se relacionar com pessoa condenada pela Justiça, a ponto de ceder terreno para guarda de dois automóveis que se destinariam a desmanche por quadrilha de carros roubados – fato posteriormente descoberto –, embora, conforme por ele alegado, nem sequer soubesse onde o favorecido residia.
Ele considerou que as medidas por ele adotadas após a publicidade dos fatos, sobretudo a comunicação à autoridade policial sobre o local onde se encontravam os veículos, são insuficientes para modificar a qualificação da conduta culposa anteriormente praticada.
Independência de esferas
“O exame das razões invocadas pelo TJES para a aplicação da aposentadoria compulsória revela que o ato administrativo não extrapolou a margem de liberdade conferida pela incidência dos conceitos indeterminados quanto à incompatibilidade da ação do recorrente com a dignidade, a honra e o decoro das funções então ocupadas”, declarou.
Com base na jurisprudência do STJ, Herman Benjamin afirmou que as esferas penal e administrativa são independentes e que “a única vinculação admitida é quando o acusado é inocentado na ação penal em face da negativa de existência do fato ou quando não reconhecida a autoria do crime, o que não se afigura nos autos”.
Segundo ele, ainda que houvesse denúncia e absolvição por hipotética participação do recorrente nos referidos crimes contra o patrimônio, seria o caso de reconhecer a incidência da Súmula 18 do Supremo Tribunal Federal: “Pela falta residual, não compreendida na absolvição pelo juízo criminal, é admissível a punição administrativa do servidor público.”