Autores: Carlos André Studart Pereira e Ricardo Marques de Almeida (*)
Como se deve saber, atualmente, a Advocacia-Geral da União é composta pelas carreiras de procurador federal, procurador da Fazenda Nacional, procurador do Banco Central e advogado da União.
Todos são advogados públicos federais e estão a serviço da mesma causa: o assessoramento jurídico e a defesa judicial e extrajudicial da União e suas emanações.
Os procuradores federais desempenham esse papel perante as autarquias e fundações (INSS, Ibama, Incra, Funasa, ANP, Cade, Anatel, Aneel, Dnit, universidades federais etc); os procuradores da Fazenda Nacional, no Ministério da Fazenda; os procuradores do Banco Central, no Bacen; e os advogados da União, nos ministérios, nas secretarias e nos seus órgãos espalhados pelo Brasil.
São, em resumo, quatro carreiras distintas para realizar uma mesma função. Todas elas se subordinam ao advogado-feral da União, recebem o mesmo subsídio e se submetem a tratamento legislativo idêntico, sendo bastante frequente a referência a elas, em pé de igualdade, nos diplomas legais, a exemplo do artigo 2º da Lei 10.909/04.
Ademais, não é incomum que um procurador federal seja consultor de ministério (área de atuação dos advogados da União), ou que procuradores da Fazenda e advogados da União sejam procuradores-chefes de universidades, agências reguladores e outras autarquias (áreas de atuação de procuradores federais), demonstrando a identidade das funções exercidas pelos titulares desses diversos cargos.
Sem dúvida, nos primeiros anos, a existência de várias carreiras distintas dentro da Advocacia-Geral da União representou um avanço institucional sem precedentes, tendo se consolidado, numericamente, como a maior carreira jurídica do País. Nada melhor que a mesma Advocacia-Geral se torne a vitrina para mudanças estruturais, que lhe deem eficiência e racionalize gastos.
A proposta, notadamente neste contexto de crise, é a extinção dos quatro cargos acima mencionados, dando lugar a um cargo novo, o de procurador da União.
A unificação das carreiras jurídicas de advogados públicos é uma experiência bem sucedida nos Estados. Rio de Janeiro, Bahia, Pernambuco, Rio Grande do Sul, Distrito Federal etc têm apenas o cargo de procurador do Estado, que desempenha o papel de assessoramento jurídico e defesa judicial das diferentes secretarias, autarquias e fundações, igual ao que fazem as quatro carreiras da AGU.
A unificação das carreiras que compõem a Advocacia-Geral da União é uma tendência irreversível porque deriva da constatação de que existem cargos distintos para realizar exatamente o mesmo trabalho: a advocacia pública em favor da União. Essa convivência entre diversas carreiras resulta em gastos adicionais para os cofres públicos e atribuições que muitas vezes se confundem.
Pegando-se, como exemplo prático, a tramitação de um processo de desapropriação para fim de reforma agrária, verifica-se uma cadeira interminável de advogados se manifestando exatamente sobre a mesma causa. Com efeito, ao surgir interesse em desapropriar um imóvel, o Incra submete o caso a um procurador federal no Estado da localização do bem. Após exarar parecer, o procurador-chefe da autarquia no Estado o analisará e, em sendo o caso, aprovará. Os autos então são remetidos para a sede da autarquia, onde outro procurador federal examinará a mesma questão.
Uma vez exarada sua opinião, os pareceres são submetidos ao procurador-coordenador da matéria respectiva, seguida da aprovação de todas as manifestações pelo procurador-geral da autarquia. O próximo passo é percorrer idêntico caminho junto aos advogados da União: o caso passará por um advogado do Ministério do Desenvolvimento Agrário, depois pelo advogado coordenador da respectiva área e, por fim, será submetido ao consultor jurídico da pasta. Na sequência, o mesmo processo irá para a Casa Civil, onde passará pela análise jurídica de seus advogados.
Nesse exemplo, verifica-se que a existência da carreira de procurador federal e de advogado da União implicou a atuação de mais de uma dezena de advogados sobre o mesmo caso. A fusão das carreiras da Advocacia-Geral da União reduziria, sem dúvida, parte dessa burocracia, uma vez que a manifestação da autarquia poderia ser submetida diretamente ao ministério.
Por existirem quatro carreiras, é comum haver duas defesas feitas por dois advogados diferentes sobre o mesmo processo. Por exemplo: nas ações civis públicas ajuizadas pelo Ministério Público contra a prova do Enem, há uma contestação feita por procurador federal em defesa do Inep (instituto que aplica o exame) e outra feita por advogado da União, em defesa da União/MEC; nas ações de licenciamento de grandes usinas hidrelétricas questionadas pelo Ministério Público, há, muitas vezes, contestações feitas por procurador federal em defesa do Ibama e por advogados da União, em defesa da União/MMA; nas ações previdenciárias nas quais, além do benefício previdenciário, o autor faz requer a não incidência de imposto de renda sobre as parcelas atrasadas, há a atuação de um procurador federal, pelo INSS, e de um procurador da Fazenda, pela União. Em uma ação indenizatória por conta de acidente ocorrido em rodovia federal, um procurador federal apresentará contestação representando o Dnit e um advogado da União fará o mesmo em relação à União. No dia a dia, os exemplos se multiplicam, em casos que litigam em cada esfera de atuação do governo federal, havendo sempre dois advogados para fazer a defesa do mesmo ato.
Ademais, a unificação também implicaria a redução do número de nomeações de procuradores por ano, uma vez que a sua redistribuição representaria a otimização dos recursos humanos existentes. Se se levar em conta que, atualmente, um procurador da categoria inicial custa cerca de R$ 210 mil reais por ano, afora indenizações, remuneração pelo exercício de chefia etc, a economia facilmente alcançará a cifra de milhões de reais.
Com a unificação, passaria a haver:
a) Apenas um concurso de ingresso;
b) Uma sede única (e não quatro) na mesma cidade, reduzindo, por consequência, gastos com energia elétrica, material de apoio etc;
c) Redução drástica de gastos com serviços terceirizados;
d) Corregedorias e Coordenação de Pessoal (RH) únicas;
e) Em vez de quatro procuradores-gerais, apenas um; em vez de 20 procuradores-regionais, apenas cinco; em vez de quatro procuradores-chefes em cada Estado da Federação, apenas um; em vez de vários Procuradores Seccionais em um cidade, apenas um.
A fusão de estruturas, é claro, poderia ser gradual e regulamentada por ato do presidente da República ou do advogado-geral da União, abrindo oportunidade para os procuradores se realocarem, internamente, de acordo com sua expertise e com a conveniência do serviço público.
A constitucionalidade da unificação já foi analisada pelo Supremo Tribunal Federal e pela própria Advocacia-Geral da União, tendo por objeto as experiências pretéritas. Nesse sentido, a transformação dos cargos de assistente jurídico da AGU em cargos de advogado da União é tema que foi tratado pelo Supremo Tribunal Federal, no ano de 2002, na ADI 2.713-1, da relatoria da Ministra Ellen Gracie. Vale a transcrição de trecho da ementa:
Rejeição, ademais, da alegação de violação ao princípio do concurso público (CF, arts. 37, II, e 131, parágrafo 2º). É que a análise do regime normativo das carreiras da AGU em exame apontam para uma racionalização, no âmbito da AGU, do desempenho de seu papel constitucional por meio de uma completa identidade substancial entre os cargos em exame, verificada a compatibilidade funcional e remuneratória, além da equivalência dos requisitos exigidos em concurso. Precedente: ADI 1.591, Rel. Min. Octavio Gallotti.
Acerca da unificação dos cargos da AGU, o advogado-geral da União no ano de 2002, José Bonifácio Borges de Andrada, assim se manifestou no EMI 00009/2002 – AGU/MF:
[…] 4.As alterações, no tocante aos cargos e servidores da área jurídica, vêm ao encontro do esforço despendido pelo Poder Executivo no sentido de reunir e organizar em carreira única servidores públicos federais que desempenham atribuições semelhantes e, em muitos casos, iguais, como já ocorreu com as áreas de gestão, auditoria, controle, finanças, etc., de modo a racionalizar a sua atuação em prol da eficiência e da economia.
5.Nessa área já foi feita, com visível sucesso, a unificação da Carreira de Procurador Federal e, no que diz respeito às outras carreiras jurídicas da Advocacia-Geral da União, enquanto não se atinge o ideal da carreira única, o art. 11 da Medida Provisória no 43, de 2002, já representou passo significativo ao transformar e incluir na Carreira de Advogado da União cargos de Assistente Jurídico da AGU. Todavia algumas pendências ainda restaram.
6.Não é desconhecido o fato de que conviviam na Administração Federal diversas denominações para cargos com iguais ou semelhantes atribuições. Na área jurídica elas são variadas – Advogado da União, Assistente Jurídico, Advogado, Procurador, Procurador Autárquico, Especialista-Advogado, Técnico de Nível Superior-Advogado, Procurador da Procuradoria Especial da Marinha, ‘Apoio Industrial, Nível Superior, na Especialidade de Direito do Trabalho’, ‘Advogado em Direito Marítimo Público’, etc. Os cargos das autarquias e fundações federais foram reunidos sob a denominação de Procurador Federal e aqueles da Administração direta, apesar de algumas medidas já adotadas no mesmo sentido, ainda permanecem com diferentes denominações, fato que dificulta, em muito, sua identificação, administração, etc.
7.As transformações de cargos e os enquadramentos de servidores são formas adotadas não só no Poder Executivo mas também no Poder Judiciário e no Ministério Público Federal, conforme se vê nas Leis nos 9.421, de 24 de dezembro de 1996, e 9.953, de 4 de janeiro de 2000. […] (Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Exm/2002/9-AGU-MF-02.htm.).
Aliás, a própria Constituição quis que existisse uma única carreira de advogado público federal. Isso fica claro no artigo 69 do ADCT, que facultou apenas aos Estados, e não à União, “manter consultorias jurídicas separadas de suas procuradorias-gerais ou advocacias-gerais”. A Advocacia-Geral da União deve ter carreira única, não acompanhando o desenho das justiças especializadas, como ocorreu com o Ministério Público.
Em suma, a unificação das atuais quatro carreiras da AGU traria:
a) Corte imediato de gastos;
b) Otimização e racionalização do trabalho em diversas localidades;
c) A presença da União em todas as localidades onde não existam as quatro carreiras da AGU, mas apenas uma ou duas delas;
d) A redução do volume de trabalho dos procuradores diante de uma distribuição mais racional de todo o contencioso e consultivo da União, suas autarquias e fundações de direito público;
e) A efetivação do princípio da celeridade, diminuindo trâmites processuais desnecessários e centrando a defesa da União como um todo em uma única manifestação, a exemplo do que já fazem as procuradorias-gerais dos Estados;
f) Uma melhor identidade da Advocacia-Geral da União perante a sociedade.
Enfatizando: Senhora presidente da República, reúna, numa única carreira, as quatro atualmente existentes, racionalizando os cargos em comissão, provocando inevitavelmente o corte de gastos e economia de recursos, colaborando, e muito, com o ajuste fiscal necessário para sair dessa avassaladora crise. Sem dúvida será uma “saída de mestre”: redução de custos com o aumento da eficiência!
Autores: Carlos André Studart Pereira é procurador federal.
Ricardo Marques de Almeida é procurador federal.