Autor: Heleno Taveira Torres (*)
O Congresso Nacional precisa dar uma contribuição urgente à humanidade na luta contra o terrorismo, mediante a aprovação da Convenção Multilateral sobre Assistência Mútua Administrativa em Matéria Fiscal (Multilateral Agreement on Mutual Administrative Assistance in Tax Matters — AEOI-OCDE), já integrada por 95 países do Global Forum, do G-20 e da OCDE[1]. Apesar de a presidente Dilma Rousseff ter assinado o texto da convenção em 2011, e de seu aditivo de 2014 para alcançar informações de contas bancárias, segue em tramitação (mensagem 270, de 4 de setembro de 2014), quase esquecida na burocracia legislativa.
O repúdio ao terrorismo, no artigo 4º, VIII da Constituição, é um dos princípios que rege o Brasil nas suas relações internacionais. Conforme o artigo 5º, XLIII, a lei considerará o terrorismo como crime inafiançável e insuscetível de graça ou anistia, por ele respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem. E a legislação, apesar de ainda carecer de uma demarcação clara, possui várias leis editadas para combater a sua prática. Mas nada disso será suficiente se as fontes de recursos que o financia não forem afetadas.
Com a chegada da Olimpíada, e tanto mais após a expansão dos atos terroristas, como os ocorridos em Paris e no Egito, o Brasil não pode deixar de se preocupar, e muito, com medidas de combate a este mal inconcebível e covarde.
Interessa-nos aqui as medidas para combater o terrorismo pelo bloqueio dos meios para seu financiamento. Daí a urgência para o desmantelamento dos paraísos fiscais e das contas de origem Ilícita e não declaradas no exterior.
O Grupo de Ação Financeira contra a Lavagem de Dinheiro e o Financiamento do Terrorismo (Gafi/FATF), ao longo da última década, avançou com suas “40 Recomendações[2] contra Financiamento do Terrorismo e Financiamento da Proliferação”. E, por isso, o esforço contra o financiamento do terrorismo para desarticulação das suas fontes de recursos é uma luta que precisa ter resultados urgentes e efetivos[3].
Desde o 11 de setembro de 2001, para inibir o financiamento do terrorismo, o Conselho de Segurança das Nações Unidas adotou a Resolução 1373/2001[4], o que foi complementado em 2006, para estabelecer a tipificação do crime de uso de fundos com finalidade de patrocinar o terrorismo e congelar os bens financeiros de seus agentes. Essa medida acaba de ser aprofundada no encontro do G20, ora em andamento na Turquia.
O Gafi/FATF identifica as jurisdições que representam risco ao sistema financeiro internacional. Atualmente, estão na lista negra do Gafi os seguintes países: Afeganistão, Angola, Bósnia e Herzegovina, Equador, Guiana, Laos, Panamá, Papua Nova Guiné, Sudão, Síria, Uganda, Iêmen e Iraque. Em outros grupos de controle, temos Irã, República Democrática Popular da Coreia, Argélia e Mianmar[5]. Obviamente, a presença nestablack list não quer dizer que esses países tolerem práticas de terrorismo, mas que as medidas de controles do sistema bancário não são suficientes para evitar que terroristas usem instrumentos financeiros para atingir seu alvo nos mais variados países.
O Brasil também é signatário da Convenção Internacional para a Supressão do Financiamento do Terrorismo, promulgada pelo Decreto 5.640/2005. E a Resolução Coaf 15, de 28 de março de 2007, prescreve os procedimentos a serem observados pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) nas investigações de operações ligadas ao terrorismo ou seu financiamento.
Todas essas medidas convergem para a mesma finalidade: servem para desarticular os grupos terroristas no mundo, cujo êxito somente poderá ser atingido por ações coordenadas a partir da união vigorosa e concreta de esforços, mediante cooperação internacional e troca de informações entre os vários países.
Ora, ao tempo que o Parlamento decide sobre o PL 2960/2015, que autoriza a regularização de recursos lícitos no exterior, ainda não declarados, não se pode deixar de avançar, concomitantemente, para a ratificação da Aeol.
A regularização de ativos lícitos no exterior justifica-se pela importância de prover isonomia entre contribuintes que detenham ativos dentro ou fora do território nacional, mas também como meio de alcançar ativos em países que só admitem ceder os dados de contas bancárias, de forma automática e espontânea (de origem lícita ou ilícita), após a realização de programas deOffshore Voluntary Disclosure, como é o caso da Suíça[6].
No caso de o PLS 2960 vir a ser aprovado no Senado, para afastar o uso no caso de ativos ilícitos, a exigência de entrega das declarações por meio de instituições financeiras é fundamental. Devido à experiência acumulada no combate à lavagem de dinheiro no mundo, como se verificou nos 47 países que já promoveram programas semelhantes, os bancos deverão empregar os sistemas de PLD/CFT (Prevenção à Lavagem de Dinheiro e Combate ao Financiamento do Terrorismo, como as Circulares Bacen 3.461 e 3.462, de 24/7/2009)[7].
O substitutivo do PLS 2960 aprovado na Câmara de Deputados, porém, ainda está a merecer aprimoramentos adicionais. Dentre outros, a exigência de documentação que acompanhe as declarações é inafastável, em atendimento às recomendações do Gafi[8]. De igual modo, deve-se eliminar a extensão do programa a joias ou obras de arte sem prova da origem dos recursos, bem como da aplicação da anistia a crimes desprovidos de qualquer conexão com o tipo de “evasão de divisas”, como é o caso do descaminho e do artigo 337-A do Código Penal.
Na sequência, as ações de intercâmbios de informações sobre contas bancárias, tanto do Facta quanto da Aeoi-OCDE, deverão se concentrar na identificação e localização dos titulares das contas com depósitos de origem ilícita no exterior, para decretar seu bloqueio e repatriação, com pena de perdimento integral em favor do erário e punição dos detentores, segundo os crimes praticados.
Por esses motivos, dentre outros de cunho eminentemente tributários, estiveram no Brasil nas últimas semanas o secretário-geral da OCDE, Angel Gurría, e o responsável pelo Programa Beps (Base Erosion and Profit Shifting), Raffaele Russo, para esclarecer os parlamentares e entes do governo sobre a urgência dessa medida. São visitas que revelam a posição estratégica do Brasil nos projetos fundamentais de cooperação da OCDE.
Em conclusão, a importância da aprovação pelo Congresso Nacional e ratificação da Convenção Aeoi-OCDE, antes de 1º de janeiro de 2016, têm efeitos práticos, na medida em que o país poderá receber informações coletadas pelos estados estrangeiros que a tenham ratificado e estejam no grupo de aplicação prioritária, ainda que o Brasil só se obrigue a fornecer os dados a partir de 2018 (com dados retroativos a 1/1/2016). A demora, contudo, sugere apenas uma aparente omissão do Parlamento, em descompasso com os esforços da comunidade internacional, para coibir o financiamento desses grupos hostis à paz mundial, o que certamente não se coaduna nem com a realidade nem com os propósitos dos nossos parlamentares.
[1] Países já comprometidos com a convenção, segundo a OCDE: “JURISDICTIONS UNDERTAKING FIRST EXCHANGES BY 2017: Anguilla, Argentina, Barbados, Belgium, Bermuda, British Virgin Islands, Bulgaria, Cayman Islands, Colombia, Croatia, Curaçao, Cyprus, Czech Republic, Denmark, Dominica, Estonia, Faroe Islands, Finland, France, Germany, Gibraltar, Greece, Greenland, Guernsey, Hungary, Iceland, India, Ireland, Isle of Man, Italy, Jersey, Korea, Latvia, Liechtenstein, Lithuania, Luxembourg, Malta, Mauritius, Mexico, Montserrat, Netherlands, Niue, Norway, Poland, Portugal, Romania, San Marino, Seychelles, Slovak Republic, Slovenia, South Africa, Spain, Sweden, Trinidad and Tobago, Turks and Caicos Islands, United Kingdom. JURISDICTIONS UNDERTAKING FIRST EXCHANGES BY 2018: Albania, Andorra, Antigua and Barbuda, Aruba, Australia, Austria, The Bahamas, Belize, Brazil, Brunei Darussalam, Canada, Chile, China, Cook Islands, Costa Rica, Ghana, Grenada, Hong Kong (China), Indonesia, Israel, Japan, Marshall Islands, Macao (China), Malaysia, Monaco, New Zealand, Panama, Qatar, Russia, Saint Kitts and Nevis, Samoa, Saint Lucia, Saint Vincent and the Grenadines, Saudi Arabia, Singapore, Sint Maarten, Switzerland, Turkey, United Arab Emirates, Uruguay. JURISDICTIONS THAT HAVE NOT INDICATED A TIMELINE OR THAT HAVE NOT YET COMMITTED: Bahrain, Nauru, Vanuatu.”http://www.oecd.org/tax/transparency/AEOI-commitments.pdf.
[2]http://www.bportugal.pt/pt-PT/Supervisao/SupervisaoPrudencial/BranqueamentoCapitaisFinanciamentoTerrorismo/Documents/recomendacoes.pdf.
[3]http://www.fatf-gafi.org/publications/methodsandtrends/?hf=10&b=0&s=desc(fatf_releasedate).
[4]http://www.un.org/en/ga/search/view_doc.asp?symbol=S/RES/1373%282001%29.
[5]http://www.fatf-gafi.org/publications/high-riskandnon-cooperativejurisdictions/?hf=10&b=0&s=desc(fatf_releasedate).
[6]http://www.swissbanking.org/en/mobile/aia.htm; http://www.swissbanking.org/en/mobile/20140911-4760-ver_vd_comments_oecd-jbr.pdf; https://www.youtube.com/watch?v=2r0igKB6KkE&feature=youtu.be; http://www.swissbanking.org/en/mobile/20140911-4760-ver_vd_comments_oecd-jbr.pdf.
[7]http://www.fatf-gafi.org/publications/corruption/?hf=10&b=0&s=desc(fatf_releasedate).
[8]http://www.fatf-gafi.org/media/fatf/documents/reports/BPP%20VTC.pdf.
Autor: Heleno Taveira Torres é professor titular de Direito Financeiro da Faculdade de Direito da USP e advogado. Foi vice-presidente da International Fiscal Association (IFA).