Projeto de Lei regulamenta segurança jurídica para o Direito Público

Autor: Dalton Cesar Cordeiro de Miranda (*)

 

O site do Senado Federal noticia a realização de “audiência pública interativa para análise do Projeto de Lei do Senado (PLS) 349/2015” na esfera da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ); sendo que referido proposta tem por escopo “melhorar as regras editadas pelo poder público e os mecanismos de controle público, de forma a garantir maior segurança jurídica nas decisões tomadas” . [1]

A justificar tal projeto afirma-se que quanto mais se avança na amplificação de legislação administrativa regulatória, atuação dos diversos órgãos do Estado e seu desempenho externo e interno, por outro giro estamos a retroceder em questão de segurança jurídica.

Dita proposta, então, seria fruto de estudos dos professores Carlos Ari Sundfeld e Floriano de Azevedo Marques, em linha, aliás, com observações feitas por José dos Santos Carvalho Filho em sua obra Manual de Direito Administrativo no sentido da necessidade de se proteger as “expectativas dos indivíduos oriundas da crença de que disciplinas jurídico-administrativas são dotadas de certo grau de estabilidade.” [2]

Estamos certos da boa-fé, inteligência e relevância da apresentação e submissão de tal projeto àquela Casa legislativa.

A título primeiro e  ilustrativo examinaremos as disposições contidas naquela proposição e quanto a seus artigos 20 e 21. Nosso entendimento é de que essas proposições têm por finalidade assegurar ao administrado — e também ao gestor público — a proteção ao risco de, em evento futuro e quando contratar, ajustar ou agir sob o manto de ato administrativo, tornar-se o mesmo réu em ação por improbidade administrativa movida em decorrência de interpretação equivocada das normas sobre gestão pública; quando não levadas em consideração pelo autor de referida ação a realidade do momento, os obstáculos, as dificuldades e as exigências das políticas públicas que levaram à realização e concretização do ato contestado e tido por supostamente não probo.

Tal, entretanto, não afasta o ajuizamento da ação prevista na Lei 8.429/92 quando caracterizado a prática de atos que derem ensejo ao enriquecimento ilícito e ofendam os princípios da Administração; sendo que, para aqueles atos que venham a gerar prejuízo ao erário, cremos se fará necessário promover um cotejo das razões desse prejuízo com a norma que porventura venha a ser aprovada e que tem por objeto dar “segurança jurídica e eficiência na criação e aplicação do direito público.”

O artigo 22 do projeto em comento disciplina o “regime de transição”, sendo tal regime uma modalidade de proporcionar segurança em caso de uma decisão ser tomada com base em norma indeterminada ou haver fixação de nova interpretação de norma, assegurando assim que sua aplicabilidade ocorra de maneira proporcional, igualitária e eficiente, sem surpresas e prejuízos aos interessados. Tal regime, conforme o caso, poderá ainda ser  negociado com a autoridade administrativa, controladora ou judicial competente, observados os limites da lei, caso o mesmo não tenha sido antecipadamente previsto.

No artigo 23 da proposta temos a hipótese de celebração de compromisso como meio de se evitar contendas litigiosas. Já, em seu artigo 24, o projeto dispõe sobre o ajuizamento de ação declaratória de validade de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa, via regime de ação civil pública, podendo por intermédio dessa ação se buscar adequar preços e valores. A previsão de tal ação nos parece — ‘a priori’ — redundante no aspecto prático, quando analisamos a realidade das ações já manejadas ao Poder Judiciário com escopo idêntico ao da ora informada.

A proposta aqui apresentada em seu artigo 25 traz a previsão de que não poderão ser revistos os atos, contratos, ajustes, processos ou normas administrativas tomados a seu tempo e que, porventura, tenham sofrido mudança de orientação geral. Como orientação geral são entendidas e compreendidas “as interpretações e especificações contidas em atos públicos de caráter geral ou em jurisprudência judicial ou administrativa majoritária”, somadas àquelas práticas reiteradas e de conhecimento público. Acreditamos que devam ser ressalvadas as hipóteses em que cabível a ação rescisória, cujos pressupostos para seu ajuizamento estão expressamente previstos no Código de Processo Civil.

Seria despiciendo o parágrafo único do artigo 26 do projeto prever a necessidade de motivação de decisão que decretar a invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativo, em particular quando oriundo de decisão proferida na esfera judicial, e, quando for o caso, as condições para sua regularização, pois que o inciso IX do artigo 93 da Constituição assim já o determina; não obstante em muitos casos assim não seja feito.

O artigo 27 da proposta trata da responsabilidade do agente público por suas decisões ou opiniões técnicas, quando proferidas com dolo ou erro grosseiro, desconsiderando-se como erro grosseiro manifestações fundadas em orientação geral, interpretação razoável, jurisprudência ou em doutrina, mesmo que não pacificadas. Tem-se ainda que a defesa do agente público será custeada pela entidade a que ele esteja vinculado.

Em seu artigo 28 o projeto determina que a edição de atos por autoridade administrativa será precedida de consulta pública para os interessados, não se incluindo nessa hipótese os atos de mera organização.

Como já mencionamos anteriormente, a formulação de regras “sobre segurança jurídica e eficiência na criação e aplicação do direito público” é matéria que a tempos estava em maturação, cujo objetivo por certo é o de  “proteger a confiança e as expectativas legítimas na estabilidade normativa, desejável em qualquer sistema jurídico.” [3]

Em conclusão, assumimos que se porventura o PLS 349/2015 não ‘vingar’ precisamos ter em importância e boa conta que a segurança jurídica sequer necessitaria de sua normatização, não só porque enraizada que está — o princípio — em nossa Constituição Federal (artigos 1º; 5º, II e XXXVI; e, 150, III, alíneas ‘a’ e ‘b’), mas, também, porque tem sido observada e aplicada pelo Supremo Tribunal Federal como exigência da manutenção e eficiência da estabilidade das relações jurídicas. [4]


Referências

[1] http://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2015/11/18/seguranca-juridica-nas-decisoes-do-poder-publico-e-tema-de-audiencia-na-ccj

[2] 20ª edição. revista, ampliada e atualizada até 15.07.2008, Editora Lumen Juris : Rio de Janeiro, pp. 30 a 32

[3] op.cit. p. 32

[4] MC na ADI n. 2010, DJ 14/04/2002, p. 51.

 

 

 

 

 

Autor: Dalton Cesar Cordeiro de Miranda é advogado e especialista em Administração Pública pela EBAP-FGV.


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