Autor: Otávio Bueno da Fonseca Filho (*)
O presente artigo busca, de maneira sintética, esclarecer as principais alterações acarretadas pelo novo Código de Processo Civil no que tange às condições da ação.
Para tanto, estabeleceremos o conceito, natureza jurídica e espécies de condições da ação, quais sejam: a legitimidade de parte, interesse de agir e possibilidade jurídica do pedido.
Devidamente conceituadas as condições da ação, passaremos a analisar como se inseriam na sistemática do Código de Processo Civil de 1973. Explicaremos a Teoria Eclética da Ação, bem como as duas principais correntes que se formaram ante a problemática surgida em relação a seus efeitos práticos — a Teoria da Apresentação e a da Asserção.
Por fim, discorreremos acerca do tratamento dado à matéria pelo novo Código de Processo Civil e do encerramento da celeuma doutrinária encabeçada pelas duas teorias supracitadas.
Condições da ação: conceito, natureza jurídica e espécies
Condições da ação são requisitos processuais essenciais para o regular trâmite processual e eventual julgamento do mérito. Em caso de ausência de qualquer uma das condições da ação, teremos a carência da ação, causa de extinção do processo sem julgamento de mérito (art. 267, VI, CPC/73). Note-se, contudo, que tal regra foi e vem sendo mitigada pela teoria da asserção, a qual analisaremos mais à frente.
A Teoria Geral do Processo costuma compreender as condições da ação como uma categoria fundamental do processo moderno, localizada entre os pressupostos processuais e o mérito da causa.
Entendemos, no que tange o processo civil, condições da ação como um feixe composto por três institutos, quais sejam: legitimidade ad causam, interesse de agir e possibilidade jurídica do pedido.
Legitimidade ad causam nada mais é do a pertinência subjetiva da ação, ou seja, qualidade expressa em lei que autoriza o sujeito (autor) a invocar a tutela jurisdicional. Nessa lógica, será réu aquele contra qual o autor pretender algo.
Para a compreensão do interesse de agir (artigo 3° CPC/73), devemos cingir o conceito em três acepções:
a) Necessidade: traduz-se na idéia de que somente o processo é o meio hábil à obtenção do bem da vida almejado pela parte;
b) Utilidade: significa que o processo deve propiciar, ao menos em tese, algum proveito ao demandante;
c) Adequação: por ele, entende-se que a parte deve escolher a via processual adequada aos fins que almeja.
Significativa parte da doutrina critica esta última acepção do interesse de agir, vez que, nas palavras de Fredie Didier Jr.[1]:
“O procedimento é a espinha dorsal da relação jurídica processual. O processo, em seu aspecto formal, é procedimento. O exame da adequação do procedimento é um exame de sua validade. Nada diz respeito ao exercício do direito de ação.
“Não há erro na escolha do procedimento que não possa ser corrigido, por mais discrepantes que sejam o procedimento indevidamente escolhido e aquele que se reputa correto. Um exemplo talvez sirva para expor o problema: se o caso não é de mandado de segurança, pode o magistrado determinar a emenda da petição inicial, para que o autor providencie a adequação do instrumento da demanda ao procedimento correto. Não existisse o inciso V do art. 295, que expressamente determina uma postura do magistrado no sentido aqui apontado, sobraria a regra da instrumentalidade das formas, prevista nos arts. 244 e 250 do CPC, que impõe o aproveitamento dos atos processuais, quando houver erro de forma.”
Nessa toada, podemos conceituar interesse de agir como o binômio necessidade/utilidade.
A possibilidade jurídica do pedido, por fim, terceiro e último instituto da classificação clássica das condições da ação, consubstancia a aptidão — implícita ou explícita — no ordenamento jurídico, de que a demanda do autor possui para ser julgada procedente.
Ilustremos com exemplo doutrinário pedestre, mas didático: carece de possibilidade jurídica do pedido aquele que busca ajuizar ação de divórcio em país que expressamente o veda em seu ordenamento legal.
Teoria Eclética da Ação e suas controvérsias
Inicialmente, devemos deixar claro que as condições da ação, embora expressamente previstas no Código de Processo Civil de 1973, nunca foram matéria doutrinariamente pacífica ou unânime.
As condições da ação são fruto de uma teoria encabeçada por Liebman que informa todo o CPC de 1973: a Teoria Eclética da Ação.
Considera citada teoria que, para o exercício regular do direito de ação, imprescindível o preenchimento de certos requisitos (legitimidade ad causam, interesse de agir e possibilidade jurídica do pedido), que formariam a categoria denominada “condições da ação”. Não preenchidas estas condições, estaríamos diante da carência da ação.
Ocorre que, na realidade processual, o magistrado não realiza um juízo específico de análise das condições da ação, e sim um juízo de admissibilidade e um juízo de mérito.
Nessa toada, verifica-se que as condições da ação não são analisadas autonomamente, recaindo, portanto em um desses dois juízos. Dessa forma, tem-se que as condições da ação ou seriam questões de admissibilidade ou questões de mérito.
Diante desse problema, duas correntes se formaram.
A primeira é a Teoria da Apresentação, capitaneada por Cândido Rangel Dinamarco. Sustenta, na linha do disposto no §3°, artigo 267, CPC, que “o juiz conhecerá a qualquer tempo ou grau de jurisdição, enquanto não proferida sentença de mérito, as matérias constantes nos incisos VI (…)”. O inciso VI, por sua vez, trata justamente da extinção do processo sem resolução de mérito por ausência de “possibilidade jurídica, a legitimidade das partes e o interesse processual”.
A segunda corrente consubstancia-se na adoção da chamada Teoria da Asserção.
Tal teoria cinge o momento e os efeitos do reconhecimento de ausência de qualquer das condições da ação.
Primeiramente, o magistrado verificará, abstratamente, a presença das condições da ação na fase postulatória. Caso averigue a ausência de qualquer uma delas, extinguirá o feito sem resolução de mérito, nos termos do artigo 267, VI, CPC.
Se, contudo, a ausência de uma das condições da ação for averiguada após o início da fase instrutória, extinguirá o feito com resolução do mérito, julgando improcedente o pedido.
Os efeitos de tais decisões, como podemos imaginar, são absolutamente distintos. No primeiro caso teremos carência da ação, permitindo-se sua repropositura, não sendo apta, tal decisão, a gerar coisa julgada. O exato oposto ocorre no segundo caso. Estaremos diante sentença que resolve o mérito, apta, portanto, à coisa julgada. Do mesmo modo, incabível a repropositura da ação, devendo o autor irresignado perseguir a procedência de sua demanda pelas vias recursais.
De fato, parece-nos correta a aplicação da Teoria da Asserção, inclusive por privilegiar os princípios da efetividade e da celeridade.
Verifica-se, contudo, que com o surgimento do novo Código de Processo Civil, tal teoria perdeu a razão de ser.
O Código de Processo Civil de 2015 e as condições da ação
O Código de Processo Civil de 2015 extinguiu, como categoria, as condições da ação. Note-se: o instituto foi extinto, mas seus elementos permaneceram intactos, tendo sofrido, contudo, um deslocamento.
Tomando-se o fato de que o magistrado realiza dois juízos (de admissibilidade e mérito), o novo CPC buscou separar os elementos integrantes das condições da ação alocando-os em pressupostos processuais (relativos ao juízo de admissibilidade da ação) e como questão de mérito.
Nos informa o artigo 17 do CPC 2015: “Para postular em juízo é necessário ter interesse e legitimidade”. Temos, portanto, que o interesse de agir e a legitimidade ad causam passaram a ser tratados como pressupostos processuais.
Dessa forma, verificando o juiz, ao receber a inicial, que se encontram ausentes interesse de agir ou legimidade ad causam, indeferirá a petição inicial. Nesse sentido:
Art. 330. A petição inicial será indeferida quando:
II – a parte for manifestamente ilegítima;
III – o autor carecer de interesse processual;
Caso for verifique-se a ausência de um desses pressupostos após a fase postulatória, será declarada a carência da ação. Afirma o art. 485. CPC 2015:
Art. 485. O juiz não resolverá o mérito quando:
(…)
VI – verificar ausência de legitimidade ou de interesse processual;
A possibilidade jurídica do pedido, por sua vez, passou a ser considerada questão de mérito. Nada mais coerente. De fato, quando a parte apresenta demanda de manifesta impossibilidade jurídica, por certo não se trataria de carência da ação, mas sim de uma verdadeira improcedência do pedido, resolvendo-se, assim, o mérito.
Art. 487. Haverá resolução de mérito quando o juiz:
I – acolher ou rejeitar o pedido formulado na ação ou na reconvenção;
Concluímos, assim, louvando o tratamento dado pelo novo Código de Processo Civil à legitimidade de parte, interesse de agir e possibilidade jurídica do pedido. Pôs-se um fim a um debate doutrinário de mais de quarenta anos e quebrou-se o paradigma das “condições da ação” que, muitas vezes, era alçada a um status ontológico.
Referências
– DIDIER JR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. vol. I, ed. 11. Ed. Juspodivm.
– GRINOVER, Ada Pellegrini; CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 29. ed. São Paulo: Malheiros Ed.
[1] DIDIER JR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. vol. I, ed. 11. Ed. Juspodivm. Salvador: 2009, p. 199.
Autor: Otávio Bueno da Fonseca Filho é advogado em São Paulo.