Quem faz jus ao reembolso calculado com base em balanço especial?

Autoras: Raíssa Fini e Paula Soncini (*)

O presente artigo tem por objetivo expor comentários acerca do pagamento do valor de reembolso a acionistas dissidentes de deliberações que ensejam direito de recesso mediante a solicitação de levantamento de balanço especial.

O reembolso é a operação pela qual, nos casos previstos na Lei das S.A., a companhia paga aos acionistas dissidentes de determinada deliberação da assembleia geral o valor de suas ações. Como regra geral, a Lei das S.A. determina que o valor do reembolso deve ser determinado com base no último balanço aprovado pela assembleia geral da companhia. Contudo, caso a deliberação da assembleia geral que der ensejo ao direito de recesso ocorra mais de 60 dias após a data do último balanço aprovado, será facultado ao acionista dissidente solicitar o levantamento de balanço especial.

Neste contexto, caso seja solicitado o levantamento de balanço especial, a companhia deverá (i) pagar “imediatamente” (isto é: no prazo previsto para pagamento, conforme Aviso aos Acionistas ou comunicação correspondente divulgada para este fim), 80% do valor de reembolso, calculado com base no último balanço aprovado e, (ii) uma vez levantado o balanço especial, pagar o saldo remanescente (caso exista) dentro de 120 dias contados da deliberação da assembleia geral que ensejou o direito de recesso ao acionista dissidente.

No entanto, a Lei das S.A. é silente no que tange aos acionistas que fazem jus ao “novo” valor do recesso, isto é, aquele calculado com base no balanço especial. Assim, tem-se duas alternativas: (i) ou todos os acionistas que exerceram o direito de recesso (ainda que não tenham solicitado levantamento de balanço especial) devem receber o valor de reembolso calculado com base no balanço especial; (ii) ou apenas o acionista solicitante deverá receber o valor de reembolso calculado com base no balanço especial, devendo os demais acionistas receber o valor de reembolso com base no balanço “antigo”.

A consequência dessas diferentes visões é que, na alternativa (i),na data inicialmente prevista para o pagamento do valor de reembolso, todos os acionistas dissidentes deverão receber 80% do valor de reembolso e eventual saldo remanescente deverá ser pago em até 120 dias da assembleia geral em questão, enquanto na alternativa (ii) todos os acionistas dissidentes, com exceção daquele que solicitou o balanço especial, deverão receber, na data inicialmente prevista para o pagamento do valor de reembolso, 100% do valor inicialmente previsto e divulgado pela companhia (calculado com base no “antigo” balanço patrimonial da companhia), e o acionista que solicitou o balanço especial, nesta mesma data, deverá receber apenas 80% desse valor. Apenas após o levantamento do balanço especial, caso o valor recebido pelo acionista solicitante de balanço especial seja inferior ao valor por ação calculado com base em referido balanço especial, tal acionista deverá receber o saldo remanescente entre o novo valor de reembolso (com base no balanço especial) e o antigo (com base no balanço anterior) em até 120 dias da data da assembleia geral em questão.

Tendo em vista que a solicitação de levantamento de balanço especial não é comum, não existem precedentes suficientes da CVM ou casos práticos que permitam concluir quem deve ser beneficiado (ou eventualmente prejudicado) com o novo valor de reembolso com base no balanço especial levantado.

Foi encontrado um único julgado[1] do Colegiado da CVM (decidido em 1990) que concluiu que os acionistas que não solicitaram o levantamento de balanço especial não faziam jus ao recebimento de valor adicional decorrente de balanço especial solicitado por um único acionista dissidente. No referido caso, o Colegiado da CVM entendeu que “tais acionistas, que não pediram o levantamento de balanço especial, já receberam o valor de reembolso fixado pela companhia, tendo firmado os competentes termos de quitação. Vale dizer, pelo encontro de vontades, – da companhia e dos aludidos acionistas dissidentes -, conclui-se, validamente, o negócio entre eles concertado, que está, portanto, perfeito e acabado. […]Em outras palavras, voto no sentido de que se reconheça que, quanto aos acionistas da CETEL que já receberam o valor de reembolso, a TELERJ não deve pagar qualquer valor adicional”.

O ponto em questão é se eventual pagamento diferenciado aos acionistas dissidentes que solicitaram ou não levantamento de balanço especial estaria em consonância com o parágrafo primeiro do art. 109 da Lei das S.A., que estabelece que “as ações de cada classe conferirão iguais direitos aos seus titulares”.

Por um lado, parece lógico que um novo cálculo do valor de recesso com base em balanço mais atualizado deve ser estendido a todos os acionistas que exerceram o direito de recesso, de modo a tratar de forma isonômica todos os acionistas dissidentes da companhia.

Por outro lado, pode-se argumentar que a isonomia entre os acionistas existe pelo simples fato de todos os acionistas dissidentes terem o direito de solicitar o levantamento de balanço especial. Assim, os acionistas dissidentes que não solicitaram levantamento de balanço especial devem receber o valor de reembolso anteriormente calculado pois aceitaram tal valor quando decidiram exercer seus respectivos direitos de recesso.

Além disso, vale dizer que o balanço especial, por retratar a situação patrimonial da companhia de forma mais atualizada, pode resultar num valor mais baixo do que o valor de reembolso calculado com base no balanço anterior. Dessa forma, não parece justo que a decisão de um único acionista dissidente resulte em um prejuízo aos demais, os quais, reitera-se, já haviam concordado com o valor anterior.

Assim, ainda que o balanço especial determine um valor de recesso maior àquele inicialmente calculado, não parece razoável utilizar diferentes critérios para decidir quais acionistas fazem jus ao novo valor de reembolso, dependendo do resultado do balanço especial – isto é, se o valor de reembolso for superior ao valor calculado com base no balanço anterior, todos os acionistas fazem jus a tal valor, mas se for inferior, apenas aqueles que solicitaram balanço especial fazem jus ao novo valor. Essa solução não parece coerente.

Nesse sentido, tendo em vista que todos os acionistas possuíam o direito de solicitar balanço especial e, mais que isso, foram devidamente avisados da existência de tal direito, nos termos da Lei das S.A. e normas aplicáveis, e mesmo assim decidiram não exercê-lo, tais acionistas não assumiram o risco do levantamento do novo balanço (ou seja, não assumiram o risco de que o novo valor calculado para o direito de recesso poderia ser inferior ao valor anteriormente divulgado). Seria injusto, deste modo, que tais acionistas sejam apenas beneficiados caso o novo valor seja superior àquele anteriormente divulgado, mas nunca prejudicados caso tal valor seja inferior.

Por ser um tema controverso e ainda sem uma conclusão da CVM a respeito, qualquer que seja o posicionamento adotado pela companhia, tal posição deverá ser condizente com a conduta a ser adotada. Dessa forma, caso a companhia decida pelo pagamento do valor do reembolso com base no balanço especial a todos os acionistas dissidentes, deverá divulgar aviso aos acionistas (ou comunicado correspondente) informando que o valor do reembolso foi alterado e que os acionistas dissidentes receberão apenas 80% de tal valor, sendo eventual saldo remanescente pago dentro do prazo permitido pela legislação.

De modo contrário, caso a companhia decida pelo pagamento apenas ao acionista dissidente que solicitou o balanço especial, pode-se entender que não há necessidade de divulgar aviso aos acionistas (ou comunicado correspondente), tendo em vista que nenhuma informação inicialmente divulgada aos acionistas foi alterada — houve modificação no valor e condições de pagamento apenas com relação ao acionista dissidente solicitante de balanço especial. Tal acionista, entretanto, já terá sido informado sobre a alteração de suas condições do recesso em correspondência apartada.


[1] Ata da Reunião do Colegiado nº 24, de 13.06.1990; DOC./CGP/EXE/Nº 107/90; Anexo: Processos 90/1064-5 e 90/0403-3.

 

 

 

 

 

Autoras: Raíssa Fini é advogada do Machado Meyer.

 Paula Soncini é advogada do Machado Meyer da área societária.


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