Autor: Hugo Sirena (*)
Ainda que oficialmente disciplinado apenas a partir de 2010 pelo ordenamento jurídico brasileiro, por meio da Lei 12.318, o fenômeno da alienação parental é tão antigo quanto as relações familiares. Entretanto, mesmo datando de épocas distantes, é fato que ainda se trata de tema pouco compreendido e enfrentado em estágio de maturação gradativa. Não à toa, tem-se ainda que a alienação parental é essencialmente vislumbrada de forma deturpada, deixando-se de diagnosticar o seu efetivo propósito.
Nos termos da legislação vigente, a alienação parental é definida como a “interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este” (artigo 2º, da Lei 12.318/2010). Vê-se, portanto, a alienação parental como uma proposta de “propaganda negativa” perpetrada por um dos genitores (ou eventuais outros titulares do poder familiar) acerca da figura do outro, de modo a incutir no menor um cenário de desprezo ou repulsa .
Contudo, dois pontos — ainda comumente deturpados — devem ser devidamente aclarados: (i) a real dimensão da alienação, para que não se banalize a interferência psicológica negativa em face do filho/neto; e (ii) o verdadeiro propósito da tutela àqueles submetidos à alienação parental, menos considerado na proteção do genitor ou responsável prejudicado, e mais destacado na preservação do melhor interesse do menor afetado.
Com relação ao primeiro ponto, o grande desafio trazido pelo fenômeno da alienação parental é identificá-la para fins de evitar que quaisquer rusgas ou desavenças — comuns em fins de relacionamentos — possam ser caracterizadas como movimentos alienadores. Ou seja, especialmente em se tratando de recentes dissoluções de sociedades conjugais, é natural que haja um clima de “incompreensão” (para dizer o mínimo) entre o casal e os seus familiares. Consequentemente, parece também previsível que as inimizades se acentuem, o que (in) diretamente afeta a prole.
Nesse aspecto, nem todo cenário de negatividade deve ser entendido como de alienação. Esta se consuma apenas no extremo das condutas de interferência psicológica negativa e assim deve ser encarada, especialmente para que não se trivialize o fenômeno. Afinal, se não proceder-se com parcimônia no vislumbrar da alienação parental, toda e qualquer situação de animosidade será assim reconhecida — e se tudo é alienação parental, nada o será.
O parágrafo único, do artigo 2º da Lei 12.318 traz um rol exemplificativo de situações cotidianas caracterizadas como alienadoras. Outros cenários, por consequência, podem ser vislumbrados como hipóteses de interferência psicológica alienadora, mas desde que com os cuidados que o assunto demanda.
No que tange ao segundo dos pontos destacados, a nomenclatura “alienação parental” parece dar destaque à preservação da figura do genitor cuja imagem é negativamente esculpida, quando, na verdade, o foco precípuo deve ser a proteção da criança ou do adolescente exposto a essa situação de degradação psicológica. Poder-se-ia, inclusive, falar em uma “alienação filial” em vez de “parental”, para que se traduza adequadamente o propósito desse fenômeno. E veja-se aqui que essa mudança de nomenclatura não se resumiria a uma mera filigrana linguística, mas significaria, sim, uma mudança paradigmática da alienação parental, deixando-se a ênfase dada aos genitores para buscar a proteção aos verdadeiros prejudicados.
Enfim, pelo que se vê, ainda há muito a se aprofundar acerca do tema. A alienação parental constitui questão delicada e complexa, que reclama um amadurecimento lento e gradual, voltado à perfeita compreensão de seus limites, à boa aplicação do fenômeno e, fundamentalmente, à proteção daqueles que efetivamente experimentam os malefícios dessa prática nefasta.
Autor: Hugo Sirena é sócio fundador da Mattos, Osna & Sirena Sociedade de Advogados, especialista na área de Direito de Família, além de professor de Direito Civil do Centro Universitário Internacional e mestre em Direito das Relações Sociais pela Universidade Federal do Paraná.