Autor: Fábio Pallaretti Calcini (*)
Quando se consagra um Estado Democrático de Direito (artigo 1º, CF), tendo como fundamento a soberania, cidadania, dignidade da pessoa humana, valores sociais do trabalho e livre iniciativa, pluralismo político, levando ainda em consideração a separação dos poderes (artigo 2º, CF), visando construir uma sociedade livre, justa e solidária, garantir o desenvolvimento nacional, erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais e promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (artigo 3º, CF), pressupõe-se o respeito o respeito aos direitos e garantias fundamentais.
Isto fica mais evidente em uma Constituição Federal que estabelece amplo rol de direitos fundamentais, além de outros decorrentes dos tratados de direitos humanos, constituindo verdadeiro limite à reforma de seu próprio texto.[1].
Entre as garantias estabelecidas em nossa Constituição temos o devido processo legal que, em verdade, não se resume ao judicial e administrativo, uma vez que há ainda o legislativo.
O devido processo legislativo é uma garantia fundamental, sobretudo, quando se tem um Estado Democrático de Direito, de tal sorte que a produção de atos normativos deve seguir parâmetros, de cunho procedimental e material, respeitando-se as regras de separação dos poderes, a fim de que se tenha, ao final, um produto legislativo considerado constitucional e legítimo.
Como é de conhecimento, houve a edição da Medida Provisória 690, de 31 de agosto de 2015, que, entre outras questões tributárias, tratou das contribuições para o PIS/Pasep e Cofins.
Esta disciplina por meio de Medida Provisória se deu, principalmente, de forma indireta pelo artigo 9º que enunciava: “Art. 9º Ficam revogados os arts. 28 a 30 da Lei nº 11.196, de 21 de novembro de 2005”.[2] Sendo que o artigo 10, estipulava que o artigo 9º produziria efeitos a partir do quarto dia do mês subsequente a da publicação daquela.
Ocorre, no entanto, que, quando da apreciação do Congresso Nacional (artigo 62, CF), existiram diversas propostas de emendas, com alteração de referida medida provisória, o que levou ao Projeto de Lei de Conversão (PLC).
Durante o devido processo legislativo, portanto, o Congresso Nacional alterou a estrutura e diversos dispositivos da Medida Provisória n. 690/2015 editada, razão pela qual, inclusive, o projeto aprovado foi encaminhado para sanção presidencial, pois, tratando-se de Medida Provisória sem alteração substancial, não há esta necessidade.
Após avaliação presidencial do projeto aprovado, houve a sanção – com alguns vetos — publicando-se a Lei 13.241, 30 de dezembro de 2015 (DOU Extra — 31/12/2015).
A Lei 13.241/2015, quanto às contribuições para o PIS/Pasep e Cofins, traz uma nova estrutura jurídica da legislação, não reproduzindo os dispositivos anteriormente estipulados na Medida Provisória 690/2015.
Isto porque, referida Lei: (i) — não revoga o artigo 28, da Lei 11.196/2005, como estabelecida o artigo 9º da Medida Provisória, sendo esta parte do texto substituída pela revogação tão somente do artigo 30, II, da lei que cuida do programa de inclusão digital; (ii) — há inovação na disciplina do PIS/Pasep e da Cofins, pois, sem qualquer dispositivo legal correspondente ou semelhante na Medida Provisória, a Lei 13.241/2015 (artigo 9º), dá nova redação ao artigo 29, da Lei 11.196/2005[3], não o revogando; (iii) — em consonância com a nova redação do artigo 28 da Lei 11.196/2005, a Lei 13.241/2015 faz também a inserção do artigo 28-A, sem qualquer dispositivo correspondente na Medida Provisória 690/2015, onde estabelece que a alíquota zero para tais contribuições deixará de ser aplicada até 31 de dezembro de 2016, o que gera majoração do PIS/Pasep e Cofins, pois, haveria uma alíquota total de 9,25% ou 3,65% dependendo, respectivamente, do regime não cumulativo e cumulativo; (iv) — além disso, houve veto quantos aos artigos 8º e 9º, incisos II e III, da Lei 13.241/2015, que foram aprovados pelo Congresso Nacional no projeto de lei de conversão e, assim, inexistentes na Medida Provisória, os quais estabeleciam créditos sobre os estoques de tais equipamentos, além de já disciplinar redução das alíquotas para os anos de 2017 e 2018 em 50% e 2019 em 100%.
Como premissa, percebe-se com clareza meridiana que o dispositivos que regulavam o PIS/Pasep e Cofins na Medida Provisória não foram aprovados pelo Congresso Nacional, existindo, em verdade, dentro projeto de lei de conversão a criação e disciplina de tais contribuições por outros textos legais, que, inclusive, causaram a majoração de tais contribuições.
Mais do que isso, é importante perceber que o próprio espírito do texto legal aprovado, com estrutura e artigos diversos da medida provisória sobre o tema, ainda sofreu certa mutilação com os vetos realizados.
Todo este contexto que apresentamos, partindo, especialmente, da necessidade de se valorizar o devido processo legislativo em um Estado Democrático de Direito tem um propósito especial.
O artigo 11, da Lei 13.241/2015, estabelece que esta entra em vigor na data da sua publicação, de maneira que as majorações descritas, notadamente, no artigo 9º de referida legislação e sem artigo correspondente na Medida Provisória 690/2015 já estaria produzindo efeitos.
Entendemos, todavia, que a majoração imediata das contribuições para o PIS/Pasep e Cofins estabelecida pela Lei 13.241/2015, em seu artigo 11, quanto ao artigo 9º, é inconstitucional, uma vez que há necessidade de respeitar um limite ao poder de tributar, verdadeiro direito-garantia fundamental do contribuinte, que é a regra/princípio da anterioridade nonagesimal, prevista no artigos 150, III, “c”[4] e 195, § 6º[5], todos da Constituição Federal, consagrada como verdadeira “cláusula pétrea” (artigo 60, § 4º, IV, CF/88).
A mais disso, vale lembrar que o artigo 62, da Constituição Federal, quanto à anterioridade nonagesimal não traz qualquer exceção. Deste modo, se não há exceção, a regra se confirma, sendo forçoso o cumprimento da regra/princípio da anterioridade nonagesimal seja pela medida provisória como também por outros atos normativos, como leis ordinárias e até emendas constitucionais.
Não se nega que o Supremo Tribunal Federal reconhece que a anterioridade nonagesimal na criação ou majoração de tributos, inclusive, contribuições, tem sua contagem a partir da edição da Medida Provisória.[6]
O cumprimento da anterioridade a partir da edição da Medida Provisória, todavia, somente se dá quando referido ato normativo é convertido em Lei sem alterações e modificações, pois, do contrário, a aplicação desta regra/princípio de proteção e garantia do contribuinte se dá a partir da publicação da lei de conversão, como também já reconheceu o próprio Supremo Tribunal Federal.[7]
Isto significa dizer que, de conformidade com as considerações iniciais a respeito do devido processo legislativo, a Lei 13.241/2015 não reproduz os dispositivos que anteriormente estavam descritos na Medida Provisória 690/2015, uma vez que disciplina por outra forma e estrutura o PIS/Pasep e Cofins, mantendo o artigo 28, da Lei 11.196/2005 em vigor, que estabelece alíquota zero, ao contrário do outro ato normativo que o revogava, além de criar o artigo 28-A, verdadeiro dispositivo que impõe a majoração e que também não constava em qualquer parte da medida provisória.
Ora, seria uma grande contradição se pretender o cômputo de 90 dias para a majoração de PIS/Pasep e Cofins, a partir de dispositivos da Medida Provisória que não foram convertidos em lei. Mais do que isso, ignorando-se os novos dispositivos legais, que surgiram somente na Lei 13.241/2015, gerando a majoração de referidas contribuições.
Assim, há evidente inconstitucionalidade no artigo 11, da Lei 13.241/2015, quando deixa de aplicar a anterioridade nonagesimal para o PIS/Pasep e Cofins, em descumprimento ao artigos 149, “caput”, 150, III, “c” e 195, § 6, todos da Constituição Federal, juntamente, com a garantia constitucional do devido processo legislativo.
Autor: Fábio Pallaretti Calcini é advogado tributarista, sócio do Brasil Salomão e Matthes Adv. Doutor e Mestre em Direito pela PUC/SP. Pós-doutorando doutorando em Direito – Coimbra e ex–membro Carf.