Autor: Gabriel Wedy (*)
A temperatura média do planeta aumentou 0,74% desde o final de 1800. De acordo com pesquisa realizada nos Estados Unidos pela National Oceanic Atmospheric Administration, a média da temperatura dos 358 meses que antecederam o ano de 2014, foi mais alta do que a média do Século 20. E, o ano de 2014, foi o mais quente desde 1880, superando inclusive o ano de 2010, que registrava até então as temperaturas mais elevadas dos últimos 135 anos. Importante grifar que os dez anos de maior calor no período analisado ocorreram posteriormente ao ano de 1997. Em estudo independente, a Nasa chegou a mesma conclusão.[1]
Previsões dos cientistas sobre os aumentos de temperatura variam entre 1,8ºC e 4ºC até o ano de 2100. Ainda que as temperaturas aumentem apenas 1,8º C, este aumento de temperatura será superior a qualquer variação positiva desta nos últimos 10 mil anos. O nível médio do mar subiu de 10 a 20 centímetros durante o século XX e um aumento adicional de 18 a 59 centímetros deve ocorrer até o ano de 2100.[2]
A industrialização pós-revolução industrial, dependente dos combustíveis fósseis como fonte de energia, o desmatamento e os processos produtivos insustentáveis na agricultura, como monoculturas, são as causas principais das emissões de gases de efeito estufa.
A mudança climática causada pela retenção destes gases na atmosfera causam impactos negativos sobre a saúde humana, infraestrutura, reservas de água, ecossistemas e oceanos.[3]
Na COP 21, em Paris, realizada em 2015, as nações decidiram adotar metas mais rigorosas do que às previstas em Quioto para o corte das emissões de gases de efeito estufa e acordaram no sentido da transferência de recursos financeiros das nações ricas para as nações pobres para combater a mudança do clima e os seus efeitos.
O Brasil, obviamente, está inserido no contexto global marcado pela preocupação com a sustentabilidade e com aumento das temperaturas. É importante, contudo, referir que o país está na 77º posição no ranking mundial da sustentabilidade geral e na 115º posição no quesito de proteção de florestas e desmatamento.[4] Entre agosto de 2014 e julho de 2015, por exemplo, o desmatamento na Floresta Amazônica aumentou 215%.[5]
Existe no Brasil legislação específica sobre mudança do clima, a Lei 12.187/2009, que instituiu a Política Nacional Sobre Mudança do Clima (PNMC). Embora imperfeita e omissa em alguns aspectos, é um avanço e um marco no combate a mudanças climática e ao aquecimento global. Nitidamente incorporou conceitos dos antigos diplomas internacionais que protegem o meio ambiente.
A Lei 12.187/2009 está regulamentada pelo Decreto 7.390/2010, que dispõe, entre outros pontos importantes, que as emissões de gases de efeito estufa devem ser reduzidas entre 36,1% e 38,9% até o ano de 2020. O Brasil, no entanto, comprometeu-se, perante a Conferência das Nações Unidas para a Agenda de Desenvolvimento Pós-2015, realizada em Nova York, em setembro de 2015, que as reduções seriam de 37% até 2025 e de 43% até 2030[6], superando o previsto no Decreto. A grande dúvida é se o Brasil possuirá estrutura, capacidade técnica e vontade política para cumprir esta meta com seriedade. A falta de estrutura para fiscalizar as fontes emissoras de gases de efeito estufa, o desmatamento crescente da Floresta Amazônica, o transporte dependente de combustíveis fósseis[7], a falta de educação ambiental nas escolas e a corrupção[8] são sérios obstáculos a serem enfrentados para que esta meta possa ser alcançada.
A lei dispõe, entre outros objetivos, que deve haver a compatibilização do desenvolvimento econômico e social com a proteção do sistema climático (Artigo 4º, inc I). Observa-se aí um vínculo fundamental entre economia, ser humano e meio ambiente, no que tange ao desenvolvimento, que deve ser planejado e implementado sempre com reduzidas emissões de carbono.
A PNMC estabelece como diretriz que todos os compromissos assumidos pelo Brasil na Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, e nos demais documentos internacionais sobre mudança do clima dos quais o país vier a ser signatário devem ser cumpridos (Artigo 5º inc. I). O governo brasileiro, portanto, precisa obedecer o estabelecido na COP 21 no sentido de alcançar o objetivo global de diminuição das emissões de gases de efeito estufa para que o aumento de temperatura do planeta fique limitado em patamares bem abaixo de 2ºC, buscando a meta de 1,5ºC, até 2100, considerando o período pré-industrial. É fundamental que o Brasil, assim que aprovados novos documentos internacionais sobre mudança do clima, os adote imediatamente como diretriz, principalmente quando neles constarem a previsão de medidas de resiliência e de adaptação, que sempre são compatíveis com o dever fundamental de proteção ambiental, previsto no Artigo 225 da Constituição Federal.
Importante medida foi a previsão no Artigo 8º de que as “instituições financeiras oficiais disponibilizarão linhas de crédito e financiamento para a produção e incentivo à energia limpa”. Urge, de fato, a expansão dos parques eólico e solar brasileiros.
Princípios, objetivos, diretrizes, instrumentos das políticas públicas e programas governamentais deverão sempre ser compatíveis com os princípios, objetivos, diretrizes e instrumentos da Política Nacional sobre Mudança do Clima (Artigo 10).
A lei vincula a PNMC ao princípio do desenvolvimento sustentável. Medidas para a implementação da PNMC deverão considerar “o desenvolvimento sustentável como condição para enfrentar as alterações climáticas e conciliar o atendimento às necessidades comuns e particulares das populações e comunidades” que vivem no território nacional (Artigo 3º, inc. IV).
Os objetivos da PNMC deverão estar de acordo com “o desenvolvimento sustentável a fim de buscar o crescimento econômico, a erradicação da pobreza e a redução das desigualdades sociais” (Artigo 4, Parágrafo único].
Seria melhor empregado na lei o termo desenvolvimento econômico e nãocrescimento, o simples crescimento da economia não significa necessariamente desenvolvimento. Pode ser um crescimento desigual, poluente, desordenado e concentrador de renda, que só beneficia os mais ricos e os grandes poluidores,[9] incompatível com princípio do desenvolvimento sustentável previsto na Constituição do Brasil.
Faltou o Poder Legislativo inserir na Lei, como um dos seus objetivos, a governança[10]. O Brasil enfrenta altos índices de ineficiência estatal na implementação de suas políticas públicas por falta de expertise técnico, transparência, democracia no processo de tomada de decisão e, especialmente, pelos altos índices de corrupção que infelizmente está entranhada em setores da Administração Pública. A corrupção enfraquece a credibilidade das instituições democráticas perante os cidadãos e prejudica a imagem do país na comunidade internacional, afastando importantes investimentos estrangeiros em energia limpa.
Faltou à lei priorizar, até com a elaboração de um artigo autônomo, os dois mecanismos mundialmente considerados como os mais efetivos no combate as emissões de gases de efeito estufa: a tributação sobre o carbono[11] e a adoção do comércio de autorizações das emissões ao estilo cap-and-trade. É de se grifar que a tributação sobre o carbono traz a vantagem de tornar a sua emissão mais cara para todos, é difícil para o poluidor fugir desta tributação. O cap-and-trade, por sua vez, como ocorre em todo o mercado, apresenta as suas falhas e imperfeições. A tributação sobre o carbono pode atingir todas as fontes emissoras, o sistema de cap-and-trade atinge diretamente apenas o emissor inserido no mercado específico. O ideal, portanto, seria a implementação combinada destas medidas.
O Poder Legislativo, embora de modo muito tímido, fez constar um arremedo destes importantes mecanismos na lei. Primeiro quando a lei dispõe no seu Artigo 9º que o Mercado Brasileiro de Redução de Emissões (MBRE) “será operacionalizado em bolsas de mercadorias e futuros, bolsas de valores e entidades de balcão organizado, autorizadas pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), onde se dará a negociação de títulos mobiliários representativos de emissões de gases de efeito estufa certificadas”. Como se observa, passados anos da publicação da lei, este mercado no Brasil é inexistente, não saiu do papel. Estamos distante dos mercados de cap-and-trade que estão em pleno funcionamento na União Europeia e parte dos Estados Unidos e Canadá. Estes serão adotados em regiões da China até o final de 2016.[12]
A grande vantagem deste mercado é o estímulo ao corte de emissões pelas empresas, pois estas buscam afastar custos. Quanto menores as emissões e maior for o emprego de energia limpa, maiores serão os lucros. Com o aumento das emissões, as empresas terão que recorrer ao mercado para comprar mais autorizações de emissões, aumentando os seus custos e diminuindo os seus lucros.
Em relação à tributação do carbono, em específico, o mais efetivo meio de combate à mudança climática, nada foi mencionado na lei. Houve mera previsão genérica da utilização de impostos para o combate as emissões. O Congresso perdeu a oportunidade de criar o tributo sobre o carbono no ano de 2009, preferiu adiar esta responsabilidade para o momento de criação de nova lei, que até agora não foi criada, passados mais de 6 anos.
O Brasil precisa promover o desenvolvimento sustentável e avançar no no combate as causas da mudança climática. É importante estimular uma economia, movida por energia renovável, especialmente eólica e solar, que possa atender as necessidades das presentes e futuras gerações. O Estado e a sociedade brasileira tem o dever constitucional fundamental, previsto no artigo 225 da Constituição de 1988, de proteção do meio ambiente.
É fundamental que o Brasil adote uma legislação moderna para tributar o carbono e criar um consistente sistema de cap-and-trade com o objetivo de cortar as emissões de gases de efeito estufa e combater o aquecimento global e as suas nefastas consequências.
Autor: Gabriel Wedy é juiz federal. Doutorando e Mestre em Direito. Visiting Scholar pelo Sabin Center for Climate Change Law da Columbia Law School. Professor de Direito Ambiental Coordenador da Escola Superior da Magistratura Federal (Esmafe-RS). Professor de Direito Ambiental convidado em diversas instituições. Presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe 2010-2012).