Autor: Wilson De Faria (*)
Os inúmeros casos de corrupção empresarial que o país observa hoje — Petrolão, Eletrolão, Zelotes etc. —, têm origem em um “modo de fazer negócios” quase secular na América Latina. Dentro deste contexto, a Lei Anticorrupção é uma novidade, pois prevê punições para as empresas pelos atos de corrupção pública.
As empresas envolvidas nestes escândalos, em sua maioria, negam a participação em um primeiro momento. Estas negativas são derrubadas pela investigação dos fatos ou pela própria confissão dos maus feitos em um segundo momento. Seria possível que elas não tivessem conhecimentos do ato de corrupção? Por incrível que possa parecer, a resposta afirmativa é mais comum do que se pensa. Empresas com condutas ilibadas no passado podem, sim, estar envolvidas em atos de corrupção sem que a alta gerência, ou ao menos parte dela, tenha conhecimento destes fatos.
Uma área bem estruturada de compliance dentro da organização ajuda muito a prevenir este tipo de situação. A área de compliance vai cuidar para que a empresa, seus colaboradores e terceiros que agem em seu nome estejam cumprindo todas as regulações a que estão sujeitos, sejam internas ou externas, legais ou contratuais.
A Lei Anticorrupção (Lei 12.846/2013) estabelece que um programa decompliance efetivo pode resultar na redução de penalidades para as empresas infratoras. Outra possibilidade de redução das penalidades prevista na lei é o acordo de leniência. Este instrumento ganha mais e mais importância, uma vez que pode garantir a redução das penalidades pecuniárias e as restrições de contratar com o poder público. A recente alteração na lei, introduzida em dezembro pela Medida Provisória 703/2015, permite inclusive que a primeira empresa a firmar o acordo consiga a isenção completa das penalidades.
Em uma negociação com o Poder Público, além da existência de um programa de compliance, será levada em conta a colaboração integral da empresa investigada. Apesar disso, várias empresas têm dificuldade em dimensionar seu envolvimento no ato de corrupção. Este obstáculo pode ser superado através da realização de uma investigação interna. No entanto, o possível envolvimento dos funcionários da empresa torna uma investigação conduzida internamente pouco eficaz.
Para ter credibilidade mediante agentes externos (sejam autoridades nacionais ou internacionais), esta investigação deverá necessariamente ser conduzida por entidades independentes. Grandes investigações, como as realizadas pela Petrobras ou Eletrobras, envolvem a contratação de escritórios de advocacia nacionais e internacionais (caso a empresa esteja sujeita ao FCPA, UK Bribery ou outras legislações anticorrupção, o que é o caso, por exemplo, das multinacionais ou transnacionais), empresas de tecnologia de informação, gerenciadores de projeto etc..
A investigação interna, para ter credibilidade junto aos órgãos públicos, deve ainda ser conduzida de acordo com parâmetros internacionais. A Petrobras, por exemplo, precisa satisfazer aos reguladores brasileiros e também norte-americanos como a Securities and Exchange Commission (SEC) e o Department of Justice (DoJ). Este também será o caso de qualquer empresa que emita ações ou ADRs nos EUA ou lá negocie títulos mobiliários. Auditores externos também podem requerer a realização de investigação externa independente para apuração de possíveis atos de corrupção, já que esses atos podem impactar diretamente às demonstrações financeiras.
Uma investigação interna vai identificar se ocorreu ou não o ato de corrupção ou qualquer outro ato ilícito, quem são os agentes envolvidos, qual o montante do prejuízo causado e quais as medidas devem ser tomadas para que não ocorra este tipo de problema no futuro. As repostas a estes quesitos determinarão o rumo para uma negociação com agentes públicos locais e estrangeiros, e mesmo com potenciais reclamantes em ações judiciais contra a empresa, como acionistas, detentores de títulos mobiliários e demais stakeholders.
Empresas acusadas de envolvimento em atos de corrupção devem procurar se defender adequadamente, até mesmo para preservar o interesse público em sua continuidade. Além dos danos à reputação, os danos financeiros podem ser tão elevados que acabam acarretando a descontinuidade do negócio.
A realização de investigações internas ganha cada vez mais importância dentro deste contexto. Casos recentes e de grande repercussão como a Petrobras, Eletrobras e BTG Pactual deram origem a grandes investigações internas que estão ajudando estas empresas a descobrir o que de fato ocorreu e tomar as providencias necessárias.
Há inúmeros casos de grande repercussão na mídia onde não se nota uma resposta concreta da alta direção de empresas em esclarecer os fatos. Podemos citar algumas das envolvidas na operação zelotes, por exemplo. Hoje não basta publicar longas declarações nos meios de comunicação. A falta de ações concretas para esclarecer os fatos e da realização de uma investigação interna independente podem causar prejuízos irreparáveis à reputação e aos cofres das empresas.
O setor público e seus agentes — PF, CGU, MPF, TCU, TCE, CADE, além do Poder Judiciário e dos agentes internacionais — felizmente estão cada vez mais aparelhados para fazer cumprir a legislação. Cabe ao setor privado brasileiro se preparar para esta grande mudança pela qual o país está passando.
Autor: Wilson De Faria é advogado e administrador de empresas, pós-graduado em Direito, mestre em Administração pelo INSEAD/França, membro do STEP – Trust and Estate Practioner e sócio da WFaria Advogados.