Aumento de pena para o crime de estelionato: a novidade de 30 anos

Autores: Paulo Iasz de Morais e João Bosco Caetano da Silva (*)

 

No apagar das luzes de 2015 foi promulgada a Lei 13.228, que alterou o Código Penal, a fim de estabelecer causa de aumento de pena para o crime de estelionato, quando praticado contra idoso.

Analisada a lei, é facilmente perceptível que o novo já nasce velho nas suas motivações, finalidade e forma. Isso porque referida lei opera mais uma reforma pontual que, exatamente pelo casuísmo, acaba reforçando a maximização do Direito Penal, como se este fosse a panaceia para os males da sociedade.

Há muito a doutrina penal já se habituou a demonstrar que mais Direito Penal, além de frustrar as expectativas dos punitivistas de plantão, acaba por criar mais problemas do que se pudesse esperar. Sobre esse tema temos inúmera obras escritas no campo da criminologia, política criminal e mesmo na dogmática do Direito Penal.

Resumidamente temos que com mais criminalização primária (criações de tipos penais) teremos o aumento da criminalização secundária (condenações criminais), que redundará no aumento das taxas — declaradas — de criminalidade, causando aumento do medo social, que pleiteará mais punição, novos tipos penais, mais penas, alimentando-se um círculo vicioso sem fim com enormes reflexos na sensação de (in)segurança

Quando se analisam as condições da enunciação da referida Lei, tem-se que em sua proposição, o Parlamentar se valeu de notícias de jornal [1], citando dois casos de estelionato contra idosos cometidos em dois Estados brasileiros. Não se preocupou em fazer a mais singela pesquisa criminológica ou político-criminal, com qualquer metodologia, antes de propor alteração da lei.

Essa forma de atuação do Legislativo parece ter se tornado habitual, por isso se afirmou que a nova lei já nasceu velha em suas motivações, finalidade e forma. Velha em suas motivações, uma vez que a referida lei nasceu de fatos veiculados em notícia de jornal (!), que narravam a ocorrência de fraudes contra pessoas idosas. Velha em sua forma, pois se trata de Lei penal com a qual se promete dirimir conflitos sociais. Velha em sua finalidade, pois aumenta a pena de um tipo penal, quando há mais de trinta anos — desde, pelo menos, a “Reforma de 1984” — já se aumentava a pena de qualquer crime cometido contra a pessoa idosa.

O Código Penal, como quase todos sabem, já prevê que a pena é agravada quando o delito é cometido contra idoso, consoante o artigo 61, inciso II, alínea ‘h’ daquele Estatuto. Trata-se de circunstância agravante genérica, que se aplica a todos os tipos penais.

Ao justificar o então projeto de lei apresentado, o legislador afirma “acreditamos que esse delito receberá punição adequada, proporcional à reprovabilidade social da ação criminosa, contribuindo para a devida proteção das pessoas idosas, como determina o texto constitucional” [2].

De forma inequívoca, o legislador demonstra não ter a menor noção do que faz.

Em primeiro lugar, é preciso deixar claro que quando a atividade legiferante em matéria criminal se pauta em desprezo aos postulados da Criminologia, da Política Criminal e da Dogmática jurídico-penal, o resultado só pode ser este: a utilização do Direito Penal para algo que foge à sua atuação. Isto porque, segundo o discurso jurídico oficial, a finalidade do Direito Penal é proteger os bens jurídicos mais caros à população dos ataques mais graves. Com todo respeito, o Direito Penal não pode ser confundido com Assistência Social. O bem jurídico tutelado pelo tipo penal “estelionato” é o patrimônio e não a pessoa idosa.

Em segundo lugar, é indevida — para dizer o mínimo — a menção à proporcionalidade da reprovabilidade social à conduta neste caso. Isso porque, caso estivesse efetivamente preocupado com a proporcionalidade, o legislador observaria que a nova pena para o estelionato cometido contra idoso, que é crime comum (pode ser cometido por qualquer pessoa), ficou muito maior do que a pena para o crime de abandono material (com pena-base de detenção variando entre um a quatro anos, além de multa), que é crime que só pode ser cometido por descendentes, ou seja, por membros da família do idoso.

Mantido o raciocínio, seria forçoso concluir que qualquer pessoa que obtivesse, em desfavor de uma pessoa idosa, vantagem indevida, mediante ardil, artifício ou qualquer outro meio fraudulento, mereceria punição mais rigorosa do que o próprio descendente que deixa, sem justa causa, de promover a subsistência do seu ascendente idoso.

Em conclusão, a nova lei não inova no ordenamento jurídico. Sua promulgação pode servir, quando muito, para criar na sociedade a impressão de que com mais Direito Penal se combate a criminalidade.

 

 

 

Autores: Paulo Iasz de Morais é advogado criminalista, conselheiro estadual da OAB-SP, presidente da Comissão de Monitoramento Eletrônico de Detentos da OAB-SP, sócio do Morais, Donnangelo, Toshiyuki e Gonçalves Advogados.

João Bosco Caetano da Silva é advogado criminalista, associado ao escritório Morais, Donnangelo, Toshiyuki e Gonçalves Advogados.


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