Autor: Marcos de Aguiar Villas-Bôas (*)
Há um considerável atraso nas teorias e práticas de política tributária do Brasil em relação aos países mais desenvolvidos do mundo, o que prejudica muito os resultados da economia brasileira, tendo em vista que a tributação levanta receitas abaixo do seu potencial, reduzindo espaço para o investimento público; o Estado gasta muito mais do que o necessário para levantá-las e, do outro lado, ainda produz graves efeitos negativos tanto do ponto de vista de eficiência econômica, quanto de equidade.
O objetivo de comparar o estágio brasileiro de estudo e operação da política tributária com o estágio dos países desenvolvidos não tem o fim de criticar os brasileiros, ainda que leve a isso. Busca-se chamar a atenção deles para as melhorias que podem ser feitas no país por meio de boas políticas tributárias.
A atitude de alguns de fingir que não somos atrasados e de até afirmar que as diferenças entre o nosso sistema tributário e os sistemas dos países desenvolvidos podem decorrer de nossas sacadas não terem sido percebidas por aqueles que sabem sobre o assunto muito mais do que nós não ajuda a melhorar o Brasil, mas apenas a criar um ilusório fio de esperança de que não somos tão atrasados e uma cortina de fumaça que esconde os nossos sérios problemas.
No que diz respeito à eficiência econômica, a simplificação máxima das regras do sistema é diretriz básica de política tributária para que ele possa ser manipulado pelos seus agentes com mais facilidade, reduzindo gastos desnecessários de tempo e dinheiro por parte de Estado e cidadão.
Essa diretriz da simplicidade, que anda conjuntamente com a neutralidade, tem o fim precípuo de conferir eficiência à economia e deve, no entanto, ser equilibrada com a progressividade, diretriz que tem como fim maior conferir equidade.
Às vezes, para se fazer justiça, como no caso de criar uma tributação mais progressiva, que respeite as elasticidades de riqueza e renda de cada indivíduo e, assim, distribua os ônus tributários mais adequadamente na sociedade, é preciso ir contra a simplicidade e a neutralidade.
Esse é o grande dilema da política tributária: conseguir lidar com um design que possa realizar todas essas diretrizes ao mesmo tempo. Isso requer um complexo conjunto de medidas que não firam demais umas as outras e que, na inter-relação dessas decisões e dos seus efeitos, entregue um resultado ótimo à sociedade.
O que se vê no Brasil, entretanto, é a colocação do fim de elevação das receitas como diretriz máxima e quase única das decisões de política tributária de todos os entes federativos (União, estados, Distrito Federal e municípios), ficando de lado simplicidade, neutralidade e progressividade. Nenhuma dessas três diretrizes fundamentais é cumprida hoje pelo sistema tributário brasileiro.
Apesar de serem vistas como diretrizes econômicas, elas são também jurídicas, uma vez que estão previstas na Constituição. O sistema jurídico de diretrizes econômicas costuma impor a realização máxima de dois princípios: eficiência e equidade. Em baixo desses princípios, estão os subprincípios de polícia tributária, que são simplicidade, neutralidade, progressividade, transparência e previsibilidade/segurança.
A equidade, a justiça e a igualdade são ideais expressos de variadas formas na Constituição. Aparentemente, foi uma preocupação especial do contribuinte garantir como fundamento do Estado Democrático de Direito brasileiro a dignidade da pessoa humana (artigo 1o, inciso III) e constituir como objetivos fundamentais do país uma sociedade livre, justa e solidária (artigo 3o, I), erradicando a pobreza e a marginalização (artigo 3o, III), e reduzindo as desigualdades sociais e regionais.
A igualdade é um princípio jurídico tão importante que veio logo no caput do artigo 5o da Constituição. Especificamente no que toca à tributação, o princípio da capacidade contributiva está previsto no parágrafo único do artigo 145, que abre o capítulo “Sistema Tributário Nacional”.
É indiscutível, portanto, que a Constituição impõe, de forma veemente, uma busca máxima de tributação conforme a capacidade de cada indivíduo contribuir e de forma a garantir a cada um dignidade, construindo uma sociedade livre, justa e solidária, sem pobreza e marginalização, de modo a se obter desigualdades sociais e regionais diminutas, em níveis que permitam uma maximização da eficiência econômica.
A própria Constituição, quando delineia os fins que a ordem econômica e financeira devem atingir, impõe uma conjugação de equidade e eficiência, determinando, logo no caput do artigo 170, que a valorizarização do trabalho humano (por exemplo, evitar exploração e pagar salários dignos) e a livre iniciativa, assegurando a todos existência digna, o que claramente não acontece no Brasil até hoje, conforme os ditames da justiça social.
O artigo 170, que abre o capítulo “Dos princípios gerais da atividade econômica”, impõe princípios básicos da eficiência econômica como o respeito à propriedade privada, à livre iniciativa e à livre concorrência, todos eles com repercussão na aplicação do sistema tributário.
Para que seja realizado um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, que é o desenvolvimento nacional (artigo 3, II, da Constituição), é preciso ter desenvolvimento econômico (crescimento no PIB aliado a distribuição de capacidade de consumo e produção) sem excessos no uso dos recursos esgotáveis, e sem danos graves aos meio ambiente. Para isso, é preciso que se tenha uma eficiência econômica responsável, sustentável.
O artigo 37 da Constituição, logo em seu caput, determina que a Administração Pública se pautará sempre no princípio da eficiência, o que mantém relação com a eficiência econômica, pois o Estado é inevitavelmente um interventor na economia. Se ele intervém com mais eficiência, obtém uma situação fiscal pública melhor e os próprios resultados econômicos podem ser melhores.
O objetivo de citar todos esses dispositivos constitucionais é demonstrar que as regras de política tributária estão todas previstas na própria Constituição, no texto jurídico maior, de onde deve emanar todo o sistema e, portanto, no qual devem estar baseados todos os atos tomados por Estado e cidadão.
Isso leva à conclusão de que o Brasil, desde 1988, para não adentrar no passado e tornar a análise ainda mais complexa, vive um estado de inconstitucionalidade. Praticamente nenhuma das normas acima citadas é efetivada no nosso país sequer minimamente.
O sistema tributário brasileiro é ineficiente, pois ele é um dos maiores e mais confusos do mundo. Cria inúmeros privilégios, que só podem estar embasados em lobbys, em interesses privados, como é o caso da isenção dos dividendos, de deduções ruins do IRPJ e dos inúmeros incentivos fiscais concedidos a setores ou a empresas específicos, de modo que o sistema brasileiro também não é neutro.
O Estado brasileiro é extremamente ineficiente, pois impõe inúmeras obrigações ao cidadão com o objetivo, por exemplo, de antecipar a arrecadação de tributos, o que lhe gera benefícios financeiros, por fazer o caixa em momento anterior, mas ocasaiona complexidade no sistema que não justifica a antecipação, provocando milhões de discussões desnecessárias e gastos altos para Estado e cidadão.
Um dos principais objetivos do princípio jurídico-econômico da simplicidade tributária, corolário da eficiência administrativa (artigo 37, caput, Constituição) e meio para se atingir o desenvolvimento nacional (art. 3, II, Constituição), é evitar contencioso, que faz Administração Tributária, Órgãos Administrativos de Julgamento, Judiciário, Procuradorias e cidadão perderem tempo e, portanto, sua eficiência.
Não há no Brasil uma preocupação preventiva e inteligente com a redução de contencioso. Normalmente, busca-se reduzi-lo com medidas extemporâneas, como os programas de parcelamento e anistia, que, em verdade, têm o fim maior de arrecadar em momentos de crise ou necessidade política, e causam outros problemas, como permitir ao contribuinte de má fé usar a sonegação a título de estratégia de capitalização, por saber que, a cada 2 ou 3 anos, haverá novo parcelamento ou a reabertura do anterior. Os contribuintes arriscam não pagar o tributo, pois sabem que, se forem pegos, poderão quitar o débito com bons descontos de multa e juros em algum momento não tão distante.
Outra curiosidade incrível do sistema brasileiro é conceder incentivos ou parcelamentos com grandes anistias e depois o fisco criar todo tipo de óbice para que eles sejam aproveitados. É surreal! São gerados, então, milhões de processos administrativos e judiciais por conta de restrições impostas ao aproveitamento do incentivo fiscal ou do parcelamento com anistia.
Voltando às antecipações tributárias, o pagamento de estimativa mensal na apuração do IRPJ e da CSLL anuais é um absurdo. Apesar da incidência anual, o contribuinte é obrigado a apurá-los todo mês, fazendo ajustes mensais de acordo com a relação entre o que é supostamente devido, pois o que é realmente devido apenas será definido ao final do ano, e o que já foi pago ao longo dos meses.
As estimativas geram milhões de processos administrativos e judiciais em decorrência da discussão sobre a aplicação da multa chamada de “isolada”, uma sanção específica aplicada a aqueles que não cumprem o dever de antecipar.
Além disso, o pagamento a maior de estimativas pode gerar o chamado “saldo negativo”, um crédito do contribuinte por ter pago ao fisco mais do que deveria, o que lhe impõe um pedido administrativo de restituição ou compensação, que quase sempre é analisado pelo fisco de forma bastante restritiva, quando não é analisado por um computador, oferecendo respostas, muitas vezes, sem fundamentação.
As decisões de técnica fiscal brasileiras, que estão dentro das decisões de política tributária, são uma sucessão de erros, os quais decorrem de uma falta de conhecimento mais avançado e de avaliação macro dos efeitos dessas decisões. Para que elas sejam tomadas sob uma perspectiva mais complexa e informada, era preciso um conhecimento bem mais profundo de política tributária, que não existe no Brasil.
O Ministério da Fazenda precisa ter um setor de estratégia de política tributária com um grupo de pessoas extremamente capacitadas no exterior, que possam redesenhar todo o sistema tributário. Inúmeras decisões elementares, como unificar os prazos de decadência do artigo 150, parágrafo 4º, e do artigo 173, I, ambos do Código Tributário Nacional, já poderiam ter sido tomadas há décadas. Ainda hoje, milhões de processos administrativos e judiciais são gerados por conta dessa discussão ridícula, para dizer o mínimo.
A aplicação das regras de política tributária não deve parar por aí. Até aqui, foquei-me na aplicação delas pelo elaborador de políticas tributárias, que pode ser o Legislador ou o Administrador. Há, no entanto, o papel do Judiciário e dos órgãos que decidem questões tributárias no âmbito administrativo.
Há tempos o terceiro comunicador, aquele que soluciona conflitos, não é mais visto como uma “boca da lei”. Ele é um concretizador, quem finaliza o trabalho do legislador e que cria direito para casos concretos (em regra) com base no direito já existente.
O decididor de conflitos é, portanto, um ativista constitucional, aquele que deve fazer valer as normas do sistema, sobretudo as superiores, e, complementar a legislação, que, mesmo quando conta com os precedentes que lhe dão concretude, é repleta de lacunas e contradições.
Utilizar as regras de política tributária permite ao julgador tomar em consideração os aspectos econômicos da legislação tributária e procurar soluções que tragam mais eficiência e equidade para o sistema.
Quantas vezes um julgador não se depara com uma situação para a qual há duas ou mais respostas possíveis e ele pode decidir por aquela saída que reduz os gastos de fisco e contribuintes? Ou ele pode decidir por aquela medida que põe todos os contribuintes em pé de igualdade (equidade horizontal)? Ou ele pode decidir por aquela medida que desiguala contribuintes diferentes e, assim, reduzir a desigualdade entre eles?
Um exemplo é a discussão sobre a trava de 30% para aproveitamento de prejuízos fiscais. Ao decidir essa questão no julgamento do RE 344.994-0, o Supremo Tribunal Federal, com infelicidade, afirmou que a utilização de prejuízos fiscais é um benefício e que a trava seria uma técnica de política tributária.
É, então, uma péssima política tributária! Os estudos mais avançados demonstram que é preciso tomar medidas para que a técnica de apuração fiscal não crie ineficiência econômica ou inequidade. No Brasil, a técnica de apuração e o aumento da arrecadação sempre foram os aspectos primordiais da tributação, e com chancela do STF. Essa foi uma das causas do terrível sistema tributário que temos hoje, muito provavelmente o pior do mundo.
A apuração anual do IRPJ e da CSLL é uma técnica utilizada para tributar, pois é preciso ter um momento definido para a incidência do tributo e sua consequente exigência. Até aí não há problema. O que não pode acontecer é, com base nisso, negar direitos aos contribuintes.
Quanto maiores os períodos de tributação, mais justiça se faz, pois evita-se que as diferenças nos fatos geradores de cada contribuinte ao longo dos períodos terminem distinguindo a tributação que recai sobre eles[1][2].
A trava de 30% ofende o princípio da capacidade contributiva, que, por falta de prequestionamento, não foi analisado pelo STF. Cabe uma nova análise do Supremo, agora com um conhecimento tributário mais desenvolvido e sob a perspectiva da capacidade contributiva para considerar, de fato, aspectos avançados de política tributária.
Ao travar o prejuízo fiscal do contribuinte, diferencia-se, por exemplo, aquele que tem prejuízos grandes em alguns anos e lucros grandes nos outros em relação àquele que tem lucro médio em anos seguidos.
Os contribuintes ficam incentivados a controlar os seus resultados para manipular a quantidade de prejuízo ou lucro em cada período. Além disso, operações societárias e outros artifícios são empregados para tentar um aproveitamento dos prejuízos represados por uma norma tributária muito ruim.
Ao diferenciar contribuintes em situação similar, o Estado fere a eficiência econômica, pois incentiva comportamentos que não seriam normalmente tomados num contexto de total livre iniciativa.
Não é verdade o argumento de que os contribuintes acabarão usando os prejuízos fiscais, uma vez que eles podem ter prejuízos em diversos anos, ficando com altíssimos valores represados e pagando tributos nos poucos anos em que a empresa tem lucro. Isso afeta claramente a disponibilidade de capital da empresa e pode reduzir, inclusive, investimentos.
A trava de 30% causa inúmeros prejuízos à economia, como sempre em nome de antecipar/aumentar a tributação. Por isso, não tenho o mínimo de receio em dizer que o fisco brasileiro é um dos principais agentes destruidores da economia do país!
Autor: Marcos de Aguiar Villas-Bôas é advogado, conselheiro da 1ª Seção do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) e ex-assessor para assuntos tributários da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Doutor em Direito Tributário pela PUC-SP e mestre em Direito pela UFBA.