Autores: André Gomma de Azevedo e Marco Aurélio Buzzi (*)
Superada a necessidade de legislação específica acerca da mediação e outras formas consensuais de solução de disputas, pela qual operadores do Direito das mais diversas áreas e carreiras trabalharam com empenho e união; a autocomposição encontra novos desafios.
No Brasil, se 2015 foi o ano de estabelecimento dos marcos legais em mediação e conciliação, 2016 será o ano das definições iniciais acerca da implantação dessa forma de solução consensual de disputas — a qual, genericamente, denomina-se justiça consensual e prestigia resultados pragmáticos, eficientes e satisfatórios. Para direcionar tais desafios, essa pauta foi definida como prioritária pelo ministro Ricardo Lewandowski na sua gestão à frente do Conselho Nacional de Justiça.
Um dos primeiros obstáculos na efetivação da justiça consensual, ante o novo modelo processual que se inaugura com o novo Código de Processo Civil, consiste em valorizar a atuação de advogados em processos consensuais. Esse reconhecimento decorre de um pressuposto fundamental dos Meios mais Adequados de Resolução de Conflitos: todos os interessados coadunam para formação de soluções — ou ainda, em processos consensuais, a soma das partes resulta o inteiro.
Naturalmente, estas conclusões decorrem da experiência na prática autocompositiva a qual nem sempre prestigiou os advogados. Francesco Carnelutti já retratava crítica semelhante em relação ao modelo italiano quando sinalizou que:
“infelizmente, a experiência tem demonstrado, sem embargo, que não poucas vezes a conciliação se degenera em insistências excessivas e inoportunas de juízes [ou conciliadores] preocupados bem mais em eliminar o processo que em conseguir a paz justa entre as partes”[1].
A partir de 2006, com o Movimento pela Conciliação, o protagonismo e valorização de advogados em sessões de conciliação passaram, progressivamente, a adquirir mais destaque. De um lado, havia (e certamente ainda há, em algumas localidades com deficiência de capacitação) pressões inoportunas de conciliadores e mediadores para que o jurisdicionado desista de direitos visando à formação de acordo — o que não é legítimo ou legal, por violar os princípios do juiz natural, da ampla defesa e do devido processo legal. Não bastasse, verificam-se, ainda, situações irregulares e inusitadas nas quais os procuradores dos interessados são orientados a se retirarem da sala de audiência para facilitação dos acordos.
Acrescente-se a essa realidade o problema da adequada e merecida remuneração do próprio causídico. Isso porque ao final de um litigio o esforço do profissional deve ser dignamente recompensado pelos honorários sucumbenciais. Todavia, quando o procurador demonstra esmero para encontrar uma solução consensual, seu trabalho é, frequentemente, retribuído por um constrangedor momento de debate público sobre os honorários devidos. Nessas ocasiões, certamente, muitos advogados devem se perguntar: o que ganham com a sua atuação produtiva para encontrar soluções consensuais, economizar tempo e dinheiro e atender a aspectos mais importantes do cliente? A solicitação de redução dos honorários é a adequada retribuição pela diligente atuação em prol dos interesses do seu constituinte?
Certamente não. O profissional da advocacia exerce a importante função de esclarecer os direitos de seus representados e apresentar soluções seguras e criativas que atendam aos interesses das partes. Um advogado que tenha o seu valor reconhecido pelo conciliador ou pelo mediador tende a desenvolver condutas adequadas para a eficiente resolução da disputa. Por esse motivo, uma das primeiras ponderações do terceiro facilitador, na declaração de abertura, deve ser direcionada às preocupações dos causídicos.
Para que o modelo de justiça consensual preconizado na Lei de Mediação e no novo Código de Processo Civil seja eficiente, fazem-se necessários magistrados, mediadores e conciliadores bem treinados que insiram e engrandeçam os advogados nos processos autocompositivos. Para tanto, mostra-se essencial, além de reconhecer e validar a atuação criativa na busca de soluções, também preocupar-se com o compatível honorário dos causídicos.
Para romper com a perversa sistemática de punir o advogado que pauta-se pela economia processual e maior satisfação do cliente com pressões para redução de sua remuneração, o novo Código de Ética da Ordem dos Advogados do Brasil, muito acertadamente, incluiu, em seu capítulo acerca de honorários, um dispositivo transparente sobre esse tema. Segundo a nova diretriz ética da advocacia, em seu artigo 48, § 5º:
“É vedada, em qualquer hipótese, a diminuição dos honorários contratados em decorrência da solução do litígio por qualquer mecanismo adequado de solução extrajudicial”.
Pelo próprio caput do referido artigo [2], esses “honorários conciliatórios” devem ser contratualmente previstos. Todavia, caso não tenham sido anteriormente estipulados, o terceiro facilitador deve debater esse ponto para pacificá-lo no início da autocomposição. Nesse sentido, ao término de uma declaração de abertura (ou da acolhida pelo magistrado), um conciliador ou um mediador deve perguntar se as partes já acertaram com seus respectivos advogados os percentuais de honorários conciliatórios.
Exemplificativamente, em uma declaração de abertura, o mediador ou o conciliador adequadamente capacitado deve trazer um discurso como este:
“… Gostaria de agradecer a presença dos advogados, suas participações nessa mediação serão muito valiosas e muito bem-vindas uma vez que bons advogados são muito importantes para mediações na medida em que apresentam soluções criativas para as questões que nos trouxeram aqui e, ao mesmo tempo, asseguram que ninguém abrirá mão de quaisquer direito sem estar plenamente consciente desta renúncia e dos ganhos dela decorrentes. Além disso, gostaria de registrar para as partes que, como este é um processo que envolve não apenas direitos, mas também outros interesses mais amplos, na maior parte da mediação os advogados não se manifestam e isso significa que eles estão desempenhando adequadamente seus papéis — dentre os quais um deles é permitir que as partes se expressem livremente para que possam se entender diretamente. Aproveito a oportunidade para perguntar se, por acaso, já foram estipulados entre as partes e seus advogados os honorários conciliatórios — aqueles devidos aos advogados pela contribuição com a solução encontrada para o litígio e a economia de tempo gerada por esse trabalho. Caso não tenham estabelecido esses parâmetros, sugiro que comecemos a conciliação debatendo este tema, pois essa é uma questão relativamente simples para dar início às nossas conversas…”
Certamente, a questão dos honorários conciliatórios demandará adaptação por parte de juízes, conciliadores, mediadores e até dos advogados. Contudo, não nos restam dúvidas de que a justiça consensual caminha no sentido correto quando premia quem reduz a duração das contendas e concorre para a propagação da modificação de mentalidades por meio da cultura da paz. Isso porque o restabelecimento da tranquilidade, o resgate e equilíbrio das relações entre os interessados, a relevância do fator temporal e o consenso na resolução do conflito, apesar de corriqueiramente olvidados, são aspectos preciosos e os profissionais que atuam promovendo esses valores devem ser adequadamente recompensados.
Autores: André Gomma de Azevedo é juiz de direito e atualmente atua como Juiz Auxiliar da Presidência do Conselho Nacional de Justiça.
Marco Aurélio Buzzi é ministro do Superior Tribunal de Justiça e membro do Conselho Consultivo da Presidência do Conselho Nacional de Justiça para os métodos de solução de conflitos.