Autor: Siro Darlan de Oliveira (*)
Os tempos estão bicudos para o judiciário brasileiro. Mesmo na ditadura empresarial militar as tintas eram menos carregadas e ainda que não houvesse liberdade de manifestação haviam regras que eram militarmente respeitadas segundo a ideologia dominante. Agora, que vivemos a plenitude do regime democrático há fatos inexplicáveis como essa inovação abraçada pelo STF sob forte pressão midiática e popular que inverteu o princípio de inocência pela presunção de culpa.
Felizmente houve divergência, e forte, o que sinaliza que nem tudo está perdido e, quem sabe num exame de consciência, a Constituição poderá voltar a prevalecer na Corte. Esse exame por feliz coincidência pode ter início pelas palavras do papa Francisco no México quando afirmou que: “É engano acreditar que temos segurança e ordem social prendendo pessoas”. Francisco insiste em sua lição proclamando que é preciso assumir responsabilidades coletivas quando afirma que “as prisões são um sintoma de como estamos na sociedade. Retratam muitos casos de silencia e omissões que provocaram a cultura do descarte”.
A sociedade abandonada pela desconfiança de seus governantes e líderes, alimenta uma cultura que deixou de investir na vida e aos poucos foi abandonando seus filhos, entregues à sua própria sorte. É notório o abandono da população que vive à mercê de administradores que não desenvolvem as políticas públicas necessárias e coloca como única forma de combater a violência o aumento das penas de prisão e número de apenados, sempre da mesma categoria social e étnica. A recente decisão do STF que antecipa a pena de reclusão para indivíduos que não tiveram sua condenação transitada em julgado representa uma volta à barbárie e o acréscimo de presos sem julgamento definitivo.
Convém lembrar que medidas como essa e ainda a redução da maioridade penal contrariam os sábios ensinamentos papais que combate as egoístas doutrinas da exploração dos homens pelo capital, negando oportunidades aos jovens que buscam melhores condições de vida onde lhes negam oportunidade de educação e trabalho e lhes oferece a exclusão social como resposta. Indaga o Pontífice: “O que deixamos para nossos filhos? Uma memória de exploração, de salários insuficientes, de falta de trabalho? Um dos maiores flagelos é a falta de oportunidades de estudo e de trabalho. Isso conduz à pobreza que arrasta ao círculo do narcotráfico e da violência”.
Lembrei-me de uma conversa que tive com um conhecido traficante na cadeia ao lhe perguntar porque escolhera a vida do crime. Ele me disse que era corretor de imóveis e sua filha então com três anos fora acometida de um tipo raro de câncer. Buscara atendimento médico público sem sucesso. Privado inacessível. Cobraram-lhe 40 mil reais para o tratamento. Buscou empréstimo bancário e lhe negaram. O “Dono do Movimento” lhe socorreu. Ele salvou a filha e entregou sua vida à criminalidade. Está cumprindo pena de mais de cem anos. Cem anos de solidão de tudo e de todos.
Autor: Siro Darlan de Oliveira é desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e membro da Associação Juízes para a Democracia.