Autor: José Roberto dos Santos Bedaque (*)
A Lei 13.105, de 16.3.2015, que regula o novo Código de Processo Civil, foi publicada em 17 de março de 2015. Do artigo 1.045 consta o período davacatio legis:
Este Código entrará em vigor após decorrido 1 (um) ano da data de sua publicação oficial.
Há na doutrina controvérsia sobre o dia exato em que o novo CPC efetivamente entrará em vigor: 16, 17 ou 18 de março de 2016.
A dúvida decorre da interpretação de dispositivos da Lei Complementar 95/98, que regula a redação das leis. O problema central reside na não observância, pelo legislador processual, do disposto no artigo 8º, § 2º, desse diploma legal:
Art. 8º A vigência da lei será indicada de forma expressa e de modo a contemplar prazo razoável para que dela se tenha amplo conhecimento, reservada a cláusula “entra em vigor na data de sua publicação” para as leis de pequena repercussão.
§ 1º A contagem do prazo para entrada em vigor das leis que estabeleçam período de vacância far-se-á com a inclusão da data da publicação e do último dia do prazo, entrando em vigor no dia subsequente à sua consumação integral.
§ 2º As leis que estabeleçam período de vacância deverão utilizar a cláusula ‘esta lei entra em vigor após decorridos (o número de) dias de sua publicação oficial.
De fato, o artigo 1.045 não fixou em dias, mas em ano, o prazo para a entrada em vigor no novo CPC. Daí a discussão, pois, para alguns, não obstante a letra da lei, o prazo deve ser contado em dias. Segundo outros, não se aplica a lei complementar, que pressupõe a fixação do prazo também em dias.
Na tentativa de trazer alguns elementos à consideração dos doutos, visando a propiciar reflexão sobre o tema, proponho interpretação com a fundamentação a seguir exposta.
Antes de qualquer consideração sobre o termo inicial da vigência, necessário afirmar a validade do disposto no artigo 1.045, apesar de não observada a determinação do artigo 8º, § 2º, da Lei Complementar 95/98. A norma processual atende o escopo fundamental de legislação complementar, qual seja, a fixação do período de vacatio, dispensável somente para leis de pequena repercussão, o que, evidentemente, não é o caso do novo CPC:
A vigência da lei será indicada de forma expressa e de modo a contemplar prazo razoável para que dela se tenha amplo conhecimento, reservada a cláusula “entra em vigor na data de sua publicação” para as leis de pequena repercussão. (Lei Complementar 95/98, artigo 8º, caput).
Trata-se, pois, de erro formal, que não impede a eficácia da norma, tal como dispõe o artigo 18 da mencionada legislação:
Eventual inexatidão formal de norma elaborada mediante processo legislativo regular não constitui escusa válida para o seu descumprimento.
Como o artigo 1.045 estabelece o prazo de um ano para a vigência do novo CPC, contado a partir de sua publicação oficial, deve-se levar em consideração o artigo 1º, da Lei 810, de 6 de setembro de 1949, que define o ano civil:
Considera-se ano o período de doze meses contado do dia do início ao dia e mês correspondentes do ano seguinte.
Não se justifica a contagem em dias, como sugerem alguns, pois há norma específica regulando a forma de cômputo do prazo, se fixado em anos. Aliás, não fosse assim, como 2016 é bissexto, deveriam ser considerados 366 dias, não 365.
O “último dia do prazo” (artigo 8º, § 1º, da Lei Complementar 95/98) nada mais é do que o “dia e mês correspondente do ano seguinte” ao do início da contagem (Lei 810/49, artigo 1º), ou seja, a data da publicação da Lei 13.105/2015. O artigo 1.045 do novo CPC, ao prever a entrada em vigor da respectiva lei “após decorrido um ano da data de sua publicação oficial”, deve ser interpretado em conjunto com o dispositivo da lei complementar destinada a regular a vigência das leis, segundo regra constitucional (artigo 59, parágrafo único).
Nessa linha de raciocínio, o prazo de um ano tem como termo final dia 17 de março de 2016, nos termos do artigo 1º, da Lei 810/49. Como o artigo 8º, § 1º, da Lei Complementar 95/98, cuja incidência não deve ser excluída apenas porque o prazo não foi fixado em dias, determina a vigência no dia subsequente à consumação integral do período determinado para a vacatio, o novo CPC passará a vigorar em 18 de março. Esse dispositivo é aplicável, apesar de a fixação do prazo não ter observado o estabelecido no § 2º da lei complementar. A técnica adotada para a vigência das leis não está vinculada ao modo previsto para o decurso do prazo (dias ou anos). Se o legislador processual utilizou a expressão “ano”, a contagem deve ser feita em conformidade com o artigo 1º da Lei 810/49. O erro formal não impede a incidência das regras da Lei Complementar 95/98, como já esclarecido, inclusive do artigo 8º, § 1º.
Aliás, a Lei 810/49 limita-se a definir o período compreendido pela expressão “ano”. Não trata da vigência das leis. Para tanto, há norma específica, que deve ser aplicada (artigo 8º, § 1º, da Lei Complementar 95/98). Por tal razão, não parece correta a conclusão segundo a qual o novo CPC passará a viger em 17 de março de 2016.
Como a vacatio é de um ano, erro formal cometido pelo legislador processual, mas irrelevante para fins de validade da respectiva norma (Lei Complementar 95/98, artigo 18), deve-se considerar a definição legal de “ano” (Lei 810/49, artigo 1º) e estabelecer a vigência do Código à luz do disposto na lei complementar 95/98, artigo 8º, § 1º, visto ser esta a via prevista na Constituição Federal para dispor sobre elaboração, redação, alteração e consolidação das leis (artigo 59, parágrafo único).
Em resumo, a lei processual somente estabelece o período da vacatio: um ano. Segundo dispõe o artigo 1.045, o Código passara a vigorar “após decorrido 1 (um) ano da data da sua publicação oficial.” Mas quando, exatamente? Como a Lei 13.105 foi publicada em 17 de março de 2015, o vencimento do prazo dar-se-á em 17 de março de 2016 (Lei 810/49, artigo 1º) e a vigência no “dia subsequente à sua consumação integral” (Lei Complementar 95/98, artigo 8º, § 1º.
Admitidas essas premissas, o novo CPC entrará em vigor dia 18 de março de 2016.
Autor: José Roberto dos Santos Bedaque é professor titular de Direito Processual Civil da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Sócio do escritório Dinamarco, Rossi, Beraldo e Bedaque Advocacia.