Autores: Robson Barbosa e Thaís Artmann (*)
Após reuniões dos membros da Advocacia Geral da União com o Governo no intuito de atender demandas da categoria, teve início a discussão em torno de tema sensível: a unificação das carreiras. E, por não ser objeto de consenso, surgem dúvidas acerca da viabilidade jurídico-organizacional da unificação das carreiras que a AGU contempla.
A instituição é composta por Advogados da União, responsáveis pela representação judicial e extrajudicial da União, assim como consultoria e assessoramento jurídico; Procuradores Federais, representantes judiciais e extrajudiciais das autarquias e fundações públicas federais, bem como são responsáveis por atividades de consultoria e assessoramento jurídico destes entes, excetuadas as atribuições dos membros da carreira de Procurador do Banco Central; Procuradores da Fazenda Nacional, responsáveis por representar judicial e extrajudicialmente a União naquelas causas de natureza fiscal e realizar atividades de consultoria e assessoramento jurídico junto aos órgãos da administração tributária federal; Procuradores do Banco Central, representantes judiciais e extrajudiciais do Banco Central do Brasil, assim como consultores e assessores desse ente.
O primeiro problema jurídico suscitado por aqueles que entendem não ser possível a unificação, encontra-se na impossibilidade de dissolução da carreira de Procurador da Fazenda Nacional a fim de compor uma nova, pois, da análise dos artigos 131, §3º e artigo 37, inciso XXII, ambos da CF, tem-se que, por ser carreira específica da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, integrante da administração tributária, não poderia ser extinta para compor uma nova a ser criada, o que só poderia ocorrer se a própria CF fosse modificada.
Outro empecilho encontrado pelos contrários à unificação surge quando estudado o caso dos Procuradores Federais, carreira criada pela Lei 10.480/02 (a qual trouxe da administração indireta os antigos procuradores autárquicos e fundacionais, realocados no cargo de Procurador Federal), que consiste na afirmação de que o referido cargo não faria parte da AGU, mas estaria somente a ela vinculado.
Essa afirmação decorreria da análise da Lei 10.480/02, em seu artigo 9º [1], e também da Constituição que, em seu artigo 131, trata somente da representação da União, mas não de suas autarquias e fundações, além da Lei Complementar 73/93, a qual dispõe sobre o funcionamento e organização da AGU, vez que a Advocacia da União é aquela que a representa judicial e extrajudicialmente, sendo omissa sobre a representação das autarquias e fundações.
Assim, para aqueles contrários a unificação, por representarem pessoas jurídicas distintas, os integrantes da Procuradoria Federal não poderiam se unir aos Advogados da União.
Os contrários à unificação também aduzem que não se pode usar como paradigma para a junção das carreiras o julgamento da ADI 2.713-1, onde o STF considerou constitucional a transformação dos Assistentes Jurídicos da AGU em Advogados da União, pois, naquele caso, apenas foram unidas duas carreiras semelhantes que compunham a instituição, sendo que, no presente caso, os Procuradores Federais, além de não comporem a AGU, trabalham na representação de órgãos que compõem a administração indireta (autarquias e fundações), ao passo em que os Advogados da União e Procuradores da Fazenda trabalham na representação da administração Direta (União), podendo caracterizar transposição caso ocorra a unificação.
Já aqueles favoráveis à unificação afirmam que o julgamento da ADIn 2.713-1 serviria perfeitamente como paradigma para a permissão da unificação nos moldes que se pretende, pois os requisitos lá analisados se identificam com a presente situação dos membros da carreira, cujo trecho da ementa do acórdão que os citam transcreve-se a seguir:
Rejeição, ademais, da alegação de violação ao princípio do concurso público (CF, artigos 37, II, e 131, parágrafo 2º). É que a análise do regime normativo das carreiras da AGU em exame apontam para uma racionalização, no âmbito da AGU, do desempenho de seu papel constitucional por meio de uma completa identidade substancial entre os cargos em exame, verificada a compatibilidade funcional e remuneratória, além da equivalência dos requisitos exigidos em concurso. Precedente: ADI 1.591, Rel. ministro Octavio Gallotti.
A compatibilidade funcional, isto é, a compatibilidade de funções executadas, dos integrantes das quatro carreiras ficaria comprovada pela realização das atividades típicas da profissão de advogado definidas no artigo 1º [2] do Estatuto da Advocacia e da OAB, para além de todos atuarem na defesa de entes de direito público submetidos em seus atos ao mesmo regime jurídico-administrativo, sendo que a peculiaridade da descentralização, ou não, da atividade estatal final, a rigor, não poderia desunir de maneira insuperável as carreiras existentes. Quanto à questão remuneratória, tem-se que os subsídios percebidos pelos membros da AGU são idênticos e regidos pelos mesmos diplomas legais [3]. Por fim, os requisitos de ingresso nas carreiras são os mesmos, sendo que os concursos de provas e títulos têm mesmos formatos e exigências.
Ademais, segundo os apoiadores, a ideia de que os Procuradores da Fazenda Nacional, por serem mencionados de maneira expressa no artigo 131, §3º da CF, constituir carreira especifica não se sustentaria, pois “o fato de a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), que existe desde o Império, ter sido mencionada pelo parágrafo 3º do artigo 131 da CRFB, a torna um órgão de existência obrigatória dentro da AGU, mas não uma carreira própria de procurador da Fazenda Nacional. Essa conclusão deriva de uma interpretação sistemática da Lei Maior, que também se refere aos juizados especiais e ao tribunal do Júri, que são órgãos do Poder Judiciário providos por cargos integrantes da mesma carreira de juiz federal ou juiz de Direito”. [4]
Contra a assertiva de que a PGF não comporia a AGU por não estar mencionada na LC 73/93, o motivo para tanto decorreria de uma análise histórica da criação do cargo que não existia em 1993, quando se iniciou a estruturação da AGU. Já para a ausência da PGF também no artigo 131 da CF, teria sido esclarecida no julgamento do RE 627.709/DF, onde o STF entendeu que o critério de competência definido pelo artigo 109, § 2º da CF, em que pese a ausência de expressa referência às autarquias federais, deve lhes ser estendido, assim podendo tais entes públicos ser demandados nos mesmos foros em que a União é acionada. [5]
Os apoiadores também citam o artigo 29 do ADCT [6], o qual previu que a Advocacia Geral da União deveria conter as carreiras da Advocacia Pública existentes àquela época, quais sejam, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, as consultorias jurídicas dos ministérios, as procuradorias e departamentos jurídicos de autarquias federais com representação própria e os membros das procuradorias das universidades fundacionais públicas.
Para aqueles adeptos dessa posição, se a Constituição silenciou no artigo 131, no artigo 29 da ADCT estaria a resposta para tal silêncio, devendo ser contemplada a Procuradoria Geral Federal como órgão da AGU, órgão criado para unificar dentro de uma mesma carreira os procuradores de autarquias e fundações públicas federais.
Além disso, os defensores da unificação afirmam que a ideia inicial da Constituição era que existisse uma única carreira de Advogado Público Federal, interpretação essa que decorreria da leitura do artigo 69 do ADCT, o qual concedeu a faculdade apenas aos Estados, e não à União, de “manter consultorias jurídicas separadas de suas procuradorias-gerais ou advocacias-gerais” [7].
Portanto, a fusão das carreiras da AGU, para aqueles que a almejam traria unicidade, economia ao erário, otimização nos trabalhos, racionalidade organizacional, fortalecimento de laços e identidade da categoria perante a sociedade, todavia, para aqueles que a recusam, traria consigo controvérsias jurídicas e problemas organizacionais.
Nas veredas da unificação, a pedra no caminho, poetizada por Drummond, já se encontrou, resta saber se, ao ultrapassá-la, encontrar-se-á a solução para uma AGU mais forte ou, então, mais pedras.
Autores: Robson Barbosa é advogado do Cassel Ruzzarin Santos Rodrigues Advogados.
Thaís Artmann é estagiária do Cassel Ruzzarin Santos Rodrigues Advogados.