Autor: Gabriel Dias Marques da Cruz (*)
Uma proposta de emenda constitucional, atualmente em tramitação no Congresso, traz à tona discussão extremamente importante sobre a representatividade popular no Brasil. Trata-se da PEC 106, de 16 de julho de 2015, de autoria do senador Jorge Viana e que propõe a diminuição do número de parlamentares no país.
A proposta tem o objetivo de reduzir o número de deputados federais dos atuais 513 para 386, assim como o total de senadores, de 3 para 2, por unidade da federação. Assegura a irredutibilidade da atual representação das casas legislativas, operando-se a mudança a partir das eleições feitas após a promulgação da Emenda.
Destaco, a seguir, ponto relevante da fundamentação da proposta[1]:
Consideramos, por outro lado, que nem mesmo as dimensões continentais do Brasil e a complexidade de nossa sociedade justificam a eleição de três representantes por Estado e pelo Distrito Federal para esta Casa. Mencionamos, a título de exemplo, os Estados Unidos da América, país igualmente extenso, cujos estados elegem dois senadores cada um. Ante o exposto, a proposta de emenda à Constituição que ora apresentamos tem por objetivo reduzir o número de assentos em um terço no Senado Federal e em 25% (vinte e cinco por cento) na Câmara dos Deputados. Ficam assegurados, na proposta, os mandatos dos atuais Deputados Federais e Senadores que ocupam as vagas a serem extintas. Houve a preocupação, no bojo da proposta, em preservar o equilíbrio existente no Congresso Nacional. No Senado Federal, haverá a paridade entre os Estados e o Distrito Federal. Na Câmara dos Deputados, mantém-se o critério de representação proporcional à população de cada unidade da federação. Por isso, sem prejuízo do caráter representativo do Congresso, a proposta por nós apresentada aumenta a eficiência do uso dos recursos públicos.
O conteúdo trazido pela proposta — que preserva o formato atual de composição das casas legislativas, reduzindo, em homenagem ao princípio da eficiência, o quantitativo dos seus membros — é digno de aplausos.
Existe enorme descontentamento do povo com os políticos brasileiros, constatação evidenciada pelos péssimos índices de confiança, de conhecimento notório. Tais impressões podem ser corroboradas pelos dados extraídos de pesquisa sobre o “Índice de Confiança Social” (ICS – Instituições), feita pelo Ibope em 2015. Em uma escala que vai de 0 (nenhuma confiança) a 100 (confiança absoluta), e fazendo um recorte tendo por base os três poderes, é possível encontrar os seguintes dados[2]:
Instituição | Desempenho |
---|---|
Poder Judiciário e Justiça | 46 pontos |
Governo federal | 30 pontos |
Presidente da República | 22 pontos |
Congresso Nacional | 22 pontos |
Partidos políticos | 17 pontos |
Nota-se, portanto, o completo descrédito de nossas instituições políticas, que apresentam os piores indicadores. O desempenho dos poderes da República também apresenta grande distância em relação às instituições que ocupam o topo da avaliação: o Corpo de Bombeiros, as igrejas e as Forças Armadas, respectivamente com 81, 71 e 63 pontos. A análise do desempenho histórico das instituições entre 2009 e 2015 apresenta uma constante, evidenciando um padrão que atesta os números mencionados.
No Brasil, portanto, curiosamente, confiamos mais em quem não votamos.
Tais péssimos indicadores de confiança são motivados, por certo, pelas incontáveis denúncias de corrupção e escândalos políticos de toda ordem, que trazem uma onda de pessimismo com os atores de nossa política partidária.
A má reputação dos nossos políticos deve ser somada a outra constatação, também trágica: temos um Congresso Nacional caro e ineficiente.
Por um lado, os elevados custos para manutenção do Congresso Nacional fizeram com que o Brasil ocupasse, numa análise envolvendo 110 países, a segunda posição dentre os Legislativos mais caros, perdendo apenas para os Estados Unidos[3]. No mesmo sentido, estudos demonstram ser o Congresso Nacional o mais caro, caso seja comparado com outros 11 Legislativos de países desenvolvidos ou emergentes[4].
Por outro lado, a ineficiência da atuação parlamentar brasileira tem sido alvo de diversos estudos, que mostram as dificuldades de efetiva transformação de projetos de lei em normas jurídicas. Nesta linha, seria inferior a 1% a taxa de conversão em lei do total de projetos apresentados[5]. Ademais, além da baixa produtividade, abundam deficiências legislativas. Em uma pesquisa nos projetos de lei apresentados na Câmara dos Deputados no primeiro semestre de 2015, Thiago Gomes Eirão concluiu que havia algum tipo de equívoco em 85% dos 2.395 projetos apresentados[6].
Desse modo, tendo por base a péssima reputação, custo elevado e ineficiência, é de se perguntar: alguém discorda da redução do número de parlamentares?
Diante de atuação tão questionada, certamente os resultados da consulta popular sobre o teor da proposta de emenda constitucional comprovariam o desgaste que nosso Legislativo tem sofrido.
A imensa maioria dos votos certamente atestaria a falência, nos moldes atuais, de uma composição do Congresso Nacional que não tem conseguido, salvo honrosas exceções, efetivar os compromissos exigidos pela Constituição Federal de 1988, responsável por dotá-lo de competências importantes no cenário político nacional[7].
Tais números já podem ser concretamente apurados: segundo dados que constam no site do Senado, até o momento de finalização deste trabalho, prevalecia a ampla aceitação da proposta, apoiada por mais de 155 mil votos favoráveis, contando, apenas, com 596 votos contrários[8].
Os números são eloquentes e representam a maior quantidade de votos já recebidos até o momento por uma consulta pública envolvendo tramitação legislativa em discussão no Congresso Nacional[9]. Um recorde ancorado em profunda insatisfação popular.
Reduzir o número de parlamentares traria custos menores para a manutenção do Congresso Nacional. Caso seja preservada a ineficiência atual, ao menos teríamos um Legislativo mais barato, providência ainda mais conveniente em época de crise financeira e otimização de gastos.
Contudo, a mera redução do número de parlamentares, tema da proposta, mesmo que aprovada, não resolve os diversos problemas detectados no desenho institucional brasileiro, e que fazem parte de uma diversificada agenda de reforma política.
O que esperamos, enquanto eleitorado, é a redução da quantidade de parlamentares, mas associada ao incremento da eficiência da atuação parlamentar, acompanhada da devida apuração e punição das inúmeras denúncias de corrupção. Esperamos, pois, um Parlamento que funcione com dedicação diuturna em prol da aprovação de leis e atos normativos vitais para a melhoria do ordenamento jurídico brasileiro. Há diversos itens de aperfeiçoamento urgente em nossa jovem democracia e que ensejam um debate aberto, plural e permanente.
A redução do número de parlamentares seria um bom começo, numa demonstração de um Congresso Nacional finalmente preocupado em alterar o seu patamar ético de atuação. Infelizmente, tendo em vista os inúmeros interesses certamente contrários, não acredito na aprovação da PEC 106/15. Seria maravilhoso estar errado.
Autor: Gabriel Dias Marques da Cruz é mestre e doutor em Direito do Estado pela USP e professor de Direito Constitucional e Ciência Política da UFBA, da Faculdade Baiana de Direito e da Faculdade Ruy Barbosa.