Autor: Carlos Harten (*)
A atividade seguradora é responsável pelo equivalente a 5% do PIB nacional, crescendo em ritmo de dez dígitos há vários anos seguidos, representada de um lado por aproximadamente 120 empresas e do outro por dezenas de milhões de segurados contribuintes dos prêmios que formam o fundo comum que suportará o sinistro sofrido por alguns.
Mesmo razoavelmente disseminados, os serviços securitários não são suficientemente compreendidos pelo público consumidor e têm deles certa desconfiança, transformando essa atividade em extremamente litigiosa. A entrada em vigor do novo Código de Processo Civil (CPC) traz importantes modificações que impactarão de forma especial o mercado segurador e pretendo aqui apresentar rapidamente alguns itens que merecem a atenção de seus atores.
Mediação e conciliação
Tem-se destacado que o novo CPC tem como forte princípio o fomento à composição amigável (art.3º, §2º e §3º) e as lides securitárias em geral não têm qualquer impedimento ao seu uso. Ao lado disso, ainda há um grande número de ações que são propostas sem haver um prévio aviso administrativo do sinistro e as seguradoras terminam só tendo ciência do pedido quando do recebimento da citação.
Com isso, o judiciário termina virando o ambiente em que se regulará o sinistro, ou seja, a seguradora vai receber as informações e os documentos, na maioria das vezes insuficientes, a partir da cópia dos autos, a fim de examinar se o caso narrado se encontra ou não dentro da cobertura securitária contratada.
Atualmente há uma clara tendência de o STJ e o STF não mais admitirem, por falta de interesse de agir, ações judiciais sem o prévio pedido administrativo de pagamento do sinistro. De toda forma, ao menos a nova regra do artigo 334 permitirá que a empresa seguradora, antes de contestar o pedido autoral, possa examinar documentos, fazer vistorias e negociar a indenização caso exista cobertura securitária.
Sabe-se que o CDC considera abusiva a imposição de arbitragem em contratos de adesão, mas não a mediação, já que esta não afasta a jurisdição estatal. As condições gerais dos contratos de seguro podem prever, por exemplo, que as controvérsias sejam prioritariamente resolvidas por mediação, indicando inclusive câmara ou centro específico, bem como penalidade em caso de não comparecimento à audiência de mediação, desenvolvendo-se, assim, um excelente instrumento para fomentar a desjudicialização das lides securitárias.
Carga dinâmica da prova
O artigo 373 do novo CPC mantém a regra clássica de que o autor deve provar o fato constitutivo de seu direito e o réu os pontos que impedem, modificam ou extinguem o direito da parte adversa. Contudo, o parágrafo único do artigo 373, inspirado no princípio da cooperação estabelecido no artigo 6º, prevê que o magistrado — nos casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir seu ônus processual ou, até mesmo, à maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário — possa redistribuir o ônus da prova, impondo ao autor ou réu a demonstração de determinados pontos controversos, sob pena de considerar não provada sua afirmação.
Dessa forma, as seguradoras deverão, em primeiro lugar, ter muita cautela ao usar defesas processuais, em que são focadas principalmente na ausência de comprovação de fatos pelos autores — vez que o magistrado poderá lhes determinar a produção probatória de fato que em princípio seria ônus do segurado — e, em segundo lugar, ter um controle mais rigoroso na produção de documentos que se relacionam com a proposta de seguro, análise de risco e sobretudo da investigação dos fatos que envolveram a produção, efeitos e extensão dos sinistros.
Assim, é de grande importância que as seguradoras revisem seus procedimentos e forma com que são conduzidas as regulações do sinistro, em especial eventuais sindicâncias realizadas, por exemplo, que apuraram a prática de agravamento do risco (gravações, fotos, entrevistas com testemunhas do sinistro, perícias técnicas, etc) para garantir que tenham validade (forma prescrita em lei, oportunidade de contraditório, etc) como prova a ser apresentada em juízo.
Tutela provisória de urgência e evidência
A tutela provisória de urgência, cautelar ou antecipada, pode ser concedida em caráter antecedente ou incidental (parágrafo único, art. 294), sem ouvir a parte contrária e será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo (art. 300). Em novo e polêmico regramento, o art. 304 prevê que a tutela de urgência concedida em caráter antecipatório, e que contra ela não haja recurso — ou apenas mera impugnação, conforme defende parte da doutrina —, estabilizará a decisão judicial até que uma ação autônoma de revisão ou invalidação (§2º) dessa decisão seja movida pela parte interessada.
Um exemplo da tutela de urgência examinada seria a decisão não recorrida que determina à seguradora o fornecimento de medicamento a um segurado, que restaria estável, independentemente de sua confirmação em sentença final de mérito. As empresas seguradoras, por isso, precisarão rever suas políticas recursais e decidir se ampliarão os casos de impugnação, a fim de evitar a estabilização de decisões a elas desfavoráveis.
A tutela de evidência, contudo, não exige a urgência — perigo de dano irreversível ou irreparável — do atendimento do pleito autoral como condição de sua concessão, basta, no que aqui interessa:
- Ficar caracterizado o abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório da parte;
- As alegações de fato apresentadas pelo autor puderem ser comprovadas apenas documentalmente e houver tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante;
- A petição inicial for instruída com prova documental suficiente dos fatos constitutivos do direito do autor, sem dúvida razoável apresentada pelo réu em defesa.
No segundo item, o magistrado poderá, inclusive, deferir a tutela de evidência sem prévia manifestação da empresa demandada. Em termos práticos, a tutela de evidência permite que o autor que tenha apresentado suficiente prova documental, sem razoável dúvida de fato – que é um conceito jurídico indeterminado – ou controvérsia de direito, apresentada em contestação pela empresa seguradora, possa imediatamente ter julgada sua demanda, encurtando a fase instrutória.
Negócios processuais
O artigo 190 prevê que é lícito às partes plenamente capazes estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo, inclusive ajustando o calendário dos atos processuais a serem praticados.
Ainda que, a nosso ver, o disposto tenha maior potencial de aplicação aos litígios não massificados e com maior complexidade, onde advogados em ambas as partes procurarão atuar com maior detalhe na solução das controvérsias, nada impede que seja utilizado também em contratos securitários de consumo massificados.
Além da já antecipada opinião do pacto de mediação, pode-se prever, por exemplo, a distribuição do ônus de determinada prova; estabelecer que o exame da ocorrência e a extensão de uma invalidez serão feitos por avaliação médica simplificada, mediante análise clínica; pode-se estabelecer se as conclusões da prova pericial não serão impugnadas por recurso; escolher o centro ou perito que fará o laudo pericial; a confidencialidade das informações levantadas e as provas produzidas em perícia, apresentando-se aos autos apenas as conclusões etc.
Prova pericial
O regime jurídico da prova pericial, tão cotidianamente utilizada nas demandas securitárias, passou por uma expressiva reformulação. Em primeiro lugar destaco o maior rigor na seleção dos experts, que passarão por critérios objetivos de habilitação e remuneração divulgados em normas gerais expedidas pelos Tribunais, com necessária comprovação de experiência e distribuição equitativa na escolha pelo magistrado da causa, podendo, contudo, ser eleito de comum acordo pelas partes.
Em segundo lugar, o laudo pericial para ter eficácia probatória precisará de maior rigor técnico que permita adequada valoração, como, por exemplo, a indicação dos métodos e critérios científicos utilizados, a vedação do perito interferir em áreas de outras especialidades que não a sua.
O parágrafo § 2º art. 464 prevê também que o magistrado poderá de ofício ou a requerimento das partes determinar a produção de prova técnica simplificada, quando o ponto controvertido for de menor complexidade. Essa prova seria especialmente produzida em audiência, podendo consistir no esclarecimento de especialistas sobre termos técnicos, literatura científica, funcionamento de equipamento ou qualquer ponto que não precise maior aprofundamento por perícia judicial.
Incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDR)
O IRDR, previsto no artigo 983, é um incidente que visa a proporcionar a uniformização do entendimento jurisprudencial acerca de uma questão de direito controvertida, debatida em múltiplos processos, permitindo imediata aplicação a todos os litígios em curso, bem como aos que venham a ser futuramente propostos com a mesma controvérsia.
Muitos destes conflitos são fruto de insuficiente compreensão do contrato de seguro e a pacificação dos conflitos é fundamental para um negócio baseado na confiança e na boa-fé recíprocas. Como meio necessário para facilitar a compreensão e embasar o julgamento, o regime do IRDR facilita a participação de órgãos especializados ou técnicos que podem, por exemplo, demonstrar as razões atuariais de uma determinada regra contratual, como a cláusula rateio.
Também é possível, como interessado ou amicus curiae, as entendidas associativas do mercado, representantes de segurados ou seguradoras, intervir na lide, apresentando documentos, arrazoados, solicitando diligências, inclusive defesa oral dos pontos que lhes pareçam pertinentes.
Ainda que a solução de direito do IRDR seja de aplicação obrigatória para todo o território do Tribunal em que foi emitida, as partes deverão ficar atentas à subsunção a seu caso concreto, destacando os pontos que devem atrair a aplicação do julgamento do incidente ou demonstrar as razões de fato ou de direito que justificam o afastamento do precedente naquele caso concreto. Por exemplo, um julgamento que considere obrigação da seguradora dar cobertura à fertilização in vitro, poderia deixar de significar a procedência do pleito autoral nesse sentido, se ficar comprovado, por exemplo, a má-fé da autora na declaração prévia de informações pré-contratuais.
A solução da controvérsia de direito tem o condão de resolver diversas ações judiciais já instauradas, mas também será um direcionador aos casos de conflitos não judicializados. A conclusão de um julgamento de IRDR que nega a existência de um direito do segurado naturalmente tenderá a desestimular que novas ações sejam propostas, ou estas tenham um julgamento liminar de improcedência, conforme regra do art. 332, III.
Por outro lado, a conclusão de um IRDR que traga interpretação favorável aos segurados, ainda que não possa ser julgada liminarmente procedente, poderá subsidiar a concessão de uma tutela de evidência (art. 311). Dessa forma, evitando a reiteração de decisões desfavoráveis a serem proferidas contra elas, as empresas seguradoras deverão, nesses casos, revisar seus processos de análise de sinistros e políticas de acordo, incorporando a interpretação consolidada nos julgamentos dos IRDRs.
Provisionamento do passivo judicial
Por várias razões o NCPC tem efetiva aptidão para alterar o tempo médio atual da solução dos litígios, ora pode acelerá-la, ora retardá-la. Há efetivos mecanismos que pretendem dar celeridade à solução das controvérsias, como o fomento à autocomposição e a simplificação do sistema recursal. Por outro lado, em um primeiro momento, a instauração dos IRDRs pode significar o imediato sobrestamento de milhares de processos que de uma forma ou de outra hoje têm sido rotineiramente julgados.
Esse sobrestamento, inicialmente previsto pelo prazo máximo de 1(um) ano, pode seguramente superar isso especialmente em caso de apresentação de recursos especial ou extraordinário contra a conclusão proferida, que serão recebidos com efeito suspensivo. Além da alteração na duração do processo, o NCPC nitidamente aumentará o custo médio das demandas, seja em virtude do possível aumento dos honorários sucumbenciais, com por exemplo, a eliminação da compensação (art. 85 § 14º) e a previsão de sucumbência recursal (art. 85 § 11º), seja pelas expressivas multas processuais criadas ou ampliadas no novo regramento.
O novo CPC também pretende tornar a solução das demandas mais previsíveis, especialmente pela força dada aos precedentes judiciais, e com isso o provisionamento tenderá a ser mais assertivo com a probabilidade de a perda provisionada se converter em pagamento de condenação ou acordo, evitando tanto as reservas desnecessárias, que sangram o caixa e a capacidade de investimento das empresas, ou, ao contrário, as nefastas decisões surpresas que impõem perdas judiciais acima de valores provisionados.
A adequada administração financeira do passivo judicial e valores provisionados é hoje imperiosa em qualquer atividade com expressiva litigiosidade, mas talvez na atividade seguradora essa exigência seja mais nítida. Hoje várias seguradoras, dos mais variados ramos, atuam com perda operacional, ou seja, gastam entre indenização, tributos e despesas operacionais, mais do que arrecadam. Para essas empresas, o lucro ou prejuízo vem da capacidade de adequado investimento das reversas financeiras dos fundos por elas administrados.
Os departamentos jurídicos das empresas seguradoras, assim, precisarão estar absolutamente atentos ao conjunto de modificações previstos na nova normativa processual, revisando política de acordos ou dispensando a interposição de recursos para evitar o alongamento do tempo do passivo judicial provável e o incremento com obrigações acessórias (sucumbência, multas por recursos protelatórios etc).
De outra mão, as medidas de gerenciamento desse passivo judicial devem ser tendentes a diminuir a própria litigiosidade da relação securitária, vez que a busca por uniformização de entendimentos além de diminuir o custo processual, gera estabilidade, segurança e aumento de confiança do consumidor, elementos fundamentais para a operação e o crescimento da atividade seguradora.
Autor: Carlos Harten é sócio-diretor do Queiroz Cavalcanti Advocacia. Conselheiro federal da OAB.