Autor: Daniel Allan Burg (*)
Conforme podemos constatar por diversas vezes em nosso cotidiano, a atual tecnologia, sobretudo a internet, tornou a vida dos seres humanos mais confortável, propiciando a realização de tarefas que, há pouco mais de vinte anos, eram consideradas impossíveis.
Essa mesma tecnologia que, dia após dia, cria um sem número de oportunidades de novos negócios, também traz, como não poderia deixar de ser, consideráveis desvantagens.
Uma dessas desvantagens consiste, justamente, na possibilidade de criminosos cometerem delitos, sobretudo os patrimoniais, de forma muito mais segura que assaltando bancos ou furtando carteiras em movimentados centros urbanos.
A impressão de que a internet é uma terra sem lei, de que a tela do computador garante o anonimato e a impunidade, fez com que, nos últimos anos, as fraudes virtuais crescessem de forma vertiginosa.
Cotidianamente, contas correntes são acessadas de forma indevida por agentes que subtraem os valores nela existentes, diuturnamente produtos comercializados online, depois de supostamente adquiridos e pagos, deixam de ser entregues aos compradores, que, na maioria das vezes em que tais situações ocorrem, não arcam com nenhum tipo de prejuízo, que acaba sendo suportado pela empresa responsável pela intermediação da venda.
Os delitos contra a honra praticados através da rede mundial de computadores também aumentou de forma considerável, pois os ofensores, ao escolherem tal forma para denegrir a imagem de seus desafetos, não só intensificam a potencialidade da divulgação da ofensa, como também aumentam a chance do crime não ser descoberto, já que quase sempre se escondem por detrás de perfis falsos criados nas redes sociais.
Muito embora esse cenário de crimes virtuais já venha sendo delineado há alguns anos, poucas foram as medidas adotadas pelo legislativo para coibir a prática desses crimes.
A criação, em 30 de novembro de 2012, da Lei 12.737/2012, que ficou conhecida como Lei Carolina Dieckman, na medida em que foi a divulgação, em maio do mesmo ano, de fotos intimas da referida atriz na rede mundial de computadores — todas elas obtidas após invasão do computador pessoal dela — que motivou a elaboração do diploma legal, contribuiu muito pouco para coibir a prática dos delitos virtuais.
Isso porque, o legislador, como já é de costume, ao redigir os três crimes acrescentados ao Código Penal pela aludida lei[1], além de o fazer de forma extremamente confusa, vaga e genérica, tornando extremamente difícil a efetiva configuração de qualquer um desses delitos, trouxe reprimendas muito brandas para o agente que comete qualquer um destes ilícitos.
A Lei 12.965/2014, também conhecida como Marco Civil da Internet, muito embora não tenha tratado especificamente dos delitos praticados na rede mundial de computadores, trouxe diversos direitos e deveres para seus usuários, os quais acabam por influenciar o andamento de diversos inquéritos policias
Uma das maiores inovações trazidas pelo diploma legal acima mencionado está, sem sombra de dúvidas, relacionada a proteção, por parte dos servidores, dos dados pessoais dos usuários
Enquanto o artigo 10, § 3º, da Lei 12.965/2014, dispõe que as autoridades administrativas podem requisitar diretamente a qualificação pessoal, filiação e endereço dos usuários, existem diversos outros registros de conexão, como, por exemplo, o internet protocol, que, de acordo com os artigos 5º, inciso VI e 13, § 5º, ambos da lei em comento[2], somente deverão ser fornecidos depois que a autoridade policial ou o Ministério Público”requerer judicialmente o acesso a tais dados, no prazo de 60 (sessenta) dias, Importante destacar que os provedores não devem fornecer os registros mediante requerimento das autoridades policiais, administrativas, ou do Ministério Público, mas aguardar ordem ou mandado judicial.”[3]
Esse fato — necessidade de autorização judicial para fornecimento deinternet protocol — tem feito com que diversos inquéritos policias instaurados para investigar fraudes e crimes contra a honra praticados na internet se arrastem no tempo quando poderiam ser concluídos de forma rápida e célere.
Pois bem. Essa semana, a Comissão Parlamentar de Inquérito dos Crimes Cibernéticos, criada, em 17 de julho de 2015, em virtude da operação deflagrada um ano antes pela Polícia Federal para desarticular uma quadrilha responsável por desviar mais de R$ 2 milhões pertencentes à correntistas de variadas instituições financeiras, irá se reunir o relatório final apresentado pelo deputado Espiridião Amin (PP SC), o qual traz inúmeras medidas para coibir a prática dos delitos praticados na internet.
Uma das absurdas medidas até então contidas no relatório previa que os provedores de internet, uma vez notificados pelos ofendidos, seriam obrigados, independentemente de autorização judicial, a retirar, em 48 horas, conteúdos ofensivos dirigidos contra eles. Felizmente, após muita pressão da sociedade civil, o Esperidião Amin voltou atrás e manteve o texto contido no Marco Civil da Internet e, por conseguinte, a necessidade de ordem judicial para retirada de conteúdo deste tipo.
Outra absurda medida contida no relatório é de que os crimes praticados na internet, quando possuírem repercussão interestadual ou transnacional, sejam investigados pela Polícia Federal, ainda que as condutas não tenham atentado contra bens ou interesses da união, já que a Polícia Civil não dispõe de aparatos suficientes para realizar este tipo de investigação.
Ao sugerir tamanho disparate, o deputado Espiridião Amin está declarando, explicitamente, que é preferível rasgar o texto da Constituição Federal do que investir em equipamento e pessoal necessário para a Polícia Civil investigar qualquer delito que seja, com o que, por óbvio, não podemos concordar.
Não há, sobretudo no atual cenário vivido pelo Brasil, como aceitarmos mais “poeira varrida para debaixo do tapete”!
Não obstante as críticas tecidas acima, que não são as únicas, somente as principais, duas das medidas contidas no relatório acima merecem nossos aplausos. A primeira delas trata, justamente, da possibilidade das autoridades investigativas, quando houver investigação criminal em curso, requisitarem, independente de autorização judicial, endereços de internet protocol diretamente aos provedores.
Como já abordado anteriormente, inúmeras são as investigações criminais que somente não são concluídas de forma significativamente mais célere em virtude da demora no fornecimento do internet protocol e, por conseguinte, da identificação da autoria delitiva.
Importante ressaltar, conforme posicionamento firmado em outros artigos de nossa autoria, que tal discricionariedade por parte da polícia, do Ministério Público e das autoridades administrativas, somente deve ter lugar quando já existirem indícios suficientes da prática criminosa, caso contrário, a adoção de tais medidas configura flagrante violação aos sagrados e constitucionais direitos à privacidade e intimidade.
Nos agrada, também, a proposta da alteração do artigo 154-A do Código Penal, já que o texto atual — vago e genérico — dificulta a possibilidade da efetiva comprovação do delito e, por óbvio e conseguinte, de condenação pela prática do delito de invasão ao dispositivo alheio.
A redação proposta no relatório a ser aprovado pela CPI[4], ao contrário da atual redação, não exige, para a configuração do crime, a efetiva violação do dispositivo de segurança, assim como dispensa a exigência do dolo especifico de “obter, adulterar ou destruir dados ou informações sem autorização expressa ou tácita do titular do dispositivo ou instalar vulnerabilidades para obter vantagem ilícita”, tornando, assim, mais efetiva a proteção ao bem jurídico tutelado pelo delito.
Como se vê, ainda existe um longo e tortuoso caminho a ser percorrido para extirpar, ou ao menos diminuir, a prática dos delitos virtuais, cabendo ao legislativo a tarefa de estabelecer medidas efetivas para que um dia isto aconteça
Autor: Daniel Allan Burg é sócio do Burg Advogados Associados, pós-graduado em Direito Penal e Processual Penal Econômico pela Escola de Direito do Brasil.