Autores: Rodrigo Martone e Flávio Amorim (*)
Em vigor desde o dia 18 de março de 2016, a Lei 13.105/2015 instituiu o novo Código de Processo Civil brasileiro. Democrático, o projeto de lei que deu origem ao novo CPC foi intensamente debatido pela sociedade brasileira: foram mais de cinco anos de discussões, inúmeras audiências públicas, foram recebidas e acolhidas sugestões de professores, juristas, entidades de classe e associações, visando a alcançar um modelo normativo processual que considerasse as diretrizes da Constituição Federal de 1988 e possibilitasse uma prestação jurisdicional mais célere, efetiva, eficiente, respeitando a proteção à segurança jurídica, unidade da interpretação das leis e a razoável duração do processo.
Com o desafio de tornar o processo mais eficiente e efetivo, buscou-se atender o princípio constitucional da razoável duração do processo. Afinal, a eficiência da tutela jurisdicional ocorre quando sua entrega se dá em momento hábil, de modo que a lide seja resolvida a tempo. Morosa, a justiça pode tornar-se ineficaz. Assim, para ser eficaz, o processo judicial deve ser célere, coibindo-se os expedientes protelatórios da parte adversa para obstar o resultado final, sem sacrificar a qualidade da decisão judicial, o contraditório e a ampla defesa e ferir a segurança jurídica.
Essa busca pela celeridade no processo judicial não é recente e há alguns anos chegou a ser alçada à categoria de princípio de constitucional por intermédio da Emenda Constitucional 45/2004, que incorporou o inciso LXXVIII ao artigo 5º da Constituição Federal, para assegurar a todos, no âmbito judicial e administrativo, a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.
Sob essa ideologia norteadora de conferir maior celeridade à prestação da justiça e buscar instrumentos capazes de reduzir o número de demandas e recursos que tramitam no Poder Judiciário, que foi inclusive positivada no texto normativo em seus artigos 4º, 6º e 139, inciso II, o novo CPC instituiu uma série de inovações ao sistema processual brasileiro: simplificação e limitação de recursos, majoração dos honorários sucumbenciais, instituição de sucumbência recursal, otimização dos mecanismos de uniformização jurisprudencial, previsões mais específicas para multas por recursos protelatórios, dentre outras.
Dentre as inúmeras inovações, acreditamos que o novo regramento do agora denominado Agravo Interno, o antigo Agravo Legal, será uma das que, na prática, mais contribuirá para o encurtamento do trâmite processual. Previsto pelo artigo 1.021 do novo CPC, o Agravo Interno é o recurso cabível contra decisão monocrática proferida pelo relator visando a levar a discussão de determinado tema ao órgão colegiado do tribunal.
Sob a vigência do CPC de 1973, esses recursos tornaram-se “automáticos”, por assim dizer, na prática judicial tributária. Isso porque diante da negativa de seguimento ao recurso “manifestadamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior” (artigo 557, caput, do CPC/1973), a parte inconformada poderia interpor agravo ao órgão competente para o julgamento.
Embora já houvesse a previsão de multa entre 1% e 10% do valor corrigido da causa para agravos julgados manifestadamente inadmissíveis ou infundados no CPC/1973 (artigo 557, § 2º), nem sempre esses recursos eram, na prática, julgados inadmissíveis. Neste aspecto, o novo CPC inovou ao estabelecer a multa também para agravos internos julgados improcedentes em votação unanime, em decisão fundamentada.
Apesar de a inovação parecer sutil em uma primeira análise, na vigência do novo CPC, os litigantes deverão atentar-se ao majorado risco da aplicação de multa, já que muitas vezes — senão na maioria — os agravos legais eram julgados por decisão unânime do colegiado, que, via de regra, seguia o mesmo entendimento do relator. Vale ainda ressaltar que para que a parte recorra dessa decisão, será necessário o depósito prévio do valor da multa, sob pena de os recursos aos tribunais superiores terem sua marcha contida. Em discussões tributárias, que com frequência envolvem elevados valores, as multas nestas hipóteses sempre serão aplicadas em altos patamares.
Agora, certamente a interposição do agravo interno não será “automática”, mas limitada tão-somente para casos em que há um inconformismo razoável e justificado com a decisão monocrática, o que acarretará numa redução dos casos levados à discussão nas instâncias superiores e, consequentemente, no encurtamento do processo judicial tributário.
Além disso, considerando que o novo CPC estabelece mecanismos de estabilização da jurisprudência e valorização dos procedentes, o esperado é que, cada vez mais, os recursos fundados em matérias já analisadas pelos tribunais superiores sejam decididos por decisões monocráticas em segunda instância. Da mesma forma, o relator no STJ ou STF poderá julgar monocraticamente e não precisará levar casos que discutem matéria já consolidada pela Corte ao colegiado.
No que diz respeito aos mecanismos de estabilização jurisprudencial, o novo CPC estabelece em seu artigo 926 que os tribunais deverão uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente, de modo que não haja dissídio jurisprudencial interno sobre questões idênticas. Na mesma linha, o artigo 927 valoriza os precedentes dos tribunais superiores ao determinar que estes deverão ser observados pelos juízes e desembargadores.
Dentre as novidades, também destacam-se os Incidentes de Assunção de Competência e o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas. Esta tem o objetivo de proteger a isonomia e a segurança jurídica ao julgar em “blocos” processos repetidos que tratem da mesma matéria. Aquela, por sua vez, prevê a possibilidade de o relator, no julgamento de relevante questão de direito, com grande repercussão social e sem múltipla repetição, propor a assunção de competência para julgá-lo por órgão colegiado.
Com o sucesso dessas ferramentas de estabilização e uniformização de jurisprudência no ordenamento jurídico brasileiro, uma grande quantidade de processos será julgada ao mesmo tempo, de modo que o Poder Judiciário poderá acelerar os julgamentos dos processos em curso e descongestionar seus estoques de processos. Ferramentas que indubitavelmente trarão celeridade ao processo judicial.
Na vigência do novo CPC, como há uma crescente ampliação do procedimento eletrônico, um dos fatores que contribui para a lentidão da marcha processual acabam sendo eliminados. As etapas processuais a que Humberto Theodoro Junior denomina “mortas” consistem em momentos em que o processo é atravancado pela não tomada de decisões ou pela omissão de despachos, ou quando os processos ficam parados nos escaninhos das serventias dos juízos ou nos gabinetes dos magistrados. Como no processo eletrônico muitos desses atos passaram a ser automatizados, como a juntada de petições, autuação, vista dos autos, remessa dos recursos, citações e intimações, a ausência de infraestrutura física e de recursos humanos nas serventias acaba sendo mitigada, o que também contribui para o encurtamento do processo judicial.
No que se refere aos recursos, a simplificação recursal trazida pelo novo CPC, principalmente no que diz respeito às agora taxativas hipóteses de interposição de Agravo de Instrumento, também poderá agilizar a prestação jurisdicional. Se no CPC/1973 as partes podiam interpor esse recurso contra toda e qualquer decisão interlocutória em primeira instância, no novo CPC, o Agravo de Instrumento apenas pode ser interposto nas hipóteses do rol estabelecido pelo artigo 1.015.
E o novo CPC conseguirá, finalmente, tornar o processo judicial brasileiro célere, combatendo todas as causas de morosidade? Embora não se possa deixar de dar o devido mérito à inovação legislativa, é certo que a morosidade do processo decorre de inúmeros fatores além da norma procedimental em si, como a ainda tímida utilização de mecanismos alternativos de solução de controvérsias — que provavelmente passarão a ser mais utilizados —, a falta de servidores e recursos materiais suficiente, o excesso de processos para os juízes julgarem, dentre outros fatores que não dependem da promulgação de uma nova lei processual.
Nesse contexto de trânsito processual mais célere, é salutar que os contribuintes estejam preparados, uma vez que o encurtamento do processo judicial tributário certamente impactará as contingências tributárias, notadamente a revisão precoce das provisões contábeis e a execução mais rápida das garantias do valor do crédito tributário que são ofertadas pelas companhias em juízo.
Autores: Rodrigo Martone é associado da área tributária do escritório Pinheiro Neto Advogados.
Flávio Amorim é associado da área tributária do escritório Pinheiro Neto Advogados.