Autor: Rogerio Zanetta (*)
O Conselho Municipal de Tributos de São Paulo(CMT) foi criado por meio da Lei Municipal 14.107, de 12 de dezembro de 2005, na qualidade de órgão colegiado destinado a julgar processos administrativos tributários em segunda instância no município de São Paulo.
Vale ressaltar que o CMT é um tribunal administrativo relativamente novo se comparado ao Tribunal de Impostos e Taxas do Estado de São Paulo (TIT), criado em 5 de junho de 1935 com o objetivo de dirimir controvérsias envolvendo tributos estaduais, ou ao Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), criado em 4 de setembro de 1924 com o objetivo de dirimir controvérsias envolvendo tributos federais.
A rigor, tais tribunais administrativos tendem a evoluir com a finalidade de trazer maior segurança, celeridade e imparcialidade na condução de processos, o que pressupõe que os julgadores detenham total autonomia para decidir as questões a eles submetidas, sem a interferência de outras autoridades.
A iniciativa para criação do CMT atendeu a uma antiga aspiração dos contribuintes[1] e teve a precípua finalidade de assegurar a revisão das decisões proferidas em primeira instância. Cada Câmara Julgadora do CMT é paritária e composta por seis conselheiros, sendo três representantes da Prefeitura do Município de São Paulo e três representantes dos contribuintes.
Não obstante a paridade garantida nos julgamentos, verifica-se que o CMT possui a tendência de manter o crédito tributário constituído pelas autoridades fiscais. Segundo dados divulgados em abril de 2016 no relatório anual do contencioso fiscal emitido pelo próprio município de São Paulo, no ano de 2015 foram encerrados definitivamente 11.714 processos administrativos, sendo que 10.830 processos administrativos foram mantidos, 248 foram retificados e 636 foram cancelados integralmente. Isso significa dizer que o baixíssimo índice de cancelamento de autuações na esfera administrativa no município de São Paulo gira em torno de 6%[2].
A dificuldade de atuação por parte dos contribuintes perante o município de São Paulo, no entanto, tende a aumentar na medida em que alguns conselheiros do CMT vêm interpretando que a emissão de Parecer Normativo por parte do secretário Municipal de Finanças e Desenvolvimento Econômico os obrigaria a se curvar a essa posição quando do julgamento de determinada matéria, conforme tem ocorrido nos julgamentos envolvendo a discussão do ISS na exportação de serviços[3].
Em breve resumo, o artigo 156, III, da Constituição Federal autoriza os municípios a instituírem o Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS), de modo que cabe à Lei Complementar fixar as regras pertinentes à cobrança deste imposto e determinar a exclusão de sua incidência às exportações de serviços para o exterior, in verbis:
“Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre: (…)
III – serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos em lei complementar. (…)
§3º. Em relação ao imposto previsto no inciso III do caput deste artigo, cabe à lei complementar: (…)
II – excluir da sua incidência exportações de serviços para o exterior.”
Para atender ao comando constitucional, foi editada a Lei Complementar 116/2003, que em seu artigo 2º, I, e parágrafo único, estabelece que o ISS não incide sobre as exportações de serviços nas hipóteses em que o resultado se verificar no exterior, ainda que o serviço seja prestado no Brasil. Confira-se:
“Art. 2º O imposto não incide sobre:
I – as exportações de serviços para o exterior do País; (…)
Parágrafo único. Não se enquadram no disposto no inciso I os serviços desenvolvidos no Brasil, cujo resultado aqui se verifique, ainda que o pagamento seja feito por residente no exterior.”
Tal dispositivo foi regulamentado pelo município de São Paulo por meio do artigo 2º, I, e parágrafo único, do Decreto 53.151, de 17 de maio de 2012, que contém idêntica redação do comando legal acima transcrito.
Destaque-se, no que diz respeito ao “local onde se verifica o resultado do serviço”, se no Brasil ou no exterior, que essa questão é deveras discutível e ainda não existe um entendimento jurisprudencial pacificado perante nossos tribunais pátrios (TJ, STJ e STF) sobre se este “resultado” deva retratar a conclusão do serviço ou a produção dos seus efeitos.
Muito embora a questão ainda não esteja solucionada, o Secretário Municipal de Finanças e Desenvolvimento Econômico editou o Parecer Normativo SF 2, de 26 de abril de 2016 para, monocraticamente, interpretar, aos olhos do Fisco, o local onde ocorre o resultado na exportação de serviço, tendo concluído que nesta hipótese o resultado envolve sua própria conclusão e, portanto, sempre se dará no Brasil. Confira-se o teor:
“Art. 1° – Considera-se “resultado”, para fins do disposto no parágrafo único – do artigo 2° da Lei n° 13.701, de 24 de dezembro de 2003, a própria realização da atividade descrita na lista de serviços do artigo 1° da Lei n° 13.701, de 24 de dezembro de 2003, sendo irrelevante que eventuais benefícios ou decorrências oriundas dessa atividade sejam fruídos ou verificados no exterior ou por residente no exterior.
§1° – O resultado aqui se verifica quando a atividade descrita na referida Lista de Serviços se realiza no Brasil.
§2° – Não se considera exportação de serviço a mera entrega do produto nele decorrente, tais como relatórios ou comunicações, bem como procedimentos isolados realizados no exterior que não configurem efetiva prestação dos serviços em território estrangeiro.
§3° – No caso de serviços de duração continuada, considera-se proporcionalmente realizada a prestação dos serviços com o cumprimento de sua etapa mensal.
Art. 2° – Este Parecer Normativo, de caráter interpretativo, revoga as disposições em contrário, especialmente as Soluções de Consulta antes da data da publicação deste ato, independentemente de comunicação aos consulentes.”
Considerando que a publicação do Parecer Normativo foi veiculada noDiário Oficial do município em 27 de abril de 2016, alguns julgadores do CMT têm entendido que estão vinculados ao ato, o que os impediria de julgar em sentido diverso.
Vale mencionar que a Colenda 1ª Câmara Julgadora inclusive tinha um posicionamento favorável à matéria[4], porém, em julgamento realizado no dia 20 de maio de 2016, restou decidido, pelo voto de desempate da presidente Luciana Xerfan Maranhão de Mello, pela manutenção da autuação fiscal, uma vez que os conselheiros estariam obrigados a aplicar o Parecer Normativo.
Não obstante esse julgamento, o CMT decidiu no último dia 23 de maio de 2016 pela realização de uma consulta perante a própria Secretaria de Finanças do Município de São Paulo para questionar os limites do referido Parecer Normativo 2, sobrestando-se todos os processos em trâmite até que exista uma resposta formal.
Contudo, ainda que essa consulta não tenha sido respondida, desde já é importante deixar claro que a interpretação no sentido de que eventual decisão da Secretaria de Finanças obrigando o CMT a aplicar o entendimento do Parecer Normativo caracterizaria flagrante insegurança jurídica e prejuízo aos contribuintes, que se veriam impedidos de atuar junto ao tribunal administrativo.
Na prática, caso o secretário Municipal de Finanças entenda que o Parecer vincula os julgadores do CMT, a discussão administrativa nestes casos ficará limitada tão somente a questões formais do lançamento, decadência, etc., uma vez que o mérito não mais será analisado, fazendo com que os contribuintes sejam obrigados a ajuizar medida judicial ou aguardar execução fiscal para oferecimento de embargos, sujeitando-se à apresentação de garantia e ao recolhimento de custas processuais.
É importante mencionar que qualquer tentativa de barrar a atuação do CMT por mero ato da Secretaria Municipal ofende garantias fundamentais dos contribuintes, tais como segurança jurídica, devido processo legal, contraditório e ampla defesa, até mesmo porque as principais características do órgão de julgamento administrativo são a sua autonomia e independência, as quais seriam afastadas caso os Conselheiros ficassem obrigados a seguir a interpretação de outras autoridades fiscais.
Aliás, a independência do CMT foi ressalvada no próprio artigo 52 da Lei 14.107/2005 que o criou, sendo a pedra basilar deste Tribunal Administrativo, a saber:
“Art. 52. Fica criado o Conselho Municipal de Tributos, órgão integrante da Secretaria Municipal de Finanças, composto por representantes da Prefeitura do Município de São Paulo e dos contribuintes, com independência quanto à sua função de julgamento.”
Vale reproduzir ainda o teor do artigo 1º do Decreto 54.800, de 29 de janeiro de 2014, que regulamentou a Lei 14.107, de 12 de dezembro de 2005:
“Art. 1º O Conselho Municipal de Tributos, criado pela Lei nº 14.107, de 12 de dezembro de 2005, é órgão colegiado judicante, diretamente subordinado ao Secretário Municipal de Finanças e Desenvolvimento Econômico e independente quanto à sua função de julgamento, que tem por finalidade o julgamento, em grau de recurso e em caráter definitivo, dos processos administrativos fiscais decorrentes de impugnação de notificação de lançamento ou de auto de infração relativos a tributos administrados pela Secretaria Municipal de Finanças e Desenvolvimento Econômico, bem como a tributos abrangidos pelo Regime Especial Unificado de Arrecadação de Tributos e Contribuições devidos pelas Microempresas e Empresas de Pequeno Porte – Simples Nacional, lançados na conformidade do que dispõe o Capítulo IV da Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006, por Auditor-Fiscal Tributário Municipal.”
Importa consignar que o argumento no sentido de que o CMT estaria vinculado ao Parecer Normativo contraria a “independência” prevista no artigo 52 da Lei 14.107/2005 e no artigo 1º do Decreto 54.800/2014, bem como que, ainda que a previsão de “subordinação” hierárquica tenha sido incluída no Decreto 54.800/2014, isso em momento algum faz com que o CMT perca a “independência” quanto à sua função de julgamento.
Caso os Conselheiros fiscais e contribuintes entendam por mencionar o Parecer Normativo em seu voto, poderão fazê-lo, o que não significa dizer que estão obrigados a adotá-lo como razão de decidir sob pena de o CMT estar impedido de atuar livremente.
Sendo assim, ao afastar-se a possibilidade de os contribuintes discutirem questões na esfera administrativa ocorreria um retrocesso ao próprio desenvolvimento evolutivo do CMT, cuja independência e autonomia devem ser respeitadas, sendo certo que, a partir do momento que o Secretário Municipal de Finanças e Desenvolvimento Econômico estiver autorizado a impedir, por meio de simples Parecer Normativo, o tribunal de desenvolver suas atividades de julgamento, tais características estariam imediatamente comprometidas em flagrante violação aos direitos e garantias fundamentais dos contribuintes.
Autor: Rogerio Zanetta é advogado especializado em Contencioso Tributário.