Autor: Felipe de Carvalho Bricola (*)
O setor de infraestrutura — sabidamente — é carente no Brasil, circunstância que resulta agravada diante da atual crise sistêmica, em que as grandes empresas do segmento vêm suportando relevantes dificuldades, sobretudo na captação de recursos no mercado para a consumação dos investimentos necessários e previstos nos respectivos contratos.
Nesse sentido, no cenário vigente, somente uma instituição financeira é capaz de ofertar empréstimos de Longo Prazo (LP) para as empresas do setor privado, qual seja, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
No entanto, o prazo transcorrido entre o enquadramento de determinado empréstimo de Longo Prazo (LP) e o seu correspondente desembolso poderá ser consideravelmente longo, o que, no limite, impacta as próprias obrigações contratuais assumidas pelas empresas responsáveis pela construção, operação e manutenção de determinada infraestrutura.
Daí a figura jurídica do empréstimo ponte, onde as empresas estruturam operações com a finalidade de obter financiamentos perante as instituições financeiras de primeira linha, vinculando-se o pagamento de tais empréstimos ponte aos futuros desembolsos (take outs) dos empréstimos de Longo Prazo do BNDES.
Todavia, o mercado de captação de recursos está árido no Brasil, especialmente quando o captador consiste em empresa de infraestrutura, que são praticamente compelidas ao pagamento de taxas de juros elevadíssimas, além de aceitarem cláusulas contratuais absolutamente leoninas, as quais podem, no limite, servir como fundamento para a declaração de vencimento antecipado das respectivas dívidas.
Eis que, nesse cenário conturbado, surge uma ideia importante, que poderá, no mínimo, endereçar de maneira diferente esta preocupação.
Atualmente, em alguns países do mundo, como é o caso do Japão (exemplificativamente), há a possibilidade de captação de recursos com taxa de juros zerada ou mesmo negativa, fator que certamente geraria importante desoneração às companhias captadoras.
Tratar-se-ia de grande oportunidade, caso não houvesse o clássico risco cambial. Então, quais seriam as alternativas para mitigação de tal risco?
O mercado oferta o hedge, como mecanismo capaz de preservar a cotação de determinada moeda em métrica financeira previamente fixada, evitando-se assim uma onerosidade excessiva e imprevista na liquidação das obrigações. Em regra, o custo desta proteção — hedge — é alto e impacta diretamente na taxa de retorno dos acionistas.
Com efeito, segue alternativa inovadora para propiciar a solução da celeuma: o hedge tributário.
Em linhas gerais, o hedge tributário consistiria, precipuamente, na possibilidade de as empresas serem desoneradas das obrigações fiscais vincendas, devidas à Secretaria da Receita Federal do Brasil, na hipótese haver valorização cambial da moeda em que foi firmado o empréstimo ponte, preservando-se assim a precificação aventada quando da efetiva celebração da operação financeira.
Exemplificativamente, a situação seria a seguinte: determinada empresa sagra-se vencedora em certame licitatório e, quando da adjudicação (assinatura do contrato), fica obrigada a realizar uma série de investimentos, nos termos do contrato firmado. Exsurge, assim, a necessidade de captação de recursos para fazer frente aos aludidos investimentos, hipótese em que esta empresa busca, no mercado internacional, condições melhores de captação. Posteriormente, ainda em nosso exemplo, suponhamos que a pessoa jurídica em comento consiga estruturar uma operação financeira junto à banco japonês, ou seja, os recursos seriam desembolsados em Ienes (moeda japonesa) — eis o empréstimo ponte.
Nesse cenário, imaginemos que, na data de celebração do empréstimo ponte, o Iene estivesse valorado em aproximadamente R$ 0,033 (trinta e três milésimos de real) e, meses depois, quando do desembolso do empréstimo de Longo Prazo do BNDES, a moeda tenha experimentado majoração, circunstância esta que impactaria na liquidação do empréstimo.
Todavia, no conceito da ideia ora ventilada, o hedge tributário seria, de fato, a salvação da lavoura, na medida em que esta valorização cambial estaria salvaguardada pela desoneração das exações (obrigações tributárias) vincendas, até o limite do prejuízo que seria suportado por ocasião da majoração experimentada no valor da moeda.
A pergunta natural e subsequente seria: nesse cenário, não estaríamos admitindo uma renúncia fiscal? A resposta é simples e categórica, não!
Vejam que não há o que se falar em renúncia no caso concreto, na medida em que a Receita Federal somente arrecadaria tais tributos em decorrência da própria construção e operação da infraestrutura, que existe justamente porque foi firmado o aludido empréstimo ponte.
Ou seja, não haveria exação a recolher sem a efetivação do empréstimo ponte, o que permite concluir, sem maiores digressões, que não subsistiria hipótese digna de ser caracterizada como renúncia fiscal.
Obviamente, tal mecanismo, para funcionar com segurança jurídica, depende da elaboração de lei específica.
O que não resta dúvida é que a sistemática promoveria uma competitividade maior entre as instituições financeiras financiadoras, o que poderia e deveria desdobrar em condições comerciais melhores para as empresas tomadoras dos empréstimos.
O mercado agradeceria, a competitividade seria fomentada e o retorno das empresas seria maximizado.
O Brasil precisa de ideias que permitam otimizar o fluxo de investimentos no setor de infraestrutura, sob pena de a atual crise tornar o setor ainda mais vazio, o que assolaria severamente a nossa sociedade.
Autor: Felipe de Carvalho Bricola é advogado.