Enunciado do Fonaje sobre contagem de prazos causa insegurança jurídica

Autora: Paula de Paiva Santos (*)

 

O Fonaje (Fórum Nacional de Juizados Especiais) tem tido grande relevância para o ordenamento jurídico brasileiro, na publicação e divulgação de Enunciados interpretativos da Lei 9.099/1995 (Lei dos Juizados Especiais) e na busca por uma aplicação uniforme da referida lei em todo o território nacional.

Assim, nas palavras de Erick Linhares[1]: “Por conseguinte para qualquer operador do direito, não é desconhecida a influência que seus enunciados exercem. Ela se verifica em todos os ramos e em todos os níveis, sendo responsável por inegáveis avanços na Lei 9.099/1995.”

Na busca por mais uma interpretação da Lei 9.099/1995, o Fonaje, então, editou o Enunciado 13 que dispõe: “Os prazos processuais nos Juizados Especiais Cíveis, contam-se da data da intimação ou ciência do ato respectivo, e não da juntada do comprovante da intimação, observando-se as regras de contagem do CPC ou do Código Civil, conforme o caso” (nova redação; XXI Encontro — Vitória).

Segundo a doutrina o Enunciado 13 do Fonaje foi formulado com base no que “é mais condizente com os preceitos da celeridade e econômica processual que inspiram o procedimento sumaríssimo[2]” e tem como base jurídica o artigo 42 da LJE que dispõe:

Art. 42. O recurso será interposto no prazo de dez dias, contados da ciência da sentença, por petição escrita, da qual constarão as razões e o pedido do recorrente.

§ 1º O preparo será feito, independentemente de intimação, nas quarenta e oito horas seguintes à interposição, sob pena de deserção.

Posteriormente, grande parte dos juizados especiais de todo o país utilizaram-se do referido enunciado, para contar o início dos prazos da citação como sendo o da data da ciência do respectivo ato, e não pela juntada do AR nos autos.

Mas o que diz a Lei 9.099/1995 sobre o início da contagem do prazo da citação? A referida lei é silente nesse ponto. E apenas disciplina em seu art. 18:

Art. 18. A citação far-se-á:
I – por correspondência, com aviso de recebimento em mão própria;

Ora, se a lei é silente quanto ao início, aplica-se subsidiariamente a regra disposta no Código de Processo Civil, que determina que a contagem se inicie a partir da juntada do aviso de recebimento nos autos, artigo 241[3], inciso I do Código de Processo Civil de 1973 e artigo 231, inciso I do Novo Código de Processo Civil.

Apesar da Lei 9.099/1995 apenas mencionar expressamente a aplicação do CPC na sua parte executória (artigo 52 e 53) é uníssono pela doutrina e pela jurisprudência a aplicação do Código de Processo Civil de forma subsidiária aos juizados especiais.

Se é assim, a conclusão mais lógica seria a aplicação do Código de Processo Civil sempre que houver alguma lacuna na Lei 9.099/1995. Mas o que vem ocorrendo nos juizados é a aplicação do Enunciado, mesmo que em detrimento do Código de Processo Civil.

Parte da doutrina entende que o enunciado está de acordo com os princípios da oralidade e da formalidade dos Juizados Especiais, e que o controle do efetivo início da contagem do prazo é desnecessário no procedimento da Lei 9.099/95[4].

Por outro lado, a busca pela celeridade e simplicidade dos processos nos juizados especiais, não pode determinar a violação dos princípios da ampla defesa e do contraditório. Sabe-se, ainda que na prática, a aplicação do referido Enunciado pode causar prejuízos as partes, levando-os à revelia. Sobre isso ensina Fernando e Joel[5]:

Ocorre que a citação é o mais importante ato destinado à formação da triangularidade do processo e. por conseguinte, voltado à instauração do contraditório em sua plenitude, viabilizando de maneira cabal o direito constitucional de defesa. Por esse motivo é que o ato citatório dever revestir-se de todas as formalidades e garantias necessárias para evitar da ausência de defesa, terminando por incidir a revelia. Nesse caso, estaremos diante de um processo absolutamente nulo (relação processual inexistente) por falta de citação.

Vale lembrar ainda que o enunciado é posição doutrinária e não tem força de lei e sua aplicação em confronto com o disposto no Código de Processo Civil causa insegurança jurídica junto aos juizados especiais. Recorda-se ainda que nem todo juizado aplica os referidos enunciados. Assim, a aplicação do Código de Processo Civil seria o mais adequado juridicamente, devendo os enunciados servirem apenas como base de apoio interpretativo, e não como uma “nova lei”.

 

 

 

 

Autora: Paula de Paiva Santos é advogada e pós-graduada em Direito do Consumidor e Processo Civil. Aluna especial do mestrado da Universidade de Brasília (UnB).


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