PPI sinaliza mudanças positivas para licenciamento ambiental

Autores: Édis Milaré, Lucas Tamer Milaré, Rita Maria Borges Franco, Roberta Jardim de Morais e Priscila Artigas (*)

 

No último dia 12 de maio, foi publicada no Diário Oficial da União a Medida Provisória 727/2016, que criou o Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), destinado à ampliação e ao fortalecimento da interação entre o Estado e a iniciativa privada, por meio da celebração de contratos de parceria para a execução de empreendimentos públicos de infraestrutura e de outras medidas de desestatização.

Um dos primeiros atos oficiais do presidente interino Michel Temer (PMDB), o ato foi visto como uma resposta aos anseios manifestados pelo setor privado, no sentido de sinalizar as ações que se pretende empregar para dar início ao processo de recuperação da economia nacional.

Tido, por alguns, como uma versão atualizada do Programa Nacional de Desestatização (PND), do governo Fernando Henrique Cardoso, e do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), dos governos Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, o PPI causou boa impressão.

Seus objetivos, destacados no artigo 2°, remetem: (i) à ampliação as oportunidades de investimento e emprego e estimular o desenvolvimento tecnológico e industrial, em harmonia com as metas de desenvolvimento social e econômico do País; (ii) à garantia da expansão com qualidade da infraestrutura pública, com tarifas e preços adequados; (iii) à promoção de ampla e justa competição na celebração das parcerias e na prestação dos serviços; (iv) à  segurança de estabilidade e segurança jurídica, com garantia de mínima intervenção nos negócios e investimentos; e (iv) ao fortalecimento do papel regulador do Estado e a autonomia das entidades estatais de regulação.

No que toca aos aspectos concernentes ao licenciamento ambiental dos projetos previstos no PPI, merece destaque a previsão contida no artigo 18 da referida MP 727/2016, segundo a qual: “Os órgãos, entidades e autoridades estatais, inclusive as autônomas e independentes, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios, com competências de cujo exercício dependa a viabilização de empreendimento do PPI, têm o dever de atuar, em conjunto e com eficiência, para que sejam concluídos, de forma uniforme, econômica e em prazo compatível com o caráter prioritário nacional do empreendimento, todos os processos e atos administrativos necessários à sua estruturação, liberação e execução.”.

Para tanto, “entende-se por liberação a obtenção de quaisquer licenças, autorizações, registros, permissões, direitos de uso ou exploração, regimes especiais, e títulos equivalentes, de natureza regulatória, ambiental, indígena, urbanística, de trânsito, patrimonial pública, hídrica, de proteção do patrimônio cultural, aduaneira, minerária, tributária, e quaisquer outras, necessárias à implantação e à operação do empreendimento.” (art. 18, § 1°).

No intuito de criar um ambiente favorável à aprovação prioritária dos empreendimentos insertos no PPI, é estabelecido ainda que “os órgãos, entidades e autoridades da administração pública da União com competências setoriais relacionadas aos empreendimentos do PPI convocarão todos os órgãos, entidades e autoridades da União, dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios, que tenham competência liberatória, para participar da estruturação e execução do projeto e consecução dos objetivos do PPI.” (art. 18, § 2°).

Não é de hoje que as regras atinentes ao licenciamento ambiental são alvo de críticas (algumas delas bem fundamentadas), de sorte que as propostas de alteração, mormente o Projeto de Lei 654/2015 e a Proposta de Emenda à Constituição 65/2012, a despeito das arestas relativas à inconstitucionalidade e ilegalidade de algumas de suas disposições, tem sua razão de ser.

De há muito precisamos (e com urgência) de regras claras, visando a proporcionar um ambiente de segurança, em que os custos e riscos possam ser avaliados com precisão. Incerteza e conflito não colaboram para o desenvolvimento nacional, e sim para a arbitrariedade e a corrupção. Ademais, há um efeito colateral em toda essa ineficiência. Isto é, transmite-se a impressão de que o respeito ao meio ambiente gera atrasos, como se fosse necessário certo descaso em relação a ele para que o Brasil pudesse crescer mais rápido. A culpa, portanto, não deve ser relacionada à preocupação ecológica, mas sim à burocracia, ampla e desconexa, alimentada pelas omissões do Poder Público (Burocracia verde. Em O Estado de S. Paulo, 28 de julho de 2014, p. A3).

O momento atual se mostra o mais favorável para que isso ocorra: depois da aprovação, em 2011, da Lei Complementar 140, estabelecendo um novo pacto federativo ecológico e definindo limites para as competências da União, estados, Distrito Federal e Municípios, é preciso, agora, dirimir dúvidas surgidas na sua aplicação prática.

Revela-se, portanto, inadiável uma mudança na legislação ambiental, capaz de dotar o país de um corpo de normas gerais para o licenciamento ambiental, sem invadir a seara e a autonomia dos demais entes federados. Uma lei que faça com que os órgãos licenciadores e coadjuvantes “falem a mesma língua”, evitem disputas corporativistas e atuações conflitantes como se instâncias decisórias paralelas fossem, num quadro de confusão institucional inaceitável.

Nesse contexto, o conteúdo do artigo 18 revela-se verdadeira ação afirmativa, num contexto de uma agenda positiva materializada pela MP 727/2016. Uma sinalização de que o governo federal pretende conferir agilidade ao licenciamento ambiental dos empreendimentos inseridos no referido programa.

De fato, para além do estabelecimento de ordem de prioridades, a referida MP 727/2016 prevê a criação de um foro de discussão do qual participarão os órgãos integrantes da Administração Pública Federal, Estadual, Distrital e Municipal com “competência liberatória”.

Por certo, a finalidade é criar um espaço para que os desencontros verificados comumente nos processos de licenciamento de empreendimentos de infraestrutura, especialmente aqueles que demandam manifestação de setores diversos, não impliquem demora injustificada em sua tramitação.

No ponto, cumpre esclarecer que, de forma consentânea com o que estabelece o artigo 225, § 1°, inciso IV, da Constituição Federal, a Política Nacional do Meio Ambiente, estabelecida na Lei Federal 6.938/1981, prevê em seu artigo 10[1](1) que os empreendimentos e as atividades considerados efetiva ou potencialmente poluidores, ou capazes de causar degradação ao ambiente, dependerão de prévio licenciamento ambiental.

Licenciamento ambiental, segundo a definição do inciso I do artigo 2º da Lei Complementar 140/2011 é “o procedimento administrativo destinado a licenciar atividades ou empreendimentos utilizadores de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente poluidores ou capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental”.

De fato, enquanto ação preventiva, indelegável e típica do Poder Executivo, fundada no poder de polícia, o licenciamento ambiental tem por objetivo preservar de riscos potenciais ou efetivos a qualidade do meio e a saúde da população, mediante o controle de qualquer empreendimento ou intervenção que altere desfavoravelmente as características dos elementos constitutivos e das condições naturais do ambiente.

Como procedimento complexo que é, o licenciamento desdobra-se em fases, iniciando-se por meio de solicitação do interessado, passando por etapas de análise de estudos ambientais, de pareceres de outros órgãos públicos, de audiências públicas, de posteriores complementações técnicas, até se chegar à expedição do ato final visado pelo procedimento, qual seja, a licença ambiental.

A título de exemplo, tome-se uma determinada obra de infraestrutura, em licenciamento perante o Ibama, a quem compete a análise e a emissão da respectiva licença ambiental, cujos impactos previstos demandem a manifestação do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, da Fundação Nacional do Índio – FUNAI, da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), da Agência Nacional de Águas, dentre outros.

Examinando o texto da MP 727/2016, tem-se que a aludida norma não tem o condão de criar novas regras para os processos de licenciamento ambiental, para além daquelas já previstas no ordenamento jurídico — merecendo destaque a Lei Federal 6.938/1981, a Lei Complementar 140/2011 e a Resolução Conama 237/1997 —, nem mesmo suplantar regras de competência estabelecidas a partir do que estabelece no texto constitucional. Dito às claras, as regras previstas hodiernamente não deixam de ter validade e força cogente.

Nessa linha, o que o artigo 18 da MP 727/2016 acena é para um foro de discussão ou um ponto de encontro em que estes órgãos irão participar da estruturação e da execução do projeto incluído no programa e consecução dos objetivos do PPI, no âmbito do qual esses diversos órgãos que atuam no licenciamento de empreendimentos de infraestrutura poderão discutir aspectos procedimentais e operacionais da análise desses processos, sem que isso, por óbvio, tenha efeito vinculativo à análise de mérito incumbida em regulamento a cada um desses entes.

Noutras palavras, a MP 727/2016, parece ter dado o primeiro passo nesse sentido, exigindo que os órgãos e entidades estatais, que tenham competência “liberatória” para a obtenção de quaisquer licenças, convoquem todos os coadjuvantes do processo para participar da estruturação e execução de projetos de interesse nacional (art. 18, §§ 1º, 2º e 3º). Bom caminho para o fim de dissenções que, amiúde, se assistem entre órgãos como Ibama, ICMBio, Iphan, Funai, FCP etc.

Assim, poder-se-ia conjecturar a entrega de tal atribuição disciplinadora ao Conselho de Governo, órgão superior do Sisnama (artigo 6º, inciso I, da Lei Federal 6.938/1981), que teria a competência de promover a coordenação entre as agências governamentais para a resolução de eventuais conflitos entre elas. Com isso, obviar-se-ia o papel meramente decorativo desse Conselho que, embora previsto como órgão de assessoramento imediato ao presidente da República, até o momento não teve qualquer atuação concreta na formulação de diretrizes da ação governamental relacionada ao meio ambiente.

Um dos possíveis resultados deste encontro poderá ser a definição conjunta, por exemplo, das linhas de base de Termos de Referência[2], para que os estudos apresentados pelo empreendedor atendam todas as possíveis exigências que cada qual dos órgãos intervenientes poderá vir a exigir quando instado a se manifestar sobre o projeto em análise, embora seja consabido que, na prática, o órgão ambiental licenciador inclui exigências suficientes para cobrir todas as áreas de conhecimento inseridas na discussão da viabilidade ambiental dos empreendimentos e atividades submetidos à sua análise.

Outra ideia que se aventa está relacionada ao estabelecimento em conjunto do momento adequado e dos prazos para análise de cada qual dos órgãos, a exemplo do que fez o artigo 191 do CPC/2015 quando estabeleceu que, de comum acordo, o juiz e as partes do processo pode fixar calendário para a prática de atos processuais.

De fato, ainda que sem efeitos concretos, diretos e perceptíveis nos prazos e nos procedimentos legais estabelecidos para os processos de licenciamento ambiental, a MP 727/2016, no que diz respeito às regras estabelecidas pelo artigo 18, acena para um ponto de discussão e convergência de ideias, visando alcançar o consenso possível sobre aspectos de divergência.

Por outro lado, ao criar nova instância de discussão, é possível que o mecanismo se torne ineficaz. Caberá ao Poder Executivo detalhar como pretende operacionalizar a forma como os órgãos legitimados irão participar da estruturação e execução do PPI, de forma que a ideia veiculada em seu artigo 18 possa surtir o efeito desejado.


[1] Art. 10. A construção, instalação, ampliação e funcionamento de estabelecimentos e atividades utilizadores de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente poluidores ou capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental dependerão de prévio licenciamento ambiental.”(Redação dada pela Lei Complementar nº 140, de 2011)
[2] O Termo de Referência é o instrumento pelo qual o órgão fixa os requisitos de conteúdo e metodologia que devem ser adotados na elaboração de estudos ambientais. É, portanto, a base orientadora para a realização de estudos ambientais.

 

 

 

 

 

 

Autores: Édis Milaré é advogado especialista em Direito Ambiental e membro da Comissão de Estudos do Meio Ambiente do Instituto dos Advogados de São Paulo.

Lucas Tamer Milaré é advogado especialista em Direito Ambiental e membro da Comissão de Estudos do Meio Ambiente do Instituto dos Advogados de São Paulo.

Rita Maria Borges Franco é advogada especialista em Direito Ambiental e membro da Comissão de Estudos do Meio Ambiente do Instituto dos Advogados de São Paulo.

Roberta Jardim de Morais é advogada especialista em Direito Ambiental e membro da Comissão de Estudos do Meio Ambiente do Instituto dos Advogados de São Paulo.

 Priscila Artigas  é advogada especialista em Direito Ambiental e membro da Comissão de Estudos do Meio Ambiente do Instituto dos Advogados de São Paulo.


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