Lei do Mandado de Injunção abre portas para sentenças aditivas

Autor: André Luiz Maluf (*)

 

A entrada em vigor da Lei 13.300/2016, que regulamenta o Mandado de Injunção Individual e Coletivo, foi extremamente celebrada no meio jurídico nacional. O marco normativo consolida no Brasil um instrumento de combate à omissão inconstitucional sem correspondente na jurisdição constitucional comparada. Entretanto, a despeito da euforia com a mais recente inovação legislativa no Direito Constitucional, questões tormentosas como os limites e possibilidades de uma decisão judicial concretista certamente desafiarão àqueles que se debruçam sobre o tema.

A adoção pelo legislador da corrente concretista intermediária abre portas não só para eventuais conflitos institucionais entre Legislativo e Judiciário[1], mas, sobretudo, para a prolação de sentenças manipulativas de caráter aditivo.

As sentenças ou decisões aditivas são uma espécie do gênero sentenças manipulativas. Tais sentenças são assim denominadas em virtude da possibilidade de manipulação normativa do preceito questionado, não havendo um consenso sobre a sua terminologia ou classificação[2]. Optamos pela seguinte nomenclatura e classificação acompanhando parte da doutrina italiana[3]: sentença manipulativa é gênero que tem como espécies a sentença substitutiva e a sentença aditiva. Além disso, existem quatro subespécies de sentenças aditivas: i) sentença aditiva de prestação; ii) sentença aditiva de procedimento; e iii) sentença aditiva de princípio; iv) sentença aditiva de garantia.

A técnica da sentença aditiva surgiu diante da omissão do Parlamento italiano em conformar a antiga ordem infraconstitucional fascista com a Constituição de 1947. Logo, em um primeiro momento, através da técnica aditiva, a Corte Constitucional italiana buscou remover, de forma menos traumática à estrutura do ordenamento, a legislação residual fascista.[4]Esse tipo de decisão é extremamente relevante para: i) “salvar” a lei de uma declaração de inconstitucionalidade – preservando, assim, sua presunçãojúris tantum de constitucionalidade; ii) assegurar direitos fundamentais não exequíveis em razão de uma omissão inconstitucional parcial; e iii) evitar uma declaração de inconstitucionalidade que possa vir a gerar uma perigosa lacuna no ordenamento no caso de uma norma deficiente, criando uma situação mais gravosa do que a declaração direta de inconstitucionalidade.

A doutrina e a jurisprudência da Corte Constitucional italiana[5], traçam as condições para a prolação de sentenças aditivas: I – Ausência de matérias reservadas à reserva absoluta do legislador (criação de tipo penal, por exemplo); II – Impossibilidade de realizar interpretação conforme (ausência de polissemia ou de plurissignificatidade); III – Existência de uma omissão inconstitucional parcial; IV – Existência de uma solução a rimme obbligate(tanto na antiga visão de Crisaffuli quanto na visão de Zagrebelsky[6]); V –Iter procedimental: reconhecimento da insuficiência do texto, abstrata criação e posterior adição de conteúdo; VI – Reconhecimento de que a norma será inconstitucional (por omissão) – enquanto não estabelece …, ou não prevê … ou omite… ou não inclui … ou exclui… algo que deveria incluir para ser compatível com a Constituição.

A legitimidade do uso da técnica aditiva ainda não é reconhecida expressamente pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Isso parece ocorrer em razão da prevalência do ultrapassado discurso dogmático de legislador negativo[7], e da inexistencia de previsão legal expressa que autorize essa espécie de técnica decisória. Consequentemente, em diversas oportunidades a Corte prolata uma decisão aditiva sob o manto das técnicas de interpretação conforme à Constituição e da declaração de inconstitucionalidade parcial sem redução de texto[8].

Todavia, com a previsão expressa da corrente concretista intermediária na Lei do Mandado de Injunção, o legislador definitivamente abre portas para decisões aditivas[9]. Diante de tarefa tão árdua e complexa, caberá à doutrina doutrinar (sic), de modo a establecer parâmetros seguros e coerentes de criação normativa. Neste sentido, Ademar Borges[10] afirma que havendo ausência de norma regulamentadora de direito materialmente fundamental a prolação de sentença aditiva na concessão da injunção mostra-se altamente recomendável no campo da proteção de direitos das minorías e pouco recomendável no caso de regulamentação e disciplina de direitos econômicos e sociais.

A Lei 13.300/2016 fecha uma porta e abre diversas outras: a grande questão não deve mais ser a existência ou não de criação judicial de Direito — eis que inerente ao processo interpretativo —, mas sim os limites dessa criação. O reconhecimento da possibilidade de prolação de sentenças aditivas contribui não só para um amadurecimento da jurisdição constitucional — como instrumento dialógico de aprimoramento institucional entre Legislativo e Judiciário —, mas, sobretudo, torna-se essencial para um controle da atuação do órgão jurisdicional (no sentido de accountability).

Os desdobramentos, limites e possibilidades das questões ventiladas certamente irão colocar à prova a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. É imprescindível que a Corte evolua seu entendimento e assuma de forma nítida e transparente esse papel criativo. Nas palavras de Fernando Teixeira de Andrade em Tempos de Travessia: “Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já tem a forma do nosso corpo, e esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia: e, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos.”

 

 

 

 

Autor: André Luiz Maluf  é advogado e membro da Academia Brasileira de Direito Constit


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